Roteiro 3
A casa edificada sobre a rocha
Objetivos: Analisar, à luz da Doutrina Espírita, o simbolismo da “casa construída sobre a rocha”, constante em Mateus, 7.24-27 e em Lucas, 6.46-49. — Esclarecer por que todas as pessoas podem e devem colocar em prática os ensinamentos de Jesus.
IDEIAS PRINCIPAIS
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Todos os que reconhecem a missão de Jesus dizem: Senhor! Senhor! — Mas, de que serve lhe chamarem Mestre ou Senhor, se não lhe seguem os preceitos? Allan Kardec: O Evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo 18, item 9.
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São eternas as palavras de Jesus, porque são a verdade. […] Eis por que todas as instituições humanas, políticas, sociais e religiosas, que se apoiarem nessas palavras, serão estáveis como a casa construída sobre a rocha. Allan Kardec: O Evangelho segundo o Espiritismo. Capítulo 18, item 9.
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Na qualidade de político ou de varredor, num palácio ou numa choupana, o homem da Terra pode fazer o que lhe ensinou Jesus. Emmanuel: Caminho, verdade e vida. Capítulo 47.
SUBSÍDIOS
1. Texto evangélico
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E porque me chamais Senhor, Senhor, e na fazeis o que eu digo? Qualquer que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as observa, eu vos mostrarei a quem é semelhante. E semelhante ao homem que edificou uma casa, e cavou, e abriu bem fundo, e pôs os alicerces sobre rocha; e, vindo a enchente, bateu com ímpeto a corrente naquela casa e não a pôde abalar, porque estava fundada sobre rocha. Mas o que ouve e não pratica é semelhante ao homem que edificou uma casa sobre terra, sem alicerces, na qual bateu com ímpeto a corrente, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa. Lucas, 6.46-49.
Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. E aquele que ouve estas minhas palavras e as não cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia. E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda. Mateus, 7.24-27.
Por esse ensinamento de Jesus, registrado por Lucas e por Mateus, identificamos duas questões fundamentais, dirigidas a todo cristão, independentemente da interpretação religiosa que segue: 1) a importância de colocar em prática os ensinamentos de Jesus; 2) a sabedoria, ou prudência, em edificar o próprio caráter em bases sólidas. A propósito, esclarece Kardec:
Todos os que reconhecem a missão de Jesus dizem: Senhor! Senhor! — Mas, de que serve lhe chamarem Mestre ou Senhor, se não lhe seguem os preceitos? Serão cristãos os que o honram com exteriores atos de devoção e, ao mesmo tempo, sacrificam ao orgulho, ao egoísmo, à cupidez e a todas as suas paixões? Serão seus discípulos os que passam os dias em oração e não se mostram nem melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes para com seus semelhantes? Não, porquanto, do mesmo modo que os fariseus, eles têm a prece nos lábios e não no coração. […] Não espereis dobrar a justiça do Senhor pela multiplicidade das vossas palavras e das vossas genuflexões. O caminho único que vos está aberto, para achardes graça perante ele, é o da prática sincera da lei de amor e de caridade. […] Eis por que todas as instituições humanas, políticas, sociais e religiosas, que se apoiarem nessas palavras, serão estáveis como a casa construída sobre a rocha. (1)
2. Interpretação do texto evangélico
No Velho Testamento, a palavra “Senhor” faz referência exclusiva a Deus (do hebraico Yhvh, transliterado para Yahweh, Javé ou Jeová) (3), Criador Supremo, também chamado de “O Eterno”. Nessa escritura bíblica existe também a palavra Adonay indicativa de “Senhor”.
[Adonay] é […] uma forma plural que designa Deus como ser pleno de vida e poder. Significa “Senhor”, ou em sua forma extensiva, “Senhor de senhores”, e “Senhor de toda a Terra”, apontando Deus como governante a quem tudo está sujeito e com quem o homem está relacionado como servo (Gn 18.27). Era a forma favorita do nome divino pelo escritores judeus posteriores, os quais usavam-na para substituir o nome sagrado YHVH. (2)
Importa considerar, porém, que seguindo a tradição definida pelos escritores da Septuaginta (tradução grega das escrituras hebraicas), as modernas traduções do Velho Testamento usam a palavra “Senhor” como equivalente de YHVH (Javé), “[…] A forma JAVÉ é a mais aceita entre os eruditos. A forma JEOVÁ (JEHOAH), que só aparece a partir de 1518, não é recomendável por ser híbrida, isto é, consta da mistura das consoantes de YHVH (o Eterno) com as vogais de ADONAY (Senhor). (7)
No Novo Testamento, o vocábulo “Senhor” é usado tanto para Deus, o Pai, como para Jesus, o Filho — também confundido, equivocadamente, com Deus por algumas religiões cristãs — , “[…] sendo às vezes impossível afirmar com certeza de qual dos dois se está falando.” (7)
Referências históricas à parte, o que realmente é essencial diz respeito à vivência da mensagem do Cristo. Trata-se de questão que todo cristão, todo espírita, deve analisar com seriedade.
