Seres
orgânicos. — Princípio vital. — Instinto e inteligência. — Diferença
entre as plantas, os animais e o homem. (Questões
23 a 37.) |
23. O
mundo corpóreo é limitado à Terra que habitamos?
“Não, pois todos os mundos do Universo são povoados de seres vivos.”
O mundo corpóreo se compõe de todos os seres orgânicos considerados
como formados de matéria, que existem na Terra e em outros globos do
Universo.
24. É
a mesma a lei que une os elementos da matéria nos seres orgânicos e
inorgânicos? [Questão 60.]
“Sim.”
24 a. A
matéria inerte não sofre nenhuma modificação nos seres orgânicos?
“A matéria é sempre a mesma, mas animalizada.” [Questão
61.]
24 b. Qual
a causa da animalização da matéria? [Questão
62.]
“Sua união com o princípio vital.”
Como todos os outros corpos, os seres orgânicos são formados
pela agregação da matéria; há, porém, algo a mais neles, uma causa especial
de atividade íntima devida à presença do princípio vital. Eles nascem,
crescem, vivem, reproduzem-se por si mesmos e morrem; realizam atos
que variam segundo a natureza dos órgãos de que estão providos e que
são apropriados às suas necessidades. (Nota
3).
25. O
princípio vital é o mesmo para todos os seres orgânicos? [Questão
66.]
“Sim, modificado segundo as espécies. É ele que lhes dá movimento e
atividade e os distingue da matéria inerte; porque o movimento da matéria
não é a vida; ela recebe esse movimento, não o dá.”
O princípio vital é o mesmo para todos os seres orgânicos;
conforme a natureza dos seres, ele sofre certas modificações, mas que
não lhe alteram a essência íntima. Dá a todos a atividade que lhes faz
exercerem os atos necessários à própria conservação.
26. A
vitalidade é um atributo permanente do princípio vital, ou somente se
desenvolve pelo funcionamento dos órgãos? [Questão
67.]
“Só se desenvolve com o corpo.”
26 a. Pode-se
dizer que a vitalidade fica em estado de latência, quando o princípio
vital não está unido ao corpo? [Questão
67 a.]
“Sim, é isso mesmo.”
Ao mesmo tempo que o princípio vital dá impulsão aos órgãos,
a ação destes entretém e desenvolve a atividade do princípio vital,
mais ou menos como o atrito produz o calor. Pode-se dizer que a vitalidade
permanece em estado de latência, se não estiver unida ao corpo e desenvolvida.
27. Qual
a causa da morte nos seres orgânicos? [Questão
68.]
“Esgotamento dos órgãos.”
27 a. Poder-se-ia
comparar a morte à cessação do movimento numa máquina desorganizada?
[Questão 68 a.]
“Sim; se a máquina não está bem montada, a mola se parte; se o corpo
está enfermo, a vida se extingue.”
A morte resulta do esgotamento ou da desagregação dos órgãos
que não podem mais entreter a atividade do princípio vital.
Cessado o funcionamento dos órgãos por uma causa qualquer, esse princípio perde
suas propriedades ativas e a vida acaba.
A vida orgânica é, portanto, o estado ativo do princípio vital; a morte
é a cessação dessa atividade, ou o estado de latência do princípio vital
(Nota 4).
28. Em
que se transforma a matéria dos seres orgânicos quando eles morrem?
[Questão 70.]
“A matéria se decompõe e vai formar novos organismos.”
28 a. Em
que se transforma o princípio vital de cada ser vivo depois que eles
morrem? [Questão 70.]
“O princípio vital retorna à massa.”
28 b. Seria
o princípio vital aquilo que certos filósofos chamam alma universal?
“Isso é um sistema.”
Morto o ser orgânico, a matéria de que é formado se decompõe;
os elementos, por meio de novas combinações, transformam-se e constituem
novos seres que haurem da fonte universal o princípio da vida e da atividade,
o absorvem e assimilam, para o restituírem à mesma fonte quando deixarem
de existir.
O princípio vital é o que alguns chamam de alma universal.
29. A
inteligência é um atributo do princípio vital? [Questão
71.]
“Não, pois as plantas vivem e não pensam: só têm vida orgânica. A inteligência
e a matéria são independentes, já que um corpo pode viver sem a inteligência;
mas a inteligência só pode manifestar-se por meio dos órgãos materiais.
É preciso a união com o espírito para dar inteligência à matéria animalizada.”
A vitalidade é independente do princípio intelectual.
A inteligência é uma faculdade especial, peculiar a algumas classes de
seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de agir,
a consciência de sua existência e de sua individualidade, bem como os
meios de estabelecerem relações com o mundo exterior e de proverem às
suas necessidades.
30. O
instinto é independente da inteligência? [Questão
73.]
“Não exatamente, porque o instinto é uma espécie de inteligência.”
30 a. Quais
os caracteres distintivos do instinto e da inteligência?
“O instinto é uma inteligência irracional, independente da vontade.”
O instinto é uma inteligência rudimentar, que difere da
inteligência propriamente dita por serem suas manifestações quase sempre
espontâneas e independentes da vontade, ao passo que as da inteligência
resultam de uma combinação e de um ato deliberado. [Questão
75 a.]
31. O
instinto é comum a todos os seres vivos?
“Sim, tudo que vive tem instinto. É por ele que todos os seres proveem
às suas necessidades.” [Questão 73.]
