O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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A Gênese.

(Idioma francês)

Capítulo VI.


URANOGRAFIA GERAL. n

O espaço e o tempo. (1, 2.) — A matéria. (3-7.) — As leis e as forças. (8-11.) — A criação primária. (12-16.) — A criação universal. (17-19.) — Os sóis e os planetas. (20-23.) — Os satélites. (24-27.) — Os cometa. (28-31.) — A via-láctea. (32-36.) — As estrelas fixas. (37-44.) — Os desertos do espaço. (45-47.) — Eterna sucessão dos mundos. (48-52.) — A vida universal. (53-57.) — Diversidade dos mundos. (58-61.)


O ESPAÇO E O TEMPO.

1. — Já muitas definições de espaço foram dadas, sendo a principal esta: o espaço é a extensão que separa dois corpos. 2 Na qual certos sofistas deduziram que onde não haja corpos não haverá espaço; 3 nisto foi que se basearam alguns doutores em teologia para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que certo número de corpos finitos não poderiam formar uma série infinita e que, onde acabassem os corpos, igualmente o espaço acabaria. 4 Também definiram o espaço como sendo o lugar onde se movem os mundos, o vazio onde a matéria atua, etc. Deixemos todas essas definições, que nada definem, nos tratados onde repousam.

5 Espaço é uma dessas palavras que exprimem uma ideia primitiva e axiomática, de si mesma evidente, e a cujo respeito as diversas definições que se possam dar nada mais fazem do que obscurecê-la. 6 Todos sabemos o que é o espaço e eu apenas quero firmar que ele é infinito, a fim de que os nossos estudos ulteriores não encontrem uma barreira opondo-se às investigações do nosso olhar.

7 Ora, digo que o espaço é infinito, pela razão de ser impossível imaginar-se-lhe um limite qualquer e porque, apesar da dificuldade com que topamos para conceber o infinito, mais fácil nos é avançar eternamente pelo espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não mais encontrássemos extensão a percorrer.

8 Para figurarmos, quanto no-lo permitam as nossas limitadas faculdades, a infinidade do espaço, suponhamos que, partindo da Terra, perdida no meio do infinito, para um ponto qualquer do Universo, com a velocidade prodigiosa da centelha elétrica, que percorre milhares de léguas por segundo, e que, havendo percorrido milhões de léguas mal tenhamos deixado este globo, nos achamos num lugar donde apenas o divisamos sob o aspecto de pálida estrela. 9 Passado um instante, seguindo sempre a mesma direção, chegamos a essas estrelas longínquas que mal percebeis da vossa estação terrestre. Daí, não só a Terra nos desaparece inteiramente do olhar nas profundezas do céu, como também o próprio Sol, com todo o seu esplendor, se há eclipsado pela extensão que dele nos separa. 10 Animados sempre da mesma velocidade do relâmpago, a cada passo que avançamos na extensão, transpomos sistemas de mundos, ilhas de luz etérea, estradas estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou mundos na mesma profusão com que semeou as plantas nas pradarias terrenas.

11 Ora, há apenas poucos minutos que caminhamos e já centenas de milhões de milhões de léguas nos separam da Terra, bilhões de mundos nos passaram sob as vistas e, entretanto, escutai! em realidade, não avançamos um só passo que seja no Universo.

12 Se continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares e sempre com a mesma velocidade do relâmpago, nem um passo igualmente teremos avançado, qualquer que seja o lado para onde nos dirijamos e qualquer que seja o ponto para onde nos encaminhemos, a partir desse grãozinho invisível donde saímos e a que chamamos Terra.

Eis aí o que é o espaço!


2. — O tempo, como a palavra espaço, é também um termo já por si mesmo definido; dele se faz ideia mais exata, relacionando-o com o todo infinito.

2 O tempo é a sucessão n das coisas; 3 está ligado à eternidade, do mesmo modo que as coisas estão ligadas ao infinito. 4 Suponhamo-nos na origem do nosso mundo, na época primitiva em que a Terra ainda não se movia sob a divina impulsão; numa palavra: no começo da Gênese. 5 O tempo então ainda não saíra do misterioso berço da Natureza e ninguém pode dizer em que época de séculos nos achamos, porquanto o balancim dos séculos ainda não foi posto em movimento.

6 Mas, silêncio! soa na sineta eterna a primeira hora de uma Terra insulada, o planeta se move no espaço e desde então há tarde e amanhã7 Para lá da Terra, a eternidade permanece impassível e imóvel, embora o tempo marche com relação a muitos outros mundos. 8 Para a Terra, o tempo a substitui e durante uma determinada série de gerações contar-se-ão os anos e os séculos.

9 Transportemo-nos agora ao último dia desse mundo, à hora em que, curvado sob o peso da vetustez, ele se apagará do livro da vida para aí não mais reaparecer; interrompe-se então a sucessão dos eventos; cessam os movimentos terrestres que mediam o tempo e o tempo acaba com eles.

