O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Voltei — Irmão Jacob


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Incidente em viagem

(Sumário)

1. Se o homem soubesse a extensão da vida que o espera além da morte do corpo, certamente outras normas de conduta escolheria na Terra!

2 Não me refiro aqui aos materialistas sem fé. Aliás, a maioria dos ateus não passam de grande assembleia de crianças espirituais, necessitadas de proteção e ensinamento.

Reporto-me, com vigor, aos que adotam uma crença religiosa, usando lábios e paixões, sem se afeiçoarem, no íntimo, às verdades renovadoras que abraçam.

3 Nós mesmos, os que nos beneficiamos ao contato dos princípios do Espiritismo Cristão, principalmente nós que ouvimos a mensagem dos que respiram noutros Planos da vida eterna, se fôssemos menos palavrosos e mais cumpridores das lições que recebemos e transmitimos, outras condições nos caracterizariam além do sepulcro, porque a justiça indefectível nos espreita em toda parte e porque transportamos conosco, para onde formos, as marcas de nossos defeitos ou virtudes.

4 Depois da sepultura, sabemos, com exatidão, que o reino do bem ou o domínio do mal moram dentro de nós mesmos.


ATRAVESSANDO SOMBRIA REGIÃO


2. Seguíamos sem novidades e, pouco a pouco, adaptava-me a volatear como aluno que recapitula a prova.

Em torno, a paisagem escurecia sempre, não obstante resplandecerem as estrelas no alto.

2 Possuía a perfeita noção de viajarmos sobre vasto abismo de trevas. Observava, porém, admirado que não me sentia em processo de ascensão. A ideia de verticalidade estava longe de nós, tanto quanto a linha de esfericidade escapa à apreciação do homem que habita o globo da Terra.

3 Reparei, receoso, que não distante da estrada que percorríamos, vagarosamente, apareciam sinais de vida e movimento. Ruídos de vozes desagradáveis alcançavam-nos os ouvidos de quando em quando. Formas monstruosas, de espaço a espaço, surgiam visíveis ao nosso olhar e, pelo que me era dado perceber, flutuávamos sobre região vulcânica, cujo “solo instável” oferecia erupções nos mais diversos pontos.

4 O que me afligia sinceramente era a contemplação de seres de lamentável aspecto, além das margens.

Não estou autorizado a descrever o que vi nesse particular, mas posso afirmar que as figuras sinistras da Mitologia ficam a dever à realidade com que eu era surpreendido.

5 Registando o temor que se apossara de mim, o Irmão Andrade, em voz baixa, explicou-me que os Planos habitados pela mente encarnada emitiam, de permeio com as criações dos Espíritos inferiores desencarnados, formas perturbadas, quando não horripilantes, de vez que a maioria das criaturas terrestres, na carne ou desenfaixadas do corpo, denunciavam-se, no íntimo, através de comportamento quase irracional. 6 Salientou que a Esfera próxima do homem comum, em razão disso, é povoada por verdadeira aluvião de seres estranhos, caprichosos e muita vez ferozes. Chegou mesmo a dizer que inúmeros sábios da espiritualidade superior classificam semelhante região de “império dos dragões do mal”. 7 Rememorei a leitura de páginas mediúnicas vindas ao meu conhecimento antes da morte e o companheiro dedicado confirmou-as, declarando que a zona em que viajávamos constituía realmente o umbral vastíssimo, entre a residência dos irmãos encarnados e os Círculos vizinhos.

8 Acentuou que o pensamento espalha vibrações em todas as latitudes do Universo e que as projeções da mente encarnada no planeta terreno não correspondem aos ideais superiores que inspiram as leis da Humanidade. 9 Os homens por fora, — acrescentou o protetor, — nas experiências da vida social, aparentam cavalheirismo e nobreza; todavia, por dentro, na expressão real do ser, revelam ainda qualidades menos dignas, muito próximas da impulsividade dos animais. 10 Na manifestação livre do espírito prevalece a verdade da alma, não a aparência da forma passageira, e daí o largo cosmorama de paisagens escuras, torturadas e dolorosas que rodeia o lar terreno, em cuja substância igualmente sutil operam as entidades perversas, a modo do lobo que pode beber da mesma fonte em que a ovelha se dessedenta.

11 Percebi que o benfeitor desejava destacar que, em tais lugares, tanto pode o emissário do amor exercitar-se na renúncia do bem, como pode o malfeitor das sombras internar-se no crime e no mal.

Compreendendo, no entanto, que as atenções dele se dividiam entre o carinho para comigo e a expectativa asfixiante da hora, sofreei o desejo de perguntar.


NOVA ADVERTÊNCIA


3. Quantas horas despendêramos, voejando sobre o extenso império das sombras?

Debalde tentava rearticular a noção de tempo. O abatimento e as surpresas sucessivas como que me aniquilavam o autocontrole.

2 Continuávamos sem ocorrências dignas de menção especial, através da mesma paisagem triste e obscura, quando um dos membros da expedição, ao lado de Bezerra, lhe mostrou um objeto semelhante à bússola que conhecemos na Terra, emitindo impressões que o supervisor escutou atenciosamente.

3 Logo após, o venerável amigo determinou uma pausa e, congregando-nos todos em derredor dele, comunicou em voz sumida e prudente que nos avizinhávamos de uma ponte de acesso aos círculos de atividade espiritual dignificada, que nos aguardavam além; entretanto, o registro magnético do psiquismo de nosso grupo assinalava o fenômeno que classificou por “inquietante média de pavor”. 4 Acrescentou que a importância da ponte era tão grande que, comumente, muitos habitantes das regiões perturbadas se aglomeravam na base que deveríamos atingir dentro em pouco, ameaçando os candidatos ao reino da luz. 5 Pediu-nos calma e decisão, silêncio e prece e, sobretudo, lembrou-nos a obrigação de esquecer qualquer falta mais grave do passado para não cairmos em sintonia com os Espíritos ignorantes, penitentes ou malfeitores, daqueles domínios. 6 Competia-nos manter harmonia e serenidade em nós mesmos, porque de outra maneira poderíamos interromper a corrente de força que sustentava os companheiros menos aptos ao serviço de volitação.


