O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Vitória — Familiares diversos


17

“Auxilie-me com as suas preces e com os seus pensamentos de amor e perdão”

Renata Zaccaro de Queiroz


1 Querida mãezinha, abençoe-me.

2 Imagino o papai Antônio Carlos ao nosso lado para rogar também a ele para que me queira bem e me perdoe.

3 Mãezinha, a sua dor se confunde com a minha. Ainda não sei que força me tomou naquela quarta-feira. n

4 Tive a ideia de que uma ventania me abraçava e me atirava fora pela janela. Certamente devia mobilizar minha vontade e impedir que o absurdo daquele momento me enlouquecesse.

5 Obedecia maquinalmente àquela voz que me ordenava projetar-me no vácuo. Quis recuar, mudar o sentido da situação, não consegui.

6 Nunca imaginaria que tanto sofrimento se seguiria ao meu gesto.

7 Não desejo fugir às responsabilidades e inventar desculpas que não teriam razão de ser. O que sei é que agi na condição de uma rã que uma serpente atraísse…

8 Mãezinha, que páginas de angústia e que culpa feria eu escrito em outros lugares para ser assim arremessada no ar com o meu próprio consentimento vencido?

9 Não senti qualquer dor quando meu corpo registrou o impacto do encontro com o piso do prédio. n

10 Senti que alguém me recolhia com as mãos repletas de amor. Não me achava em condições de ver ou de ouvir.

11 Tudo em mim era um redemoinho qual se tivesse arrancada de casa, assim como a tempestade desloca para longe uma árvore forte com suas próprias raízes.

12 Um esmorecimento como se eu estivesse quebrada, sem dor localizável, me possuiu de todo e nada mais vi senão aquele branco da memória, quando cai no sono sem sonhos.

13 Somente depois, vim a saber que a vovó Rosa me apanhara carinhosamente, sem permitir que o sofrimento me atingisse.

14 Mãezinha, peço-lhe que me perdoe. Sei que arrastarei as consequências da minha passividade diante da força que me dominou, mas espero que a bondade de Deus me conceda forças para refazer-me de todo, tanto quanto desejo…

15 Agora, o que sinto é a necessidade de colocar em suas mãos em forma de lágrimas o arrependimento que me assombra.

16 Receba-me em seu coração, como nos tempos de criança rebelde. Auxilie-me com as suas preces e com os seus pensamentos de amor e perdão.

17 Estou melhorando, se bem que me veja na posição de alguém com necessidade de muito socorro ortopédico, mas os nossos onde estou são todos tolerantes e generosos para comigo.

18 Meu avô Antônio me recomendou não procurar qualquer investigação de retaguarda, afirmando-me que ele também sofreu muito com processos ocultos de hipnose destrutiva. n Compreendo e obedeço.

19 Mas não estou impedida de rogar o seu amparo em meu beneficio e de rogar ao papai e aos queridos irmãos Antônio e Ricardo esquecerem o que fiz ou o que fizeram comigo, para que os quadros de setembro desapareçam.

20 Mãezinha, desculpe-me de me demorar a escrever tudo o que sinto. A vovó Rosa me trouxe para dizer-lhe que tive culpa e não a tive totalmente. n

21 Uma vertigem, um pensamento desorientado, uma compulsão louca e perdi tantas riquezas do coração e do lar.

22 Mamãe, Deus nos auxiliará na recuperação de que preciso.

23 Rogo ao papai esqueça o meu gesto infeliz para ficar tranquilo.

24 Tenho em mim que ele ainda não se harmonizou com a vida, depois da triste ocorrência de que me fiz o centro de dor.

25 Apesar de tudo, não quero perder a esperança e confiarei no socorro do amor Divino.

26 Mãezinha, a todos de nosso ambiente os meus pensamentos de gratidão, e para você o coração e a dor, a esperança e o reconhecimento de sua


Renata


O material de que ora nos servimos para enriquecer este volume, chegou-nos às mãos, no dia 6 de abril de 1981, graças à gentileza de D. Victória Celma do Prado Lopes.

De duas cartas de D. Marusa, residente em São Paulo, Capital, à Rua Haddock Lobo, 959, 8.º andar, Apto. 83, CEP 01414, endereçadas à D. Victória; respiguemos alguns dados esclarecedores sobre a mensagem que acabamos de ler, recebida pelo médium Xavier, na noite de 18 de abril de 1980.


“São Paulo, 15 de fevereiro de 1981.

Cara Amiga Victória,

Espero que aí esteja tudo bem e com Deus.

Envio os folhetos com a mensagem da Renata para você distribuir aí e entregar uma ao seu amigo, que quer incluí-la num livro.