10 Esta simples exposição das coisas que dão nascimento ao tempo, que o alimentam, e deixam que ele se extinga, basta para mostrar que, visto do ponto em que houvemos de colocar-nos para os nossos estudos, o tempo é uma gota d’água que cai da nuvem no mar e cuja queda é medida.

11 Tantos mundos na vasta amplidão, quantos tempos diversos e incompatíveis. 12 Fora dos mundos, somente a eternidade substitui essas efêmeras sucessões e enche tranquilamente da sua luz imóvel a imensidade dos céus. 13 Imensidade sem limites e eternidade sem limites, tais as duas grandes propriedades da natureza universal.

14 O olhar do observador, que atravessa, sem jamais encontrar o que o detenha, as incomensuráveis distâncias do espaço, e o do geólogo, que remonta além dos limites das idades, ou que desce às profundezas da eternidade de fauces escancaradas, onde ambos um dia se perderão, atuam em concordância, cada um na sua direção, para adquirir esta dupla noção do infinito: extensão e duração.

15 Dentro desta ordem de ideias, fácil nos será conceber que, sendo o tempo apenas a relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se medem, se tomássemos os séculos terrestres por unidade e os empilhássemos aos milheiros, para formar um número colossal, esse número nunca representaria mais que um ponto na eternidade, do mesmo modo que milhares de léguas adicionadas a milhares de léguas não dão mais que um ponto na extensão.

16 Assim, por exemplo, estando os séculos fora da vida etérea da alma, poderíamos escrever um número tão longo quanto o equador terrestre e supor-nos envelhecidos desse número de séculos, sem que na realidade nossa alma conte um dia a mais; 17 e juntando, a esse número indefinível de séculos, uma série de números semelhantes, longa como daqui ao Sol, ou ainda mais consideráveis, se imaginássemos viver durante uma sucessão prodigiosa de períodos seculares representados, pela adição de tais números, quando chegássemos ao termo, o inconcebível amontoado de séculos que nos passaria sobre a cabeça seria como se não existisse: diante de nós estaria sempre toda a eternidade.

18 O tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; 19 a eternidade não é suscetível de medida alguma, 20 do ponto de vista da duração; para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente.

21 Se séculos de séculos são menos que um segundo, relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da vida humana?!


A MATÉRIA.

3. — À primeira vista, não há o que pareça tão profundamente variado, nem tão essencialmente distinto, como as diversas substâncias que compõem o mundo. 2 Entre os objetos que a Arte ou a Natureza nos fazem passar diariamente ante o olhar, haverá duas que revelem perfeita identidade, ou, sequer, paridade de composição? 3 Quanta dessemelhança, sob os aspectos da solidez, da compressibilidade, do peso e das múltiplas propriedades dos corpos, entre os gases atmosféricos e um filete de ouro, entre a molécula aquosa da nuvem e a do mineral que forma a carcaça óssea do globo! que diversidade entre o tecido químico das variadas plantas que adornam o reino vegetal e o dos representantes não menos numerosos da animalidade na Terra!

4 Entretanto, podemos estabelecer como princípio absoluto que todas as substâncias, conhecidas e desconhecidas, por mais dessemelhantes que pareçam, quer do ponto de vista da constituição íntima, quer pelo prisma de suas ações recíprocas, são, de fato, apenas modos diversos sob que a matéria se apresenta; variedades em que ela se transforma sob a direção das forças inumeráveis que a governam.


4. — A Química, cujos progressos foram tão rápidos depois da minha época, n na qual seus próprios adeptos ainda a relegavam para o domínio secreto da magia; ciência que se pode considerar, com justiça, filha do século da observação e baseada unicamente, de maneira bem mais sólida do que suas irmãs mais velhas, no método experimental; 2 a Química, digo, fez tábua rasa dos quatro elementos primitivos que os antigos concordaram em reconhecer na Natureza; mostrou que o elemento terrestre mais não é do que a combinação de diversas substâncias variadas ao infinito; que o ar e a água são igualmente decomponíveis e produtos de certo número de equivalentes de gás; que o fogo, longe de ser também um elemento principal, é apenas um estado da matéria, resultante do movimento universal a que esta se acha submetida e de uma combustão sensível ou latente.

3 Em compensação, fez surgir considerável número de princípios, até então desconhecidos, que lhe pareceram formar, por determinadas combinações, as diversas substâncias, os diversos corpos que ela estudou e que atuam simultaneamente, segundo certas leis e em certas proporções, nos trabalhos que se realizam dentro do grande laboratório da Natureza. 4 Deu a esses princípios o nome de corpos simples, indicando de tal modo que os considera primitivos e indecomponíveis e que nenhuma operação, até hoje, pode reduzi-los a frações relativamente mais simples do que eles próprios. n


5. — Mas, onde param as apreciações do homem, mesmo ajudadas pelos mais impressionantes sentidos artificiais, prossegue a obra da Natureza; onde o vulgo toma a aparência como realidade, onde o prático levanta o véu e percebe o começo das coisas, o olhar daquele que pode apreender o modo de agir da Natureza apenas vê, nos materiais constitutivos do mundo, a matéria cósmica primitiva, simples e una, diversificada em certas regiões na época do aparecimento destas, repartida em corpos solidários entre si, enquanto têm vida, e que um dia se desmembram, por efeitos da decomposição no receptáculo da extensão.