São eternas as palavras de Jesus, porque são a verdade. Constituem não só a salvaguarda da vida celeste, mas também o penhor da paz, da tranquilidade e da estabilidade nas coisas da vida terrestre. […] Os homens as conservarão porque se sentirão felizes nelas. As que, porém, forem uma violação daquelas palavras, serão como a casa edificada na areia: o vento das renovações e o rio do progresso as arrastarão. (1)
Considerando o período de tempo que a mensagem cristã se encontra entre nós, entende-se que um esforço maior deva ser levado avante pelos cristãos — notadamente o espírita que detém maiores esclarecimentos sobre as consequências dos seus atos — , no sentido de vivenciá-la, tendo em vista esta orientação do apóstolo Tiago: “E sede cumpridores da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos” (Tg 1.22).
Falsos discursos enganaram indivíduos, famílias e nações. Acreditaram alguns em promessas vãs, outros em teorias falaciosas, outros, ainda, em perspectivas de liberdade sem obrigações. E raças, agrupamentos e criaturas, identificando a ilusão, atritam-se, mutuamente, procurando a paternidade das culpas. […] No turbilhão de lutas, todavia, o amigo do Cristo pode valer-se do tesouro evangélico, em proveito de sua esfera individual. Cumprir a palavra do Mestre em nós é o programa divino. Sem a execução desse plano de salvação, os demais serviços sob nossa responsabilidade constituirão sublimada teologia, raciocínios brilhantes, magnífica literatura, muita admiração e respeito do campo inferior do mundo, mas nunca a realização necessária. Eis o motivo pelo qual é sempre perigoso estacionar, no caminho, a ouvir quem foge à realidade de nossos deveres. (12)
Fazendo uma reflexão mais apurada, percebemos que não conseguimos nos furtar de certo constrangimento, de vergonha mesmo, quando deparamos com a interrogação do Mestre: “E por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?”
Em lamentável indiferença, muitas pessoas esperam pela morte do corpo, a fim de ouvirem as sublimes palavras do Cristo. Não se compreende, porém, o motivo de semelhante propósito. O Mestre permanece vivo em seu Evangelho de Amor e Luz. É desnecessário aguardar ocasiões solenes para que lhe ouçamos os ensinamentos sublimes e claros. […] Tais companheiros não sabem ouvir o Mestre Divino em seu verbo imortal. Ignoram que o serviço deles é aquele a que foram chamados, por mais humildes lhes pareçam as atividades a que se ajustam. Na qualidade de político ou de varredor, num palácio ou numa choupana, o homem da Terra pode fazer o que lhe ensinou Jesus. É por isso que a oportuna pergunta do Senhor deveria gravar-se de maneira indelével em todos os templos, para que os discípulos, em lhe pronunciando o nome, nunca se esqueçam de atender, sinceramente, às recomendações do seu verbo sublime. (9)
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Qualquer que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as observa, eu vos mostrarei a quem é semelhante. É semelhante ao homem que edificou uma casa, e cavou, e abriu bem fundo, e pôs os alicerces sobre rocha; e, vindo a enchente, bateu com ímpeto a corrente naquela casa e não a pôde abalar, porque estava fundada sobre rocha. Mas o que ouve e não pratica é semelhante ao homem que edificou uma casa sobre terra, sem alicerces, na qual bateu com ímpeto a corrente, e logo caiu; e foi grande a ruína daquela casa (Lc 6.47-49).