Se for preciso de mais para passar a outras pessoas que necessitem de consolo e quantas vezes for preciso publicar ou ser feito uso dela para beneficiar as obras de divulgação e que ela venha a dar paz e tranquilidade a outras pessoas que precisem como eu precisei, aqui estarei às ordens para fazer nova remessa, imediatamente.

Mais uma vez, eu agradeço a sua hospedagem, aí em Uberaba, e peço desculpas por alguma coisa, mas, realmente, eu estava e ainda estou fora do meu normal. É tudo muito difícil, todos tentam ajudar a gente, mas não sei, há dias em que é muito difícil e outros dias melhores. Não se enlouquece porque Deus ajuda muito e uma estranha força também nos ajuda, porque senão não sei como seria. (…)

Muito obrigada por tudo e que Deus a ajude sempre, ao seu marido e seus filhos, muita saúde e paz.

Telefonem para nós, quando vierem a São Paulo, ou, quem sabe, nós iremos até aí, eu gostaria muito de ver novamente o Chico e essas pessoas bondosas do Grupo Espírita da Prece; realmente, faz muito bem conversar com elas, assistir às reuniões delas; acho que estou muito necessitada; não estou me encontrando.

Abraços a todos, e me desculpe o desabafo.

Marusa.”


“Uberaba, 4 de março de 1981.

Amiga Victória,

Mais uma vez, muito obrigada por tudo; Deus lhe pague.

Envio o material que você pediu, somente não tenho uma foto pequena e nem grande, branco e preto; espero que esta sirva.

Um escrito dela: mando o próprio original, por ser uma folha solta de caderno, e é algo a respeito de um rapaz de que ela gostava, não sei se servirá para o que a pessoa quer.

Enfim, são as coisas que eu tenho e, com muito prazer, envio.

Gostaria de saber se um dia for publicado, em que livro isto estará, pois quero comprar o livro.

Se precisar de mais alguma coisa, pode me telefonar.

Qualquer dia, se Deus quiser, irei até aí.

Recomendações ao seu marido.

Beijos nas crianças.

Muito obrigada por tudo.

Marusa.”


Renata Zaccaro de Queiroz, cuja cédula de identidade nº 0381 17 (registro geral nº 9.813 585), — foi retirada em São Paulo, a 9 de junho de 1976, e o título de eleitor nº 550261, circunscrição de São Paulo, quinta zona, Município de Cerqueira César, residindo, na época, à Alameda Ministro Rocha Azevedo, retirado a 10 de agosto de 1979, nasceu em São Paulo, Capital, a 16 de julho de 1961, filha de Antônio Carlos Bruschini e de D. Marusa Zaccaro de Queiroz, e aí desencarnou, em consequência de suicídio, jogando-se de grande altura, através de uma janela, a 5 de setembro de 1979.

Tomando a liberdade de sugerir ao leitor consultar as páginas 33-62 do Anuário Espírita 1987, nas quais estudamos o processo obsessivo de modo geral e, particularmente, relacionado com os casos de suicídio, na seção “Literatura & Espiritismo”,  n e as páginas 98-99 de Claramente Vivos, onde encontramos a transcrição da parte inicial de importante mensagem de um escritor suicida, que se atirou pela janela de um hospital em que se submetia a tratamento de uma febre cerebral, na década de sessenta do século passado (Revista Espírita do ano de 1867, de Allan Kardec, pp. 2122 da edição brasileira), chegamos à conclusão de que a belíssima página do Espírito de Renata é a confirmação clara do elemento obsessivo em todos os casos de suicídio.

Vejamos, por etapas.


1 — “Ainda não sei que força me tomou naquela quarta-feira. / Tive a ideia de que uma ventania me abraçava e me atirava fora pela janela. / (…) Obedecia maquinalmente àquela voz que me ordenava projetar me no vácuo. / Quis recuar, mudar o sentido da situação, não consegui. / (…) O que sei é que agi na condição de uma rã que uma serpente atraísse…”: Eis a prova inconcussa do assédio de nossos irmãos chamados obsessores à presa de hoje, detentora de reflexos condicionados favorecedores do ato autoeliminatório, alimentados pela culpa, na maioria das vezes, inconsciente.


