1. — O Governo permitiu que jornais avessos à política dessem notícias da guerra; como, porém, são abundantes os relatos de todos os gêneros, seria inútil repeti-los aqui. O que talvez constitua mais novidade para os nossos leitores é um relato que procede do outro mundo. Embora não seja extraído da fonte oficial do Moniteur, nem por isso oferece menor interesse, do ponto de vista dos nossos estudos. Assim, pensamos em interrogar algumas das gloriosas vítimas da vitória, presumindo aí pudéssemos encontrar alguma instrução de utilidade. Tais assuntos de observação e, sobretudo, de atualidade, não se apresentam todos os dias. Não conhecendo pessoalmente nenhum dos participantes da última batalha, rogamos aos Espíritos assistentes que nos enviassem alguém. Pensamos até mesmo encontrar mais liberdade num desconhecido do que na presença de amigos ou parentes dominados pela emoção. Logrando resposta afirmativa, obtivemos as seguintes conversas:
2. O ZUAVO DE MAGENTA.
PRIMEIRA CONVERSA.
(Sociedade, 10 de junho de 1859.)
1. Rogamos a Deus Todo-Poderoso permitir ao Espírito de um dos militares mortos na batalha de Magenta † que se comunique conosco.
Resposta. – Que quereis saber?
2. Onde vos encontráveis quando vos chamamos?
Resposta. – Não saberia dizer.
3. Quem vos preveniu que desejaríamos nos entreter convosco?
Resposta. – Alguém mais astuto do que eu.
4. Quando na carne duvidáveis que os mortos pudessem vir conversar com os vivos?
Resposta. – Oh! Isso não!
5. Que sensação experimentais por vos encontrardes aqui?
Resposta. – Isso me dá prazer; conforme dizem, deveis fazer grandes coisas.
6. A que Corpo do Exército pertencíeis? (Alguém diz em voz baixa: Pela linguagem deve ser um zouzou.) n
Resposta. – Ah! Dissestes bem.
7. Qual era o vosso posto?
Resposta. – O de todo o mundo.
8. Como vos chamáveis?
Resposta. – Joseph Midard.
9. Como morrestes?
Resposta. – Quereis saber tudo sem nada pagar?
10. Ora, vamos! Não perdestes o vosso bom humor. Falai primeiro; depois pagaremos. Como morrestes?
Resposta. – De uma ameixa que dispararam contra mim.
11. Ficastes contrariado com a morte?
Resposta. – Não! palavra de honra! Estou bem aqui.
12. No momento da morte percebestes logo que havíeis morrido?
Resposta. – Não; eu estava tão atordoado que não podia acreditar.
Observação. – Isto concorda com o que temos observado nos
casos de morte violenta; não se dando conta imediatamente de sua situação,
o Espírito não se julga morto. Esse fenômeno se explica muito facilmente;
é análogo ao dos sonâmbulos que não acreditam que estejam dormindo.
Realmente, para o sonâmbulo, a ideia de sono é sinônimo de suspensão
das faculdades intelectuais. Ora, como ele pensa, não acredita que dorme;
só mais tarde reconhece a verdade, ao se familiarizar com o sentido
ligado a essa palavra. Acontece a mesma coisa com o Espírito surpreendido
por morte súbita, quando não se havia preparado para a separação do
corpo. Para ele a morte é sinônimo de destruição, de aniquilamento.
Ora, desde que vê, sente e raciocina, julga não ter morrido. É necessário
certo tempo para poder reconhecer-se.
13. No momento em que morrestes a batalha não havia ainda terminado. Acompanhastes as suas peripécias?
Resposta. – Sim, pois já vos disse que não me julgava morto; queria continuar maltratando os cães do outro lado.
14. Que sensação experimentáveis?
Resposta. – Eu estava encantado; sentia-me muito leve.
15. Víeis os Espíritos dos vossos camaradas ao deixar o corpo?
Resposta. – Não me preocupava com isso, pois não me julgava morto.
16. Nesse momento, em que se tornava essa multidão de Espíritos que deixava a vida no fragor da batalha?
Resposta. – Creio que faziam o mesmo que eu.
17. Ao se acharem reunidos no mundo espiritual, que pensavam os Espíritos que se batiam mais encarniçadamente? Ainda revelavam animosidade uns contra os outros?
Resposta. – Sim, durante algum tempo e conforme o seu caráter.
18. Reconhecei-vos melhor agora?
Resposta. – Sem isso não me teriam enviado aqui.