Observar os ensinamentos de Jesus (“as palavras”) significa adquirir força moral necessária, a que impulsiona a evolução espiritual do ser, que o protege quando se encontra sob o peso das provações. “Com o espírito fortificado pelo conhecimento que possuímos das leis divinas, facilmente triunfaremos das vicissitudes terrenas e edificaremos nossas vidas em bases sólidas, que não poderão ser abaladas pelas ilusões da Terra.” (5)
É interessante verificar que o Mestre destaca, entre todos os discípulos, aquele que lhe ouve os ensinamentos e os pratica. Daí se conclui que os homens de fé não são aqueles apenas palavrosos e entusiastas, mas os que são portadores igualmente da atenção e da boa vontade, perante as lições de Jesus, examinando-lhes o conteúdo espiritual para o trabalho de aplicação no esforço diário. (11)
A pessoa que ouve e coloca em prática a mensagem cristã revela-se como sendo sábia, prudente. Orientando-se pelo Evangelho, o Espírito se coloca acima das coisas transitórias, comuns da vida no plano físico, porque segue o roteiro moral seguro de combate às imperfeições que ainda possui. Nisso se resume a “edificação da casa sobre a rocha”.
Um dos principais pontos onde poderemos fracassar é a não observância das lições do Evangelho, com conhecimento de causa. Uma vez que estudamos as leis divinas, temos obrigação de viver de acordo com elas. O Evangelho não é um repositório de máximas para o uso dos outros apenas, mas, principalmente, para nosso próprio uso. Os que pregam e ensinam e, todavia, não vivem em harmonia com o que ensinam e pregam, estão construindo a casa sobre a areia [ou terra]. […] Outros que também fracassam são aqueles que não possuem a força moral suficiente para seguirem a orientação espiritual que pediram e receberam, mas que não veio consoante seus desejos. […] Finalizando, podemos dizer que também constroem sobre a areia aqueles que não aceitam resignadamente as provas e as expiações que lhes couberam; e os que usam dos bens que o Senhor lhes confiou, unicamente para a satisfação do seu egoísmo. (6)
Cristo simbolizou a edificação do caráter humano por meio de uma casa assentada sobre a rocha, uma casa de base sólida, contra a qual as tormentas e as tempestades da vida são incapazes de destruir ou abalar. Essa lição é muito atual, pois vivemos uma época difícil, onde os valores morais são questionados. Nesse sentido, toda prudência é pouca, a fim de que, inadvertidamente, venhamos a construir nossa casa sobre a areia, fácil de ruir e, em consequência, provocar grandes sofrimentos ou ruínas a nós próprios e ao próximo.
Não se pode esquecer, também, que toda edificação de valores espirituais eternos deve erguer-se, no dia a dia, pedra a pedra, tijolo a tijolo, unidos com o cimento da atenção, da vigilância e da perseverança.
A construção do caráter, ou a sua melhoria, não deve restringir-se às boas intenções, mas ao esforço disciplinado de combate às imperfeições e às más inclinações.
A frase evangélica: “Qualquer um que vem a mim, e ouve as minhas palavras, e as observa […]” está dirigida a quem ouve com atenção, que se esforça em entender ou assimilar a lição para, em seguida, colocá-la em prática. A vontade de se transformar em pessoa de bem é o primeiro passo, em continuidade, é necessário vivenciar esse propósito.
Os que vivem na certeza das promessas divinas são os que guardam a fé no poder relativo que lhes foi confiado e, aumentando-o pelo próprio esforço, prosseguem nas edificações definitivas, com vistas à eternidade. Os que, no entanto, permanecem desalentados quanto às suas possibilidades, esperando em promessas humanas, dão a ideia de fragmentos de cortiça, sem finalidade própria, ao sabor das águas, sem roteiro e sem ancoradouro.[…] Na esfera de cada criatura, Deus pode tudo; não dispensa, porém, a cooperação, a vontade e a confiança do filho para realizar. (9)
Sem dúvida, a exemplificação dos ensinos do Mestre tem sido o maior desafio enfrentado pelo cristão. “Edificar a casa de modo seguro e adequado é a meta do progresso espiritual. Para que tal solidez seja alcançada, necessitamos de componentes selecionados, de disposição para o trabalho, perseverança e projeto bem definido.” (4)
As chuvas, ventos, enchentes e correntes de água, citados no texto de Mateus e no de Lucas, representam as dificuldades, as intempéries que assolam a existência humana, sobretudo quando o indivíduo se dispõe a melhorar. São as provações e os desafios da vida.