A PONTE ILUMINADA


4. Não nos movimentáramos por muito tempo, e um facho de luz sublime varreu o céu, não longe, indicando uma ponte cuja extensão não pude, no momento, precisar.

Tão formosa e tocante foi a revelação no horizonte próximo, que muitos nos pusemos em pranto. A emotividade não provinha apenas da claridade que nos tocara os olhos; comovente mensagem de amor transparecia daqueles raios brilhantes, que percorreram o firmamento, copiando a beleza dum arco-íris móvel.

2 Enquanto muitos companheiros continham a custo as notas de assombro que nos dominavam, cerrei os olhos, por minha vez, naturalmente envergonhado.

Temor súbito vagueava em minh’alma!

Teria cumprido todos os meus deveres? Se constrangido a comparecer ante um tribunal da vida superior, estaria habilitado a apresentar uma consciência limpa de culpas? Como seriam meus atos examinados? Bastaria a boa intenção para justificar as próprias faltas?

3 O sinal luminoso cortou vagarosamente o céu, de novo.

Minha alegria ante a aproximação do Plano mais elevado era inexcedível, mas a noção de responsabilidade quanto às dádivas recebidas no mundo que eu deixara, pesava agora muito mais intensamente sobre mim… Mereceria o ingresso naquele domicílio celestial?

4 Corriam-me as lágrimas, copiosas, quando o grupo estacou. No mesmo instante, ouvi um dos irmãos recém-desencarnados gritar em choro convulso:

— Não! Não! Não posso! Eu matei na Terra! Não mereço a luz divina! Sou um assassino, um assassino!

5 Aqueles brados ressoaram lúgubres, sombras a dentro.

Outras vozes responderam, horríveis:

— Vigiemos a ponte! Assassinos não passam, não passam!

Pareceu-me que maltas de feras preparavam-se para atacar-nos.

Não distante, a projeção resplandecente do invisível holofote clareava o caminho, qual se fora movida em “câmara lenta”.

6 Entre nós, emoções e lágrimas junto de um companheiro em crise.

Em torno, ameaças e lamentos estranhos.

Além, a luz convidativa.

7 Bezerra, sereno, mas fundamente preocupado, rompeu a expectação, cientificando-nos de que deveríamos olvidar os erros do pretérito e que um dos amigos, em vista de corresponder em demasia à lembrança do mal, impusera descontinuidade à nossa viagem. 8 Acentuou que as reminiscências de crimes transcorridos não deveriam perturbar-nos e que bastaria sintonizar-nos excessivamente com o pretérito para causarmos sérios prejuízos a outrem e a nós mesmos, em circunstância delicada quanto aquela. 9 Disse que o irmão em crise realmente fora homicida em outra época, mas trabalhara em favor da regeneração própria e a bem da Humanidade com tamanho valor nos últimos trinta anos da existência, que merecera carinhosa proteção dos orientadores de Mais Alto e que não devia levar a penitência tão longe, pelo menos naquele momento, a ponto de ameaçar o êxito da expedição. 10 Necessitávamos reatar o “fio de ligação mental comum”, a fim de que a nossa capacidade volitante fosse mantida em alto padrão. De outro modo, a concentração em massa de entidades inferiores ao pé da ponte, que se alonga sobre o abismo, talvez nos dificultasse a passagem.

11 Finalizando a ligeira observação, Bezerra acenou para mim e recomendou-me orar em voz alta, para que a nossa corrente de energia espiritual se recompusesse.


EM ORAÇÃO


5. Espantado com a designação superior, senti medo e vacilei. Ia pronunciar uma frase a esmo, esquivando-me à incumbência, mas Marta dirigiu-me expressivo olhar. Em silêncio, pedia-me obedecer à ordem recebida e prometia ajudar-me no cometimento.

Amparado por ela e pelo Irmão Andrade, dispus-me a executar a determinação.

2 Que prece pronunciaria? Mantinha-se-me o cérebro incapaz de criar uma peça verbal, compatível com as aflições da hora. Escutando os rugidos que procediam das trevas, fixei a filhinha e lembrei que Marta repetira aos meus ouvidos o Salmo 23, nos inquietantes minutos de minha liberação da carne. Copiar-lhe-ia o gesto. E erguendo meu espírito para o Alto, sentindo de instante a instante que a emoção e o pranto me cortavam as palavras, repeti os versículos sagrados.

3 Ao redor, conspiravam, em nosso prejuízo, o barulho e a ameaça; todavia, quando pronunciei as frases de confiança: — “Ainda que andemos pelo vale da sombra e da morte, não temeremos mal algum, porque Ele, o Senhor, está conosco; a sua vontade e a sua vigilância nos consolam;” — nosso grupo, com Bezerra à frente, levitou sem dificuldade e ganhamos a ponte, atravessando-a a poucos pés de altura acima do arcabouço em que é estruturada, conservando o espírito em prece expectante, como se pesada força de imantação nos atraísse fortemente para o abismo.

4 Que lápis do Plano carnal conseguiria descrever a nossa sensação de contentamento e alívio?

Momentos surgem na vida em que só o profundo silêncio da alma consegue traduzir a paz, o reconhecimento e a alegria.


Irmão Jacob


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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