6. — Há questões que nós mesmos, Espíritos amantes da Ciência, não podemos aprofundar e sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais ou menos hipotéticas. Sobre essas questões, calar-me-ei, ou justificarei a minha maneira de ver. 2 A com que nos ocupamos, porém, não pertence a esse número. Aqueles, portanto, que fossem tentados a enxergar nas minhas palavras unicamente uma teoria ousada, direi: abarcai, se for possível, com olhar investigador, a multiplicidade das operações da Natureza e reconhecereis que, se não admitirmos a unidade da matéria, impossível será explicar, já não direi somente os sóis e as esferas, mas, sem ir tão longe, a germinação de uma semente na terra, ou a produção dum inseto.


7. — Se observa-se tão grande diversidade na matéria, é porque, sendo em número ilimitado as forças que hão presidido às suas transformações e as condições em que estas se produziram, também as várias combinações da matéria não podiam deixar de ser ilimitadas.

2 Logo, quer a substância que se considere pertença aos fluidos propriamente ditos, isto é, aos corpos imponderáveis, quer revista os caracteres e as propriedades ordinárias da matéria, não há, em todo o Universo, senão uma única substância primitiva; o cosmo, ou a matéria cósmica dos uranógrafos. [Vide questão 27 do Livro dos Espíritos.]


AS LEIS E AS FORÇAS.

8. — Se um desses seres desconhecidos que consomem a sua efêmera existência no fundo das tenebrosas regiões do oceano; se um desses poligástricos, uma dessas nereidas — simples animálculos que da Natureza mais não conhecem do que os peixes ictiófagos e as florestas submarinas — recebesse de repente o dom da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de basear suas apreciações num raciocínio conjectural extensivo à universalidade das coisas, que ideia faria da natureza viva que se desenvolve no meio por ele habitado e do mundo terrestre que escapa ao campo de suas observações?

2 Se, agora, por maravilhoso efeito do poder da sua nova faculdade, esse mesmo ser chegasse a elevar-se, acima das suas trevas eternas, a galgar a superfície do mar, não distante das margens opulentas de uma ilha de esplêndida vegetação, banhada pelo Sol fecundante, dispensador de calor benéfico, que juízo faria ele das suas antecipadas teorias sobre a criação universal? 3 Não as baniria, de pronto, substituindo-as por uma apreciação mais ampla, relativamente tão incompleta quanto a primeira? Tal, ó homens, a imagem da vossa ciência toda especulativa. n


9. — Vindo, pois, tratar aqui da questão das leis e das forças que regem o Universo, eu, que apenas sou, como vós, um ser relativamente ignorante, em face da ciência real, mau grado a aparente superioridade que, com relação aos meus irmãos da Terra, me advém da possibilidade de estudar problemas naturais que lhes são interditos na posição em que eles se encontram como terrícolas, trago por único objetivo dar-vos uma noção geral das leis universais, sem explicar pormenorizadamente o modo de ação e a natureza das forças especiais que lhes são dependentes.


10. — Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos; esse fluido é o éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. 2 São-lhe inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que regem o mundo. 3 Essas múltiplas forças, indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas em seus modos de ação, segundo as circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração, magnetismo, eletricidade ativa4 os movimentos vibratórios do agente são conhecidos sob os nomes de som, calor, luz, etc. 5 Em outros mundos, elas se apresentam sob outros aspectos, revelam outros caracteres desconhecidos na Terra e, na imensa amplidão dos céus, forças em número indefinido se têm desenvolvido numa escala inimaginável, cuja grandeza tão incapazes somos de avaliar, como o é o crustáceo, no fundo do oceano, para apreender a universalidade dos fenômenos terrestres. n

6 Ora, assim como só há uma substância simples, primitiva, geradora de todos os corpos, mas diversificada em suas combinações, também todas essas forças dependem de uma lei universal diversificada em seus efeitos e que, pelos desígnios eternos, foi soberanamente imposta à Criação, para lhe imprimir harmonia e estabilidade.


11. — A Natureza jamais se encontra em oposição a si mesma. 2 Uma só é a divisa do brasão do Universo:


UNIDADE

————————

VARIEDADE


3 Remontando à escala dos mundos, encontra-se unidade de harmonia e de criação, ao mesmo tempo que uma variedade infinita no imenso jardim de estrelas; 4 em percorrendo os degraus da vida, desde o último dos seres até Deus, patenteia-se a grande lei de continuidade; 5 em considerando as forças em si mesmas, pode-se formar com elas uma série, cuja resultante, confundindo-se com a geratriz, é a lei universal.