19. Poderíeis dizer-nos se, entre os Espíritos de pessoas mortas há muito tempo, não se encontravam alguns interessados no desfecho da batalha? (Rogamos a São Luís que o auxiliasse em suas respostas, a fim de que, para a nossa instrução, fossem elas tão explicitas quanto possível.)
Resposta. – Em grande quantidade. É bom saibais que esses combates e suas consequências são preparados com muita antecedência e que os nossos adversários não se envolveriam em crimes, como de fato ocorreu, se a isso não houvessem sido impelidos, tendo em vista as consequências futuras, que não tardareis a conhecer.
20. Deveria haver quem se interessasse pelo sucesso dos austríacos, estabelecendo dois campos entre eles?
Resposta. – Evidentemente.
Observação. – Não parece que aqui estamos vendo os deuses
de Homero a tomar partido, uns pelos gregos, outros pelos troianos?
Com efeito, quem eram esses deuses do paganismo, senão os Espíritos
que os Antigos haviam transformado em divindades? Não temos razão quando
dizemos que o Espiritismo é a luz que esclarecerá mais de um mistério,
a chave de mais de um problema?
21. Eles exerciam uma influência qualquer sobre os combatentes?
Resposta. – Muito considerável.
22. Poderíeis descrever a maneira pela qual eles exerçam essa influência?
Resposta. – Da mesma maneira por que são exercidas todas as influências que os Espíritos produzem sobre os homens.
23. Que esperais fazer agora?
Resposta. – Estudar mais do que o fiz durante minha última etapa.
24. Retornareis para assistir, como espectador, aos combates que ainda se travam?
Resposta. – Ainda não sei. Tenho afeições que me prendem no momento. Contudo, de vez em quando pretendo dar umas escapadelas para me divertir com as escaramuças subsequentes.
25. Que gênero de afeição vos retém ainda?
Resposta. – Uma velha mãe doente e sofredora, que chora por mim.
26. Peço me desculpeis o mau pensamento que acaba de me atravessar o Espírito, relativamente à afeição que vos retém.
Resposta. – Não vos quero mal por isso. Falo tolices para que possais rir um pouco. É natural que não me tomeis por grande coisa, tendo em vista o honroso corpo a que pertencia. Ficai tranquilos, eu só me engajei por causa de minha pobre mãe. Mereço um pouco que me tenham mandado a vós.
27. Quando vos encontrastes entre os Espíritos ouvíeis o rumor da batalha? Víeis as coisas tão claramente como em vida?
Resposta. – A princípio eu a perdi de vista, mas depois de algum tempo via muito melhor, porque percebia todas as artimanhas.
28. Pergunto se ouvíeis o troar dos canhões.
Resposta. – Sim.
29. No momento da ação, pensáveis na morte e naquilo em que vos tornaríeis, caso fôsseis morto?
Resposta. – Eu pensava no que seria de minha mãe.
30. Era a primeira vez que entráveis no fogo de uma batalha?
Resposta. – Não, não; e a África?
31. Vistes a entrada dos franceses em Milão? †
Resposta. – Não.
32. Aqui sois o único dos que morreram na Itália?
Resposta. – Sim.
33. Pensais que a guerra durará muito?
Resposta. – Não. É fácil e, ademais, de pouco valor essa predição.
34. Quando entre os Espíritos vedes um de vossos chefes, ainda o reconheceis como vosso superior?
Resposta. – Se ele o for, sim; se não, não.
Observação. – Em sua simplicidade e em seu laconismo, esta
resposta é eminentemente profunda e filosófica. No mundo espírita a
superioridade moral é a única que se reconhece. Quem não a teve na Terra,
qualquer que tenha sido a sua posição, não terá nenhuma superioridade.
Naquele mundo o chefe pode estar abaixo do soldado, o patrão em posição
inferior à do servo. Que lição para o nosso orgulho!
35. Pensais na justiça de Deus e vos inquietais por isso?
Resposta. – Quem não pensaria? Mas, felizmente, não tenho muito a temer. Resgatei, por algumas ações que Deus considerou boas, as raras escapadelas que pude cometer na qualidade de zouzou, conforme dissestes.
36. Assistindo a um combate, poderíeis proteger um de vossos camaradas e desviar-lhe um golpe fatal?
Resposta. – Não; isso não está em nosso poder; a hora da morte é marcada por Deus. Se devemos passar por ela, nada o poderá impedir, como ninguém a poderia atingir se sua hora não houvesse soado.
37.
Vedes o General Espinasse? [v. Um oficial superior
morto em Magenta.]
Resposta. – Ainda não o vi, mas espero vê-lo em breve.
SEGUNDA CONVERSA.
