O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Crônicas de Além-Túmulo — Humberto de Campos


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A passagem de Richet

Tema principal

1 O Senhor tomou lugar no tribunal da sua justiça e, examinando os documentos que se referiam às atividades das personalidades eminentes sobre a Terra, chamou o Anjo da Morte, exclamando:
— “Nos meados do século findo, partiram daqui diversos servidores da Ciência que prometeram trabalhar em meu nome, no orbe terráqueo. levantando a moral dos homens e suavizando-lhes as lutas. Alguns já regressaram, enobrecidos nas ações dignificadoras, desse mundo longínquo. Outros, porém, desviaram-se dos seus deveres e outros ainda lá permanecem, no turbilhão das dúvidas e das descrenças, laborando no estudo.

2  “Lembras-te daquele que era aqui um inquieto investigador, com as suas análises incessantes, e que se comprometeu a servir aos ideais da Imortalidade, adquirindo a fé que sempre lhe faltou?
— “Senhor, aludis a Charles Richet, reencarnado em Paris, em 1850, e que escolheu uma notabilidade da medicina para lhe servir de pai?”
— “Justamente. Pelas notícias dos meus emissários, apesar da sua sinceridade e da sua nobreza, Richet não conseguiu adquirir os elementos de religiosidade que fora buscar, em favor do seu próximo. 3 Tens conhecimento dos favores que o Céu lhe há adjudicado, no transcurso da sua existência?
— “Tenho, Senhor. Todos os vossos mensageiros lhe cercaram a inteligência e a honestidade com o halo da vossa sabedoria. 4 Desde os primórdios das suas lutas na Terra, os Gênios da imensidade o rodeiam com o sopro divino de suas inspirações. Dessa assistência constante lhe nasceram os poderes intelectuais, tão cedo revelados no mundo. A sua passagem pelas academias da Terra, que serviu para excitar a potência vibratória da sua mente, em favor da ressurreição do seu tesouro de conhecimentos, foi acompanhada pelos vossos emissários com especial carinho. 5 Ainda na mocidade, lecionou na Faculdade de Medicina, obtendo a cadeira de fisiologia. Nesse tempo, já seu nome, com os vossos auxílios, estava cercado de admiração e respeito. As suas produções granjearam-lhe a veneração e a simpatia dos seus contemporâneos. De 1877 a 1884, publicou estudos notáveis sobre a circulação do sangue, sobre a sensibilidade, sobre a estrutura das circunvoluções cerebrais, sobre a fisiologia dos músculos e dos nervos, perquirindo os problemas graves do ser, investigando no círculo de todas as atividades humanas, conquistando o seu nome a admiração universal.”

6 — “E em matéria de espiritualidade, replicou austeramente o Senhor, que lhe deram os meus emissários e de que forma retribuiu o seu Espírito a essas dádivas?”
— Nesse particular, exclamou solícito o Anjo, muito lhe foi dado. Quando deixastes cair, mais intensamente, a vossa luz sobre os mistérios que me envolvem, ele foi dos primeiros a receber-lhe os raios fulgurantes. Em Carqueiranne, em Milão e na ilha Ribaud,  †  muitas claridades o bafejaram, junto de Eusápia Paladino,  †  quando o seu gênio se entregava a observações positivas, com os seus colegas Lodge,  †  Myers  †  e Sidgwick.  †  De outras vezes, com Delanne,  †  analisou as célebres experiências de Alger, que revolucionaram os ambientes intelectuais e materialistas da França, que então representava o cérebro da civilização ocidental.

7 “Todos os portadores das vossas graças levaram as sementes da Verdade à sua poderosa organização psíquica, apelando para o seu coração; a fim de que ele afirmasse as realidades da sobrevivência; povoaram-lhe as noites de severas meditações, com as imagens maravilhosas das vossas verdades, porém, apenas conseguiram que ele escrevesse o “Tratado de Metapsíquica”  †  e um estudo proveitoso, a favor da concórdia humana, que lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1913. n

8 “Os mestres espirituais não desanimaram, nem descansaram nunca em torno da sua individualidade; mas, apesar de todos os esforços dispendidos, Richet viu, nas expressões fenomenológicas de que foi atento observador, apenas a exteriorização das possibilidades de um sexto sentido nos organismos humanos. Ele que fora o primeiro organizador de um dicionário de fisiologia, não se resignou a ir além das demonstrações histológicas. Dentro da espiritualidade, todos os seus trabalhos de investigador se caracterizam pela dúvida que lhe martiriza a personalidade. Nunca pode, Senhor, encarar as verdades imortalistas, senão como hipótese, mas o seu coração é generoso e sincero. 9 Ultimamente, nas reflexões da velhice, o grande lutador se veio inclinando para a fé, até hoje inacessível ao seu entendimento de estudioso. Os vossos mensageiros conseguiram inspirar-lhe um trabalho profundo, que apareceu no planeta como “A Grande Esperança”  †  e, nestes últimos dias, a sua formosa inteligência realizou para o mundo uma mensagem entusiástica em prol dos estudos espiritualistas.”