6 Não podeis apreciar esta lei em toda a sua extensão, por serem restritas e limitadas as forças que a representam no campo das vossas observações; entretanto, a gravitação e a eletricidade podem ser consideradas como uma larga aplicação da lei primordial, que impera para lá dos céus.

7 Todas essas forças são eternas — nós explicaremos este termo [item 13,] — e universais, como a Criação; sendo inerentes ao fluido cósmico,  8 elas atuam necessariamente em tudo e em toda parte, modificando suas ações pela simultaneidade ou pela sucessividade, predominando aqui, apagando-se ali, pujantes e ativas em certos pontos, latentes ou ocultas noutros, mas, afinal, preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos em seus diversos períodos de vida, governando os maravilhosos trabalhos da Natureza, onde quer que eles se executem, assegurando para sempre o eterno esplendor da Criação.


A CRIAÇÃO PRIMÁRIA.

12. — Depois de termos considerado o Universo sob os pontos de vista gerais da sua composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos estender os nossos estudos ao modo de formação que deu origem aos mundos e aos seres; desceremos, em seguida, à criação da Terra, em particular, e ao seu estado atual na universalidade das coisas e daí, tomando esse globo por ponto de partida e por unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais.


13. — Se bem compreendemos a relação, ou, antes, a oposição entre a eternidade e o tempo, 2 se nos familiarizamos com a ideia de que o tempo não é mais do que uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias, 3 ao passo que a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente, insuscetível de qualquer medida, do ponto de vista da duração, 4 compreenderemos que para ela não há começo, nem fim.

5 Doutro modo, se fazemos ideia exata embora, necessariamente, muito fraca — da infinidade do poder divino, compreenderemos como é possível que o Universo haja existido sempre e sempre exista. 6 Desde que Deus existiu, suas perfeições eternas falaram. 7 Antes que houvessem nascido os tempos, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o espaço, eterno quanto ela.


14. — Existindo, por sua natureza, desde toda a eternidade, Deus criou desde toda eternidade e não poderia ser de outro modo, 2 visto que, por mais longínqua que seja a época a que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da Criação, haverá sempre, além desse limite, uma eternidade, 3 — ponderai bem esta ideia — uma eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as volições infinitas teriam permanecido sepultadas em muda letargia inativa e infecunda, uma eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres; de mutismo indiferente para o Verbo que os governa; de esterilidade fria e egoísta para o Espírito de amor e vivificação.

4 Compreendamos melhor a grandeza da ação divina e a sua perpetuidade sob a mão do Ser absoluto! Deus é o Sol dos seres, é a Luz do mundo. 5 Ora, a aparição do Sol dá nascimento instantâneo a ondas de luz que se vão espalhando por todos os lados, na extensão; do mesmo modo, o Universo, nascido do Eterno, remonta períodos inimagináveis do infinito de duração, ao Fiat lux! do início.


15. — O começo absoluto das coisas remonta, pois, a Deus; as sucessivas aparições delas no domínio da existência constituem a ordem da Criação perpétua.

2 Que mortal poderia dizer das magnificências desconhecidas e soberbamente veladas sob a noite das idades que se desdobraram nesses tempos antigos, em que nenhuma das maravilhas do Universo atual existia; nessa época primitiva em que, tendo-se feito ouvir a voz do Senhor, os materiais que no futuro haviam de agregar-se por si mesmos e simetricamente, para formar o templo da Natureza, se encontraram de súbito no seio dos vácuos infinitos; quando aquela voz misteriosa, que toda criatura venera e estima como a de uma mãe, produziu notas harmoniosamente variadas, para irem vibrar juntas e modular o concerto dos céus imensos!

3 O mundo, no nascedouro, não se apresentou assente na sua virilidade e na plenitude da sua vida, não: o poder criador nunca se contradiz e, como todas coisas, o Universo nasceu criança. 4 Revestido das leis mencionadas acima e da impulsão inicial inerente à sua formação mesma, a matéria cósmica primitiva fez que sucessivamente nascessem turbilhões, aglomerações desse fluido difuso, amontoados de matéria nebulosa que se cindiram por si próprios e se modificaram ao infinito para gerar, nas regiões incomensuráveis da amplidão, diversos centros de criações simultâneas ou sucessivas.

5 Em virtude das forças que predominaram sobre um ou sobre outro deles e das circunstâncias ulteriores que presidiram aos seus desenvolvimentos, esses centros primitivos se tornaram focos de uma vida especial: uns, menos disseminados no espaço e mais ricos em princípios e em forças atuantes, começaram desde logo a sua particular vida astral; os outros, ocupando ilimitada extensão, cresceram com lentidão extrema, ou de novo se dividiram em outros centros secundários.