(17 de junho de 1859.)
38. Evocação.
Resposta. – Presente! Firme! Em frente!
39. Lembrais de ter vindo aqui há oito dias?
Resposta. – Claro!
40. Dissestes ainda não ter visto o General Espinasse; como poderíeis reconhecê-lo, já que ele não estará envergando o seu hábito de general?
Resposta. – De fato, mas eu o conheço de vista; além disso, temos uma porção de amigos sempre prontos a nos dar a senha. Aqui não é como aí, pois não temos medo de trombar com ninguém e vos asseguro que somente os velhacos ficam sozinhos.
41. Sob que aparência vos encontrais aqui?
Resposta. – Zuavo.
42. Se vos pudéssemos ver, como vos veríamos?
Resposta. – De turbante † e culote. †
43. Pois bem! Supondo-se que nos aparecêsseis de turbante e culote, perguntamos onde adquiristes essas roupas, considerando-se que deixastes as vossas no campo de batalha.
Resposta. – Ora essa! Não sei de nada; tenho um alfaiate que me consegue
algumas. [v. Mobiliário
de além-túmulo.]
44. De que são feitos o turbante e o culote que usais? Tendes alguma ideia?
Resposta. – Não; isto concerne ao negociante de roupas usadas. n
Observação. – Esta questão da vestimenta dos Espíritos, e
várias outras não menos interessantes que se ligam ao mesmo princípio,
são completamente elucidadas por novas observações, feitas no seio da
Sociedade. Delas daremos conta no próximo número. Nosso bravo zuavo
não se acha assaz adiantado para resolver por si mesmo. Para isso foi-nos
necessário o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente
e que nos puseram no caminho certo.
45. Dai-vos conta da razão por que nos vedes, ao passo que não vos podemos ver?
Resposta. – Acho que vossos óculos estão muito fracos.
46. Não será por essa mesma razão que não podeis ver o general em uniforme?
Resposta. – Sim, mas ele não o veste todos os dias.
47. Em que dias o veste?
Resposta. – Ora essa! Quando o chamam ao palácio.
48. Por que estais aqui vestido de zuavo, já que não vos podemos ver?
Resposta. – Naturalmente porque ainda sou zuavo, lá se vão quase oito anos e, também, porque entre os Espíritos conservamos a forma durante muito tempo. Mas isso é apenas entre nós; compreendeis que quando vamos a um mundo completamente estranho, como a Lua ou Júpiter, † não nos damos muito ao trabalho de fazer toalete.
49. Falais da Lua e de Júpiter; já os visitastes depois de morto?
Resposta. – Não; não me compreendeis. Depois da morte já percorremos bastante o Universo. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias? Com a morte o Espírito passa por uma metamorfose que não podeis compreender.
50. Revistes o corpo que deixastes no campo de batalha?
Resposta. – Sim; ele não está nada belo.
51. Que impressão vos deixou tal visão?
Resposta. – Tristeza.
52. Tendes conhecimento de vossa existência anterior?
Resposta. – Sim; mas não era bastante gloriosa para que eu possa envaidecer-me.
53. Dizei-nos apenas o gênero de vida que levastes.
Resposta. – Simples mercador de peles selvagens.
54. Agradecemos por haverdes voltado uma segunda vez.
Resposta. – Até breve. Isto me diverte e me instrui; desde que me tolerem bem aqui, retornarei de bom grado.
3. UM OFICIAL SUPERIOR MORTO EM MAGENTA.
(Sociedade, 10 de junho de 1859.)
1. Evocação.
Resposta. – Eis-me aqui.
2. Poderíeis dizer-nos como atendestes tão prontamente ao nosso apelo?
Resposta. – Eu estava prevenido do vosso desejo.
3. Por quem fostes prevenido?
Resposta. – Por um emissário de Luís. n
4. Tínheis conhecimento da existência de nossa Sociedade?
Resposta. – Vós o sabeis.
Observação. – O oficial em questão tinha realmente auxiliado
a Sociedade para a obtenção do seu registro de funcionamento. n
5. Sob que ponto de vista consideráveis a nossa Sociedade quando concorrestes para a sua formação?
Resposta. – Eu não estava ainda inteiramente decidido, mas me inclinava muito a crer; não fossem os acontecimentos que sobrevieram, por certo teria ido instruir-me no vosso círculo.
6. Há criaturas deveras notáveis que comungam as ideias espíritas, mas que não o confessam de público. Seria desejável que as pessoas influentes desfraldassem abertamente essa bandeira?
Resposta. – Paciência; Deus o quer e, desta vez, a expressão é verdadeira.
