Justiça e direitos naturais. — Amor ao próximo. — Direito de propriedade. (Questões 442 a 452.) |
442. A necessidade que tem o homem de viver em sociedade acarreta para ele obrigações particulares? [Questão 877.]
“Sim, e a primeira de todas é a de respeitar os direitos de seus semelhantes. Aquele que respeitar esses direitos sempre agirá com justiça. No vosso mundo, onde tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de represálias, e é isso que causa perturbação e confusão na vossa sociedade.”
442 a. Em que consiste ajustiça? [Questão 875.]
“A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. A vida social estabelece direitos e impõe deveres recíprocos.”
443. Podendo o homem iludir-se quanto à extensão de seu direito, que deve fazer para conhecer o limite desse direito? [Questão 878.]
“O limite do direito que reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente.”
443 a. Mas se cada um atribuir a si mesmo direitos iguais aos de seu semelhante, que virá a ser da subordinação aos superiores? Não seria a anarquia de todos os poderes? [Questão 878 a.]
“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde o menor até o maior. Deus não fez uns de limo mais puro que outros, e todos são iguais perante Ele. Esses direitos são eternos. Os que o homem estabeleceu perecem com suas instituições. Além disso, cada um sente bem sua força ou sua fraqueza e saberá sempre ter certa deferência para com os que o mereçam por suas virtudes e sabedoria. É importante destacar isto, para que os que se julgam superiores conheçam seus deveres, a fim de merecer essas deferências. A subordinação não estará comprometida, quando a autoridade for conferida à sabedoria.”
Deus imprimiu no coração do homem a regra da verdadeira justiça, fazendo que cada um veja respeitados seus direitos, Jesus vos deu esta regra: Fazei aos outros o que gostaríeis que os outros vos fizessem. ( † )
Na incerteza de como proceder em relação ao semelhante, em dada circunstância, o homem deve indagar a si mesmo como gostaria que os outros procedessem para com ele, em idêntica circunstância. Deus não lhe podia ter dado guia mais seguro do que a própria consciência.
444. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda sua pureza? [Questão 879.]
“O do verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, porque praticaria também o amor ao próximo e a caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.”
444 a. Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, tal como a entendia Jesus? [Questão 886.]
“Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”
O amor e a caridade são o complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é fazer-lhe todo o bem que nos seja possível e que desejaríamos que nos fosse feito. Tal o sentido destas palavras de Jesus: Amai-vos uns aos outros como irmãos.
445. Jesus também disse: Amai até os vossos inimigos. ( † ) Ora, o amor aos inimigos não será contrário às nossas tendências naturais, e a inimizade não provirá da falta de simpatia entre os Espíritos? [Questão 887.]
“Sem dúvida não se pode ter pelos inimigos um amor terno e apaixonado. Não foi isso que Jesus quis dizer. Amar os inimigos é perdoar-lhes e retribuir-lhes o mal com o bem. Aquele que assim procede se torna superior aos seus inimigos, ao passo que, pela vingança, se coloca abaixo deles.” 129
446. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? [Questão 880.]
“O de viver. Por isso ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência.”
447. Que se deve pensar da esmola? [Questão 888.]
“O homem condenado a pedir esmola se degrada moral e fisicamente; embrutece-se.”
447 a. Então reprovais a esmola? [Questão 888 a.]
“Não; não é a esmola que é reprovável, mas a maneira por que habitualmente é dada. O homem de bem, que compreende a caridade segundo Jesus, vai ao encontro do infeliz, sem esperar que este lhe estenda a mão.”
447 b. Não haverá homens reduzidos à mendicância por sua própria culpa? [Questão 889.]
“Sem dúvida; mas se uma boa educação moral lhes tivesse ensinado a praticar a Lei de Deus, não teriam caído nos excessos que ocasionaram sua perdição. É disso, sobretudo, que depende a melhoria de vosso globo.”
Deve-se distinguir a esmola, propriamente dita, da beneficência. Nem sempre o que pede é o mais necessitado. O temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre que, muitas vezes, sofre sem se queixar. É a esse que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar, sem ostentação.
448. O direito de viver confere ao homem o direito de acumular bens que lhe garantam o repousa quando não mais puder trabalhar? [Questão 881.]
“Sim, mas deve fazê-lo em família, como a abelha, por meio de trabalho honesto, e não acumular, como o egoísta. Até mesmo alguns animais lhe dão o exemplo da previdência.”
449. O homem tem o direito de defender os bens que acumulou por seu trabalho? [Questão 882.]
“Não disse Deus: Não roubarás? ( † ) E Jesus: Dai a César o que é de César?” ( † )
Aquilo que o homem acumula por meio do trabalho honesto constitui legítima propriedade sua, que ele tem o direito de defender, porque a propriedade que resulta do trabalho é um direito natural tão sagrado quanto o de trabalhar e viver.
450. É natural o desejo de possuir? [Questão 883.]
“Sim, mas quando o homem só deseja para si e para sua satisfação pessoal, é puro egoísmo.”
450 a. Entretanto, não será legítimo o desejo de possuir, visto que aquele que tem de que viver não se torna pesado a ninguém? [Questão 883 a.]
“Sim, para o que impõe limites aos seus desejos. Há, porém, homens insaciáveis, que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou apenas para saciar suas paixões, porque receberam educação deficiente e se deixaram arrastar pelo mau exemplo. Julgas que Deus aprova isso? Aquele, ao contrário, que junta pelo trabalho, tendo em vista socorrer os semelhantes, pratica a lei de amor e caridade, e Deus abençoa seu trabalho.”
451. Qual o caráter da legítima propriedade? [Questão 884.]
“Só é legítima a propriedade que foi adquirida sem prejuízo de outrem.”
A lei de amor e de justiça proíbe que façamos aos outros o que não desejaríamos que nos fizessem, condenando, por isso mesmo, a aquisição de bens por quaisquer meios que lhe sejam contrários.
452. Será ilimitado o direito de propriedade? [Questão 885.]
“Sem dúvida, tudo o que é legitimamente adquirido constitui uma propriedade. Mas, como já dissemos, a legislação humana é imperfeita e consagra muitos direitos convencionais que a justiça natural reprova. É por isso que os homens reformam suas leis, à medida que o progresso se efetua e que melhor compreendem a justiça. O que em um século parece perfeito afigura-se bárbaro no século seguinte.”
[129] N. T.: Para maiores detalhes sobre o assunto, ver O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XII, itens 3 e 4.