16. — Transportando-nos a alguns milhões de séculos somente, acima da época atual, verificamos que a nossa Terra ainda não existe, que mesmo o nosso sistema solar ainda não começou as evoluções da vida planetária; mas, que, entretanto, já esplêndidos sóis iluminam o éter; 2 já planetas habitados dão vida e existência a uma multidão de seres, nossos predecessores na carreira humana, 3 que as produções opulentas de uma natureza desconhecida e os maravilhosos fenômenos do céu desdobram, sob outros olhares, os quadros da imensa Criação. 4 Que digo! já deixaram de existir esplendores que muito antes fizeram palpitar o coração de outros mortais, sob o pensamento da potência infinita! 5 E nós, pobres seres pequeninos, que viemos após uma eternidade de vida, nós nos cremos contemporâneos da Criação!

6 Ainda uma vez; compreendamos melhor a Natureza. Saibamos que atrás de nós, como à nossa frente, está a eternidade, que o espaço é teatro de inimaginável sucessão e simultaneidade de criações. 7 Tais nebulosas, que mal percebemos nos mais longínquos pontos do céu, são aglomerados de sóis em vias de formação; tais outras são vias-lácteas de mundos habitados; outras, finalmente, sedes de catástrofes e de deperecimento. 8 Saibamos que, assim como estamos colocados no meio de uma infinidade de mundos, também estamos no meio de uma dupla infinidade de durações, anteriores e ulteriores; que a Criação universal não se acha restrita a nós, que não nos é lícito aplicar essa expressão à formação isolada do nosso pequenino globo.


A CRIAÇÃO UNIVERSAL.

17. — Após haver remontado, tanto quanto o permitia a nossa fraqueza, em direção à fonte oculta donde dimanam os mundos, como de um rio as gotas d’água, consideremos a marcha das criações sucessivas e dos seus desenvolvimentos seriais.

2 A matéria cósmica primitiva continha os elementos materiais, fluídicos e vitais de todos os universos que estadeiam suas magnificências diante da eternidade; 3 ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira avó e, sobretudo, a eterna geratriz. 4 Absolutamente não desapareceu essa substância donde provêm as esferas siderais; não morreu essa potência, pois que ainda, incessantemente, dá à luz novas criações e incessantemente recebe, reconstituídos, os princípios dos mundos que se apagam do livro eterno.

5 A substância etérea, mais ou menos rarefeita, que se difunde pelos espaços interplanetários; esse fluido cósmico que enche o mundo, mais ou menos rarefeito, nas regiões imensas, opulentas de aglomerações de estrelas; mais ou menos condensado onde o céu astral ainda não brilha; mais ou menos modificado por diversas combinações, de acordo com as localidades da extensão, nada mais é do que a substância primitiva onde residem as forças universais, donde a Natureza há tirado todas as coisas. n


18. — Esse fluido penetra os corpos, como um oceano imenso. 2 É nele que reside o princípio vital que dá origem à vida dos seres e a perpetua em cada globo, conforme à condição deste, princípio que, em estado latente, se conserva adormecido onde a voz de um ser não o chama. 3 Toda criatura, mineral, vegetal, animal ou qualquer outra — porquanto há muitos outros reinos naturais, de cuja existência nem sequer suspeitais — sabe, em virtude desse princípio vital e universal, apropriar as condições de sua existência e de sua duração.

4 As moléculas do mineral têm uma certa soma dessa vida, do mesmo modo que a semente do embrião, e se grupam, como no organismo, em figuras simétricas que constituem os indivíduos.

5 Muito importa nos compenetremos da noção de que a matéria cósmica primitiva se achava revestida, não só das leis que asseguram a estabilidade dos mundos, como também do universal princípio vital que forma gerações espontâneas em cada mundo, à medida que se apresentam as condições da existência sucessiva dos seres e quando soa a hora do aparecimento dos filhos da vida, durante a período criador.

6 Efetua-se assim a Criação universal. É, pois, exato dizer-se que, sendo as operações da Natureza a expressão da vontade divina, Deus há criado sempre, cria incessantemente e nunca deixará de criar.


19. — Até aqui, porém, temos guardado silêncio sobre o mundo espiritual, que também faz parte da Criação e cumpre seus destinos conforme as augustas prescrições do Senhor.

2 Acerca do modo da criação dos Espíritos, entretanto, não posso ministrar mais que um ensino muito restrito, em virtude da minha própria ignorância e também porque tenho ainda de calar-me no que concerne a certas questões, se bem já me haja sido dado aprofundá-las.

3 Aos que desejem religiosamente conhecer e se mostrem humildes perante Deus, direi, rogando-lhes, todavia, que nenhum sistema prematuro baseiem nas minhas palavras, o seguinte: O Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá, simultaneamente com o livre arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos, sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os quais se elabora lentamente a obra da sua individualização; 4 unicamente a datar do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito toma lugar no seio das humanidades.

5 De novo peço: não construais sobre as minhas palavras os vossos raciocínios, tão tristemente célebres na história da metafísica; eu preferiria mil vezes calar-me sobre tão elevadas questões, tão acima das nossas meditações ordinárias, a vos expor a desnaturar o sentido de meu ensino e a vos lançar, por culpa minha, nos inextricáveis dédalos do deísmo ou do fatalismo.