7. De que classe influente da sociedade pensais deverá partir em primeiro lugar o exemplo?
Resposta. – No início, de algumas; depois, de todas.
8. Do ponto de vista do estudo, poderíeis dizer-nos se vossas ideias são mais lúcidas que as do zuavo que há pouco esteve aqui, embora ambos hajam falecido mais ou menos na mesma época?
Resposta. – Muito. Aquilo que ele vos disse, testemunhando uma certa elevação do pensamento, foi-lhe soprado, porque ele é bom mas muito ignorante e um tanto leviano.
9. Ainda vos interessais pelo sucesso de nossos exércitos?
Resposta. – Muito mais do que nunca, pois hoje conheço o seu objetivo.
10. Tende a bondade de definir o vosso pensamento; o objetivo sempre foi abertamente confessado e, sobretudo em vossa posição, devíeis conhecê-lo?
Resposta. – O fim que Deus se propôs, vós o sabeis?
Observação. – Ninguém desconhecerá a gravidade e a profundeza
desta resposta. Assim, quando vivo, ele conhecia o objetivo dos homens;
como Espírito, vê o que há de providencial nos acontecimentos.
11. Que pensais da guerra em geral?
Resposta. – Desejo que progridais rapidamente, a fim de que ela se torne tão impossível quanto inútil. Eis a minha opinião.
12. Acreditais que chegará o dia em que ela será impossível e inútil?
Resposta. – Sim, não tenho dúvida, e posso dizer que esse momento não está tão longe quanto pensais, embora não vos possa dar esperança de que o vereis.
13. Vós vos reconhecestes imediatamente no momento da morte?
Resposta. – Quase que imediatamente, graças às vagas noções que possuía do Espiritismo.
14. Podeis dizer algo a respeito de M…, morto também na última batalha?
Resposta. – Ele ainda se encontra enredado na matéria; sente muita dificuldade em se desvencilhar; seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
Observação. – O conhecimento do Espiritismo auxilia o desprendimento
da alma após a morte; assim, concebe-se que abrevie o período de perturbação
que acompanha a separação; o Espírito conhecia antecipadamente o mundo
em que ora se encontra.
15. Assististes à entrada de nossas tropas em Milão?
Resposta. – Sim, e com alegria. Fiquei encantado pela ovação com que nossas armas foram acolhidas, a princípio por patriotismo; depois, pelo futuro que as aguarda.
16. Como Espírito, podeis exercer uma influência qualquer sobre as disposições estratégicas?
Resposta. – Acreditais que isso não tenha sido feito desde o princípio, e tendes dificuldade de adivinhar por quem?
17. Como foi possível que os austríacos abandonassem tão rapidamente uma praça forte como Pavia? †
Resposta. – Medo.
18. Então estão desmoralizados?
Resposta. – Completamente. De mais a mais, se agimos sobre os nossos num sentido, deveis pensar que sobre eles age uma influência de outra natureza.
Observação. – Aqui a intervenção dos Espíritos nos acontecimentos
é inequívoca. Eles preparam os caminhos para a realização dos desígnios
da Providência. Os antigos teriam dito que era obra dos deuses; nós
dizemos que é dos Espíritos, por ordem de Deus.
19. Podeis dar a vossa opinião sobre o General Giulay, como militar, pondo de lado qualquer sentimento nacionalista?
Resposta. – Pobre, pobre general!
20. Voltaríeis de bom grado se vos pedíssemos?
Resposta. – Estou à vossa disposição e prometo vir, mesmo sem ser chamado. A simpatia que eu nutria por vós não fez senão aumentar. Adeus.
4. UM OFICIAL DO EXÉRCITO DA ITÁLIA.
SEGUNDA ENTREVISTA [com o General Espinasse.]
(Sociedade, 1º de julho de 1859. — Vide o número de julho.)
1. Evocação
Resposta. – Eis-me aqui. Falai.
2. Prometestes voltar a ver-nos e aproveitamos o ensejo para vos pedir algumas explicações complementares.
Resposta. – De bom grado.
3. Depois da vossa morte chegastes a assistir a alguns combates?
Resposta. – Sim, ao último.
4. Quando, como Espírito, testemunhais um combate e vedes os homens se matarem mutuamente, experimentais algum sentimento de horror, da mesma forma que também o experimentaríamos se presenciássemos cenas semelhantes?
Resposta. – Sim; mesmo como homem eu já o experimentava. Entretanto, o respeito humano reprimia esse sentimento como indigno de um soldado.
5. Há Espíritos que sentem prazer vendo essas cenas de carnificina?
Resposta. – Poucos.