10 — “Pois bem, exclamou o Senhor, Richet terá de voltar agora a penates. Traze de novo aqui a sua individualidade, para as necessárias interpelações.”
— “Senhor, assim tão depressa? — retornou o Anjo, advogando a causa do grande cientista — O mundo vê em Richet um dos seus gênios mais poderosos, guardando nele sua esperança. Não conviria protelar a sua permanência na Terra, a fim de que ele vos servisse, servindo à Humanidade?”

11 — “Não — disse o Senhor tristemente. — Se, após oitenta e cinco anos de existência sobre a face da Terra, não pode reconhecer, com a sua ciência, a certeza da Imortalidade, é desnecessária a continuação de sua estadia nesse mundo. Como recompensa aos seus esforços honestos em benefício dos seus irmãos em humanidade, quero dar-lhe agora, com o poder do meu amor, a centelha divina da crença, que a ciência planetária jamais lhe concedeu, nos seus labores ingratos e frios.




12 No leito de morte, Richet tem as pálpebras cerradas e o corpo na posição derradeira, em caminho da sepultura. Seu Espírito inquieto de investigador não dormiu o grande sono.
Há ali, cercando-lhe os despojos, uma multidão de fantasmas.
Gabriel Delanne estende-lhe os braços de amigo. Denis e Flammarion o contemplam com bondade e carinho. Personalidades eminentes da França antiga, velhos colaboradores da “Revista dos Mundos”, cooperadores devotados dos “Anais das Ciências Psíquicas” ali estão, para abraçarem o mestre no limiar do seu túmulo.

13 Richet abre os olhos para as realidades espirituais que lhe eram desconhecidas. Parece-lhe haver retrocedido às materializações da Villa Carmen; mas, ao seu lado, repousam os seus despojos, cheios de detalhes anatômicos.
O eminente fisiologista reconhece-se no mundo dos verdadeiros vivos. Suas percepções estão intensificadas, sua personalidade é a mesma e, no momento em que volve a atenção para a atitude carinhosa dos que o rodeiam, ouve uma voz suave e profunda, falando do Infinito:

14 — “Richet, exclama o Senhor no tribunal da sua misericórdia, — porque não afirmaste a Imortalidade e porque desconheceste o meu nome no teu apostolado de missionário da ciência e do labor? Abri todas as portas de ouro, que te poderia reservar sobre o mundo. Perquiriste todos os livros. Aprendeste e ensinaste, fundaste sistemas novos do pensamento, à base das dúvidas dissolventes. Oitenta e cinco anos se passaram, esperando eu que a tua honestidade me reconhecesse, sem que a fé desabrochasse em teu coração. Todavia, decifraste, com o teu esforço abençoado, muitos enigmas dolorosos da ciência do mundo e todos os teus dias representaram uma sede grandiosa de conhecimentos…  15 Mas, eis, meu filho, onde a tua razão positiva é inferior à revelação divina da fé. Experimentaste as torturas da morte com todos os teus livros e diante dela desapareceram os teus compêndios, ricos de experimentações no campo das filosofias e das ciências. E agora, premiando os teus labores, eu te concedo os tesouros da fé que te faltou, na dolorosa estrada do mundo!”

16 Sobre o peito do abnegado apóstolo desce do Céu um punhal de luz opalina, como um venábulo maravilhoso de luar indescritível.
Richet sente o coração tocado de luminosidade infinita e misericordiosa, que as ciências nunca lhe haviam dado. Seus olhos são duas fontes abundantes de lágrimas de reconhecimento ao Senhor. Seus lábios, como se voltassem a ser os lábios de um menino, recitam o “Pai Nosso que estais no Céu…” ( † )
Formas luminosas e aéreas arrebatam-no, pela estrada de éter da eternidade e, entre prantos de gratidão e de alegria, o apóstolo da ciência caminhou da grande esperança para a certeza divina da Imortalidade.


Humberto de Campos

(Irmão X)

21 de janeiro de 1936.



[1] Certamente houve aí um lapso do Autor. Richet, apesar de ardoroso pacifista, não recebeu nenhum Prêmio Nobel da paz, mas sim o de Medicina, que lhe premiou a descoberta da anafilaxia.  †  (Nota da Editora em edições posteriores a essa 1ª edição.)


Essa mensagem foi publicada primeiramente em 1935 pela LAKE e é a 8ª da 1ª Parte do livro “Palavras do Infinito.”

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Texto extraído da 1ª edição desse livro.