OS SÓIS E OS PLANETAS.

20. — Sucedeu que, num ponto do Universo, perdido entre as miríades de mundos, a matéria cósmica se condensou sob a forma de imensa nebulosa, animada esta das leis universais que regem a matéria. Em virtude dessas leis, notadamente da força molecular de atração, tomou ela a forma de um esferoide, a única que pode assumir uma massa de matéria insulada no espaço.

2 O movimento circular produzido pela gravitação, rigorosamente igual, de todas as zonas moleculares em direção ao centro, logo modificou a esfera primitiva, a fim de a conduzir, de movimento em movimento, à forma lenticular. Falamos do conjunto da nebulosa.


21. — Novas forças surgiram em consequência desse movimento de rotação: a força centrípeta e a força centrífuga, a primeira tendendo a reunir todas as partes no centro, tendendo a segunda a afastá-las dele. 2 Ora, acelerando-se o movimento, à medida que a nebulosa se condensa, e aumentando o seu raio, à medida que ela se aproxima da forma lenticular, a força centrífuga, incessantemente desenvolvida por essas duas causas, predominou de pronto sobre a atração central.

3 Assim como um movimento demasiado rápido da funda lhe quebra a corda, indo o projétil cair longe, também a predominância da força centrífuga destacou o circo equatorial da nebulosa e desse anel uma nova massa se formou, isolada da primeira, mas, todavia, submetida ao seu império. 4 Aquela massa conservou o seu movimento equatorial que, modificado, se lhe tornou movimento de translação em torno do astro solar. Ao demais, o seu novo estado lhe dá um movimento de rotação em torno do próprio centro.


22. — A nebulosa geratriz, que deu origem a esse novo mundo, condensou-se e retomou a forma esférica; mas, como o primitivo calor, desenvolvido por seus diversos movimentos, só com extrema lentidão se atenuasse, o fenômeno que acabamos de descrever se reproduzirá muitas vezes e durante longo período, enquanto a nebulosa não se haja tornado bastante densa, bastante sólida, para oferecer resistência eficaz às modificações de forma, que o seu movimento de rotação sucessivamente lhe imprime.

2 Ela, pois, não terá dado nascimento a um só astro, mas a centenas de mundos destacados do foco central, saídos dela pelo modo de formação mencionado acima. 3 Ora, cada um de seus mundos, revestido, como o mundo primitivo, da forças naturais que presidem à criação dos universos gerará sucessivamente novos globos que desde então lhe gravitarão em torno, como ele, juntamente com seus irmãos, gravita em torno do foco que lhes deu existência e vida. 4 Cada um desses mundos será um Sol, centro de um turbilhão de planetas sucessivamente destacados do seu equador. Esses planetas receberão uma vida especial, particular, embora dependente do astro que os gerou.


23. — Os planetas são, assim, formados de massas de matéria condensada, porém, ainda não solidificada, destacadas da massa central pela ação de força centrífuga e que tomam, em virtude das leis do movimento, a forma esferoidal, mais ou menos elíptica, conforme o grau de fluidez que conservaram. 2 Um desses planetas será a Terra que, antes de se resfriar e revestir de uma crosta sólida, dará nascimento à Lua, pelo mesmo processo de formação astral a que ela própria deveu a sua existência; 3 a Terra, doravante inscrita no livro da vida, berço de criaturas cuja fraqueza as asas da divina Providência protege, nova corda colocada na harpa infinita e que, no lugar que ocupa, tem de vibrar no concerto universal dos mundos.


OS SATÉLITES.

24. — Antes que as massas planetárias houvessem atingido um grau de resfriamento bastante a lhes operar a solidificação, massas menores, verdadeiros glóbulos líquidos, se desprenderam de algumas no plano equatorial, plano em que é maior a força centrífuga, e, por efeito das mesmas leis, adquiriram um movimento de translação em torno do planeta que as gerou, como sucedeu a estes com relação ao astro central que lhes deu origem.

2 Foi assim que a Terra deu nascimento à Lua, cuja massa, menos considerável, teve que sofrer um resfriamento mais rápido. 3 Ora! as leis e as forças que presidiram ao fato de ela se destacar do equador terreno, e o seu movimento de translação no mesmo plano, agiram de tal sorte que esse mundo, em vez de revestir a forma esferoidal, tomou a de um globo ovoide, isto é, a forma alongada de um ovo, com o centro de gravidade fixado na parte inferior.


25. — As condições em que se efetuou a desagregação da Lua pouco lhe permitiram afastar-se da Terra e a constrangeram a conservar-se perpetuamente suspensa no seu firmamento, como uma figura ovoide cujas partes mais pesadas formaram a face inferior voltada para a Terra e cujas partes menos densas lhe constituíram o vértice, se com essa palavra se designar a face que, do lado oposto à Terra, se eleva para o céu. É o que faz que esse astro nos apresente sempre a mesma face. Para melhor compreender-se o seu estado geológico, pode ele ser comparado a um globo de cortiça, tendo formada de chumbo a face voltada para a Terra.