6. Que sentimento experimentam, a essa visão, os Espíritos de uma ordem superior?
Resposta. – Grande compaixão; quase desprezo. Aquilo que vós mesmos experimentais quando vedes os animais se dilacerarem entre si.
7. Assistindo a um combate e vendo homens morrer, testemunhais a separação entre a alma e o corpo?
Resposta. – Sim.
8. Nesse momento vedes dois indivíduos: o Espírito e o corpo?
Resposta. – Não; que é então o corpo?
— Mas nem por isso o corpo deixa de estar lá; não deve ser distinto do Espírito?
Resposta. – Um cadáver, sim; mas não é mais um ser.
9. Qual a aparência que então assume o Espírito?
Resposta. – Leve.
10. O Espírito afasta-se imediatamente do corpo? Dignai-vos descrever tão explicitamente quanto possível como as coisas se passam e como as veríamos, caso fôssemos testemunhas.
Resposta. – Há poucas mortes realmente instantâneas. O Espírito, cujo corpo foi atingido por uma bala, a maior parte do tempo argumenta consigo mesmo: “Vou morrer, pensemos em Deus e no Céu. Adeus, Terra que eu amava.” Depois desse primeiro sentimento a dor o arranca do corpo e só então podemos distinguir o Espírito, que se move ao lado do cadáver. Isso parece tão natural que a visão do corpo morto não produz nenhum efeito desagradável. Tendo sido toda a vida transportada para o Espírito, apenas este chama a atenção; é com o Espírito que conversamos ou é a ele que damos ordens.
Observação. – Poderíamos comparar esse efeito ao produzido
por um grupo de banhistas; o espectador não presta nenhuma atenção às
roupas deixadas à margem.
11. Surpreendido por uma morte violenta, geralmente por algum tempo o homem não se julga morto. Como se explica a sua situação, e como pode ter ele ilusões, já que deve sentir perfeitamente que seu corpo não é mais material e resistente?
Resposta. – Ele o sabe; não há ilusão.
Observação. – Isto não é perfeitamente exato. Sabemos que
em certos casos os Espíritos se iludem, julgando não estar mortos.
12. Uma tempestade violenta desabou no fim da batalha de Solferino. † Foi por uma circunstância fortuita ou por um desígnio providencial?
Resposta. – Toda circunstância fortuita resulta da vontade de Deus.
13. Essa tempestade tinha um objetivo? Qual seria?
Resposta. – Sim, por certo: fazer cessar o combate.
14. Foi provocado no interesse de uma das partes beligerantes? Qual?
Resposta. – Sim; sobretudo para os nossos inimigos.
— Por que isso? Poderíeis explicar mais claramente?
Resposta. – Perguntais-me por quê? Acaso ignorais que, sem essa tempestade, nossa artilharia não teria deixado escapar um só austríaco?
15.
Se tal tempestade foi provocada, deve ter tido agentes. Quais eram esses
agentes?
Resposta. – A eletricidade.
16. É o agente material. Mas haverá Espíritos que tenham por tarefa conduzir os elementos?
Resposta. – Não; a vontade de Deus é suficiente. Ele não necessita de ajudantes tão elementares.
(Ver mais adiante o
artigo sobre as tempestades.)
[1] Zouzou (pronuncia-se zuzu.) é termo de gíria, significando zuavo. (Julio A. F.) Os zuavos eram soldados de Infantaria da Argélia e de outros territórios árabes, ao serviço do Exército Francês, nos séculos XIX e XX. O Exército Francês ainda mantém unidades, designadas honorificamente, de “zuavos”. †
[2]
[No original francês: “le fripier”. — Aquele que faz o negócio da compra,
conserto e venda de roupa e mobília usada.] †
[3] N. do T.: São Luís (Luís IX, Rei da França) patrono da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.
[4] N. do T.: Desde 1854, quando pela primeira vez ouviu falar das mesas girantes, até a sua desencarnação, em 1869, Allan Kardec conviveu com a França de Napoleão III. Esse sobrinho do grande corso, através de um Golpe de Estado desferido em dezembro de 1851, abriu caminho para ser proclamado Imperador no ano seguinte. Reconhecendo intimamente a fragilidade do regime que fundara, adotou medidas coercitivas e autoritárias de modo a garantir a sua permanência no poder, entre as quais a censura à imprensa e a proibição de reuniões em recintos fechados, além de outros expedientes que restringiam a liberdade do povo francês. Assim, compreendemos melhor por que o Codificador encontrou alguns obstáculos para registrar a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas nos organismos oficiais competentes.