31 a. Pode-se
estabelecer um limite entre o instinto e a inteligência, isto é, precisar
onde acaba um e começa a outra? [Questão
74.]
“Não, porque muitas vezes se confundem. Mas se podem distinguir muito
bem os atos que decorrem do instinto daqueles que pertencem à inteligência.”
O instinto é comum a todos os seres orgânicos, mas varia
em suas manifestações, conforme as espécies e suas necessidades.
É cego e puramente mecânico nos seres inferiores privados da vida de
relação, como as plantas.
Nos seres que têm a consciência e a percepção das coisas exteriores,
ele se alia à inteligência, isto é, à vontade e à liberdade. [Questão
75 a.]
32. Podemos
dizer que os animais só agem por instinto? [Questão
593.]
“Isso ainda é um sistema de vossos pretensos filósofos. É bem verdade
que o instinto domina a maioria dos animais. Mas não vês que muitos
agem com vontade determinada? É que têm inteligência, embora limitada.”
Além do instinto, não se poderia negar a certos animais
a prática de atos combinados, que denotam vontade de agir em determinado
sentido, conforme as circunstâncias. Há, pois, neles, uma espécie de
inteligência, mas cujo exercício se circunscreve quase exclusivamente
aos meios de satisfazerem às suas necessidades físicas e de proverem
à sua conservação.
33. Os
animais têm alguma linguagem? [Questão
594.]
“Se vos referis a uma linguagem formada de sílabas e palavras, não;
se pensais num meio de se comunicarem entre si, eles têm linguagem.
Dizem uns aos outros muito mais coisas do que imaginais. A linguagem
deles, porém, assim como as ideias que possam ter, são limitadas às
suas necessidades.”
33 a. Há
animais que não têm voz. Estes não parecem destituídos de linguagem?
[Questão 594 a.]
“Eles se compreendem por outros meios. Oh! homens, para vos comunicardes
reciprocamente, só dispondes da palavra? Que dizeis dos mudos?”
Sendo dotados de vida de relação, os animais têm uma linguagem
pela qual se comunicam uns com os outros, se advertem e exprimem as
sensações que experimentam; nem mesmo os que não produzem sons articulados
estão desprovidos de meios de comunicação.
O homem, pois, não goza do privilégio exclusivo da palavra. Enquanto
a linguagem dos animais é apropriada às suas necessidades e limitada
ao círculo de suas ideias, a do homem se presta a todas as percepções
de sua inteligência.
34. No
aspecto físico o homem é superior aos animais?
“Pelo físico ele é como os animais, e bem menos dotado que muitos deles;
a Natureza lhes deu tudo que o homem é obrigado a inventar com sua inteligência,
para a satisfação de suas necessidades e para sua conservação.” [Questão
592.]
Pelo físico o homem é um ser orgânico análogo aos animais,
sujeito às mesmas necessidades e dotado dos mesmos instintos para as
prover. Seu corpo é submetido às mesmas leis de decomposição e sua própria
constituição o tornaria inferior a muitos deles se não fora suprida
pela superioridade de sua inteligência.
35. A
diferença entre o homem e os animais não seria mais sensível no aspecto
moral que no físico?
“Sim; ele tem faculdades que lhe são próprias. Quanto a este ponto,
vossos filósofos nâo estão de acordo em quase nada. Uns querem que o
homem seja um animal e outros que o animal seja um homem. Todos estão
errados. O homem é um ser à parte, que desce muito baixo algumas vezes
ou que pode elevar-se muito alto.” [Questão
592.]
O homem é dotado de faculdades especiais que, do ponto de
vista moral, o colocam incontestavelmente acima de todos os seres da
Criação, que ele sabe subjugar e sujeitar às suas necessidades. Somente
ele se aperfeiçoa por si mesmo e aproveita as lições da experiência
e da tradição; apenas ele é capaz de sondar os mistérios da Natureza
e dela tirar nào só novos recursos e novos prazeres, mas, também, a
esperança do porvir.
36. É
correto dizer-se que as faculdades instintivas diminuem à medida que
crescem as intelectuais? [Questão
75.]
“Não; o instinto existe sempre, mas o homem o despreza. O instinto também
pode conduzir ao bem. Ele quase sempre nos guia e algumas vezes com
mais segurança do que a razão.”
36 a. Por
que a razão nem sempre é um guia infalível? [Questão
75 a.]
“Seria infalível se não fosse falseada pela má-educação, pelo orgulho
e pelo egoísmo.”
No homem, as faculdades instintivas não ficam neutralizadas
pelo desenvolvimento da inteligência; somente ele não lhes dá a devida
atenção, a fim de ouvir o que chama sua razão. O instinto é um guia
interior que tanto conduz ao bem quanto ao mal; a razão permite a escolha
e dá ao homem o livre-arbítrio.
O instinto jamais se engana; a razão
sim, quase sempre pelo orgulho, pelo egoísmo e pelo falso caminho imprimido
pela educação.
37. A
diferença entre o homem e os animais não consistiria apenas na desenvolvimento
das faculdades?
“Não; como já dissemos, o homem é um ser à parte. Seu corpo apodrece
como o dos animais, é verdade, mas seu Espírito tem outro destino que
só ele pode compreender.”
As faculdades que são próprias do homem, e que os demais
seres vivos não possuem, atestam em sua pessoa a existência de um princípio
superior à vitalidade, ao instinto e à inteligência animal. É esse princípio
que lhe dá a inteligência moral e o sentimento de seu destino futuro.