Devemos considerar, porém, que há Espíritos que diante do ensino de Jesus deixam-se conduzir por uma torrente de entusiasmo contraproducente. São criaturas boas, mas precipitadas. Querem transformar-se de um dia para o outro, sem dispensar os devidos cuidados exigidos no processo de edificação moral: estudo, exemplos, esforço, experiência. Sabemos que são poucas as pessoas que conseguem, por esforço hercúleo, mudarem rapidamente de posição evolutiva, num reduzido espaço de tempo. Na verdade, não devemos ser excessivamente morosos nas nossas conquistas espirituais, nem imprudentes.
Tal situação nos faz lembrar esta outra citação do Evangelho: “Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para verse tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: Este homem começou a edificar e não pôde acabar” (Lc 14.28-30). O Espírito Emmanuel se pronuncia a respeito do assunto.
Constitui objeto de observação singular as circunstâncias do Mestre se referir, a essa altura dos ensinamentos evangélicos, à uma torre, quando deseja simbolizar o esforço de elevação espiritual por parte da criatura.
A torre e a casa são construções muito diversas entre si. A primeira é fortaleza, a segunda é habitação. A casa proporciona aconchego, a torre dilata a visão. Um homem de bem, integrado no conhecimento espiritual e praticando-lhe os princípios sagrados está em sua casa, edificando a torre divina da iluminação, ao mesmo tempo. Em regra vulgar, porém, o que se observa no mundo é o número espontâneo de pessoas que nem cuidaram ainda da construção da casa interior e já falam calorosamente sobre a torre, de que se acham tão distantes. Não é fácil o serviço profundo da elevação espiritual, nem é justo apenas pintar projetos sem intenção séria de edificação própria. É indispensável refletir nas contas, nos dias ásperos de trabalho, de autodisciplina. Para atingir o sublime desiderato, o homem precisará gastar o patrimônio das velhas arbitrariedades e só realizará esses gastos com o desprendimento sincero da vaidade humana e com excelente disposição para o trabalho da elevação de si mesmo, a fim de chegar ao término, dignamente. Queres construir uma torre de luz divina? É justo. Mas não comeces o esforço, antes de haver edificado a própria casa íntima. (8)
ANEXO
ORIENTAÇÕES AO MONITOR: Elaborar, previamente, cerca de doze questões relacionadas às principais ideias desenvolvidas neste Roteiro. Em seguida, pedir aos participantes que formem um círculo para a realização de uma discussão em torno das questões elaboradas. Concluída a discussão, fazer o fechamento do estudo, tendo como referência o que está especificado nos objetivos citados na primeira página.
OBSERVAÇÃO: É importante que o tempo seja controlado harmonicamente, de forma que cada participante possa ter oportunidade de emitir a sua opinião do assunto.
Referências:
1. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 126. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 18, item 9, p. 330-331.
2. DOUGLAS, J. D. BRUCE, F. F. [et cols.]. O novo dicionário da Bíblia. Tradução de João Bentes. 3. ed. rev. São Paulo: Vida Nova, 2006. Item: Palavras hebraicas para Deus: c) ‘adonay, p. 332.
3. Idem - Item: Nomes básicos: e) Yahweh, p. 335.
4. GRUPO ESPÍRITA EMMANUEL. Luz imperecível. Coordenação de Honório Onofre de Abreu. 2. ed. Belo Horizonte: União Espírita Mineira, 1997. Capítulo 44 (Edificação), p. 138.
5. RIGONATTI, Eliseu. O evangelho dos humildes. 15. ed. São Paulo: Pensamento, 2003. Capítulo 7 (Continuação do sermão da montanha), p. 61.
6. Idem, ibidem - p. 63.
7. SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL. Bíblia on-line. Módulo básico expandido. Item: Dicionários bíblicos. Verbete Senhor, encontrado em Mateus, 7.21 e 22.
8. XAVIER, Francisco Cândido. Alma e luz. Pelo Espírito Emmanuel. 3. ed. Araras: IDE, 2000. Capítulo 15 (A torre), p. 71-73.
9. Idem - Caminho, verdade e vida. Pelo Espírito Emmanuel. 27. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 14 (Em ti mesmo), p. 43-44.
10. Idem - Capítulo 47 (A grande pergunta), p. 109-110.
11. Idem - Pão nosso. Pelo Espírito Emmanuel. 28. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Capítulo 9 (Homens de fé), p. 33.
12. Idem - Capítulo 165 (Falsos discursos), p. 345-346