2 Daí, duas naturezas essencialmente distintas na superfície do mundo lunar: uma, sem qualquer analogia com o nosso, porquanto lhe são desconhecidos os corpos fluidos e etéreos; a outra, leve, relativamente à Terra, pois que todas as substâncias menos densas se encaminharam para esse hemisfério. A primeira, perpetuamente voltada para a Terra, sem águas e sem atmosfera, a não ser, aqui e ali, nos limites desse hemisfério subterrestre; a outra, rica de fluidos, perpetuamente oposta ao nosso mundo. n


26. — O número e o estado dos satélites de cada planeta têm variado de acordo com as condições especiais em que eles se formaram. Alguns não deram origem a nenhum astro secundário, como se verifica com Mercúrio, Vênus e Marte, ao passo que outros, como a Terra, Júpiter, Saturno, etc., formaram um ou vários desses astros secundários.


27. — Além de seus satélites ou luas, o planeta Saturno apresenta o fenômeno especial do anel que, visto de longe, parece cercá-lo de uma como auréola branca. Esse anel é, com efeito, o resultado de uma separação que se operou no equador de Saturno, ainda nos tempos primitivos, do mesmo modo que uma zona equatorial se escapou da Terra para formar o seu satélite. 2 A diferença consiste em que o anel de Saturno se formou, em todas as suas partes, de moléculas homogêneas, provavelmente já em certo estado de condensação, e pôde, dessa maneira, continuar o seu movimento de rotação no mesmo sentido e em tempo quase igual ao do que anima o planeta. 3 Se um dos pontos desse anel houvesse ficado mais denso do que outro, uma ou muitas aglomerações de substância se teriam subitamente operado e Saturno contaria muitos satélites a mais. Desde a época da sua formação, esse anel se solidificou, do mesmo modo que os outros corpos planetários.


OS COMETAS.

28. — Astros errantes, os cometas, ainda mais do que os planetas, que conservaram a denominação etimológica, serão os guias que nos ajudarão a transpor os limites do sistema a que pertence a Terra e nos levarão às regiões longínquas da extensão sideral.

2 Mas, antes de explorarmos os domínios celestes, com o auxílio desses viajantes do universo, bom será demos a conhecer, tanto quanto possível, a natureza intrínseca deles e o papel que lhes cabe na economia [organização] planetária.


29. — Alguns hão visto, nesses astros dotados de cabeleira, mundos nascentes, a elaborarem, no primitivo caos em que se acham, as condições de vida e de existência, que tocam em partilha às terras habitadas; outros imaginaram que esses corpos extraordinários eram mundos em estado de destruição e, para muitos, a singular aparência que têm foi motivo de apreciações errôneas acerca da natureza deles, isso a tal ponto que não houve, inclusive na astrologia judiciária, quem não os considerasse como pressagiadores de desgraças, enviados, por desígnios providenciais, à Terra, espantada e tremente.


30. — A lei de variedade se aplica em tão larga escala nos trabalhos da Natureza, que admira hajam os naturalistas, os astrônomos e os filósofos fabricado tantos sistemas para assimilar os cometas aos astros planetários e para somente verem neles astros em graus mais ou menos adiantados, de desenvolvimento ou de caducidade. 2 Entretanto, os quadros da Natureza deveriam bastar amplamente para afastar o observador da preocupação de perquirir relações inexistentes e deixar aos cometas o papel modesto, porém, útil, de astros errantes, que servem de exploradores aos impérios solares. 3 Porque, os corpos celestes de que tratamos são coisa muito diversa dos corpos planetários; não têm por destinação, como estes, servir de habitação a humanidades. Vão sucessivamente de sóis em sóis, enriquecendo-se, às vezes, pelo caminho, de fragmentos planetários reduzidos ao estado de vapor, haurir, nos focos solares, os princípios vivificantes e renovadores que derramam sobre os mundos terrestres. (Cap. IX, n.º 12.)


31. — Se, quando um desses astros se aproxima do nosso pequenino globo, para lhe atravessar a órbita e voltar ao seu apogeu, situado a uma distância incomensurável do Sol, o acompanhássemos, pelo pensamento, para visitar com ele as províncias siderais, transporíamos a prodigiosa extensão de matéria etérea que separa das estrelas mais próximas o Sol e, observando os movimentos combinados desse astro, que se suporia desgarrado no deserto infinito, ainda aí encontraríamos uma prova eloquente da universalidade das leis da Natureza, que atuam a distâncias que a mais ativa imaginação mal pode conceber.

2 Aí, a forma elíptica toma a forma parabólica e a marcha se torna tão lenta que o cometa não chega a percorrer mais que alguns metros, no mesmo tempo durante o qual, em seu perigeu, percorria muitos milhares de léguas. 3 Talvez um sol mais poderoso, mais importante do que o que ele acaba de deixar, exerça sobre esse cometa uma atração preponderante e o recebe na categoria de seus súditos. Então, na vossa pequenina Terra, em vão as crianças espantadas lhe aguardarão o retorno, que haviam predito, baseando-se em observações incompletas. 4 Nesse caso, nós, que pelo pensamento acompanhamos a essas regiões desconhecidas o cometa errante, depararemos com uma nação nova, que os olhares terrenos não podem encontrar, inimaginável para os Espíritos que habitam a Terra, inconcebível mesmo para as suas mentes, porquanto ela será teatro de inexploradas maravilhas.

5 Chegamos ao mundo astral, nesse mundo deslumbrante dos vastos sóis que irradiam pelo espaço infinito e que são as flores brilhantes do magnífico jardim da Criação. Lá chegados, apenas saberemos o que é a Terra.



[1] Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título — Estudos uranográficos e assinadas GALILEU. Médium: Sr. C. F. (Nota do Tradutor: Estas são as iniciais do nome de Camilo Flammarion.)


[2] [Hoje diríamos que o tempo é a medida da sucessão dos fatos ou eventos]


[3] [Galileu, que ditou esses estudos uranográficos, viveu entre 1564 e 1642.]


[4] Os principais corpos simples são: entre os não-metálicos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto, o cloro, o carbono, o fósforo, o enxofre, o iodo; entre os metálicos, o ouro, a prata, a platina, o mercúrio, o chumbo, o estanho, o zinco, o ferro, o cobre, o arsênico, o sódio, o potássio, o cálcio, o alumínio, etc.


[5] Tal também a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, após se haverem despojado do envoltório carnal, contemplam, desdobrados às suas vistas, os horizontes desse mundo. Compreendem, então, quão ocas eram as teorias com que pretendiam tudo explicar por meio exclusivamente da matéria. Contudo, esses horizontes ainda lhes ocultam mistérios que só posteriormente se lhes desvendam, à medida que, depurando-se, eles se elevam. Desde, porém, os seus primeiros momentos no outro mundo, veem-se forçados a reconhecer a própria cegueira e quão longe estavam da verdade.


[6] Tudo reportamos ao que conhecemos e do que escapa à percepção dos nossos sentidos não compreendemos mais do que compreende o cego de nascença acerca dos efeitos da luz e da utilidade dos olhos. Possível é, pois, que noutros meios, o fluido cósmico possua propriedades, que sejam suscetíveis de combinações de que não fazemos nenhuma ideia, produza efeitos apropriados a necessidades que desconhecemos, dando lugar a percepções novas ou a outros modos de percepção. Não compreendemos, por exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem a luz. Quem nos diz, porém, que não existam outros agentes, afora a luz, aos quais são adequados organismos especiais? A vista sonambúlica, que nem a distância, nem os obstáculos materiais, nem a obscuridade detêm, nos oferece um exemplo disso. Suponhamos que, num mundo qualquer, os seres sejam normalmente o que só excepcionalmente o são os nossos sonâmbulos; eles, sem precisarem da nossa luz, nem dos nossos olhos, verão o que não podemos ver. O mesmo se dá com todas as outras sensações. As condições de vitalidade e de perceptibilidade, as sensações e as necessidades variam de conformidade com os meios.


[7] Se perguntásseis qual o princípio dessas forças e como pode esse princípio estar na substância mesma que o produz, responderíamos que a mecânica numerosos exemplos nos oferece desse fato. A elasticidade, que faz com que uma mola se distenda, não esta na própria mola e não depende do modo de agregação das moléculas? O corpo que obedece à força centrífuga recebe a sua impulsão do movimento primitivo que lhe foi impresso.


[8] Esta teoria da Lua, nova inteiramente, explica, pela lei da gravitação, o motivo por que esse astro apresenta sempre a mesma face para a Terra. Tendo o centro de gravidade num dos pontos de sua superfície, em vez de estar no centro da esfera, e sendo, em consequência, atraído para a Terra por uma força maior do que a que atrai as partes mais leves, a Lua pode ser tida como uma dessas figuras chamadas vulgarmente João-paulino, que se levantam constantemente sobre a sua base, ao passo que os planetas, cujo centro de gravidade está a distâncias iguais da superfície, giram regularmente sobre o próprio eixo. Os fluidos vivificantes, gasosos ou líquidos, por virtude da sua leveza específica, se encontrariam acumulados no hemisfério superior, perenemente oposto à Terra. O hemisfério inferior, o único que vemos, seria desprovido de tais fluidos e, por isso, impróprio à vida que, entretanto, reinaria no outro. Se, pois, o hemisfério superior é habitado, seus habitantes jamais viram a Terra, a menos que excursionem pelo outro, o que lhes seria impossível, desde que este carece das condições indispensáveis à vitalidade. Por muito racional e científica que seja essa teoria, como ainda não foi confirmada por nenhuma observação direta, somente a título de hipótese pode ser aceita e como ideia capaz de servir de baliza à Ciência. Não se pode, porém, deixar de convir em que é a única, até ao presente, que dá uma explicação satisfatória das particularidades que representa o globo lunar.


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