2 — “Não senti qualquer dor quando meu corpo registrou o impacto do encontro com o piso do prédio. / Senti que alguém me recolhia com as mãos repletas de amor. / (…) Somente depois, vim a saber que a vovó Rosa me apanhara carinhosamente, sem permitir que o sofrimento me atingisse.”. Observemos com que diferença as coisas se passam com um homem que, antes de se suicidar, atirando-se de uma torre, tornou-se alcoólatra, em completo desequilíbrio mental, num caso registrado por Allan Kardec:  n


“FRANÇOIS-SIMON LOUVET, DO HAVRE

A comunicação seguinte foi dada espontaneamente numa reunião espírita no Havre, a 12 de fevereiro de 1863:

Tende piedade de um pobre miserável que há longos anos sofre torturas cruéis! Oh! o vazio… o espaço… caio… caio… socorro! Meu Deus, tive uma vida tão miserável!… era um pobre diabo, por vezes passei fome nos dias da velhice. Por isso me dei à bebida e tinha vergonha e desgosto de tudo… Quis morrer e atirei-me… Oh! meu Deus, que momento!… Por que então desejar acabar, quando estão tão próximo do fim? Orai! para que não veja sempre o vazio abaixo de mim… Vou me arrebentar nas pedras. Eu vos conjuro, vós que conheceis as misérias dos que não estão mais na Terra, eu me dirijo a vós, posto não me conheçais, porque sofro tanto… Por que querer ter provas? Eu sofro; não chega? Se eu tivesse fome em vez deste sofrimento terrível, mas invisível para vós, não hesitaríeis em me aliviar, dando-me um pedaço de pão. Perguntai a um desses felizes que estão aqui e sabereis quem eu era Orai por mim. ( † )

François-Simon Louvet


Logo a seguir o Espírito protetor do médium disse: Este que acaba de se dirigir a ti, minha filha, é um pobre infeliz que tinha uma prova de miséria na Terra, mas o desgosto o tomou, faltou-lhe a coragem e, infeliz, em vez de olhar para o alto, como deveria ter feito, deu-se à embriaguez e desceu aos últimos limites do desespero; pôs termo à triste prova atirando-se da torre de Francisco I, a 22 de julho de 1857. Tende piedade de sua pobre alma que não é adiantada mas tem bastante conhecimento da vida futura para sofrer e desejar uma nova prova. Pedi a Deus que lhe conceda esta graça e fareis uma boa obra. Estou feliz por vos ver reunidos, meus caros filhos; estou convosco quando vos reunis assim. Estou sempre pronto a vos dar ensinamentos. Se um bom Espírito não pudesse se comunicar convosco por falta de relações físicas, eu seria seu intermediário. Mas estais cercados de bons Espíritos e eu deixo que vos instruam. Perseverai na via do Senhor e sereis abençoados. Tende paciência nas provas, não vos recuseis a fazer o bem pela ingratidão dos homens. Em breve os homens serão melhores e os tempos estão próximos. Adeus, meus bem amados; eu vos acompanho nas tristezas e nas alegrias. A paz esteja com todos. ( † )

Teu Espírito Protetor


Tendo-se feito buscas, foi encontrado no Journal du Havre, 23 de julho de 1857, um artigo, cuja substância é a seguinte: ‘Ontem, às quatro horas, os transeuntes do cais tiveram uma dolorosa impressão, de um acidente horrível: um homem atirou-se da torre e veio arrebentar-se nas pedras. Era um velho coitado, que a tendência para a bebida arrastou ao suicídio. Chama-se François-Victor-Simon Louvet. O corpo foi transportado para a casa de uma das filhas, rue de la Corderie. Tinha sessenta e sete anos’.”


3 — “Meu avô Antônio me recomendou não procurar qualquer investigação de retaguarda, afirmando-me que ele também sofreu muito com processos ocultos de hipnose destrutiva.”: Oportuna a recomendação para não se investigar a retaguarda de sombras para não se cair novamente nas faixas do mal, vindo a sofrer, mais uma vez, a devastadora hipnose por parte daqueles que ainda albergam ódio e sentimentos de vingança dentro de si, aguardando o momento do encontro com o Cristo que fatalmente se dará, só sabe Deus quando.


4 — “A vovó Rosa me trouxe para dizer-lhe que tive culpa e não a tive totalmente.”: Eis a síntese perfeita do que acontece em qualquer caso de obsessão: se não houver aquiescência, às vezes prazerosa, masoquista, quase sempre inconsciente, por parte do obsidiado, em decorrência da culpa, tão bem estudada por Jean Piaget (1896-1980), distinto psicólogo e pedagogo suíço, na criança, culpa esta albergada na intimidade do seu ser, obsessor algum conseguirá qual quer domínio sobre quem quer que seja. Há necessidade da conivência por parte do que passará a ser catalogado como sendo obsidiado.


Concluindo este capítulo, transcrevamos a página manuscrita de Renata, a que se refere sua genitora na segunda carta à D. Victória, a fim de que possamos aquilatar o quanto estava preparada a Autora Espiritual para nos trazer, após a desencarnação, tão profundos ensinamentos sobre o processo obsessivo, “parte integrante dos flagelos com que a Humanidade se vê a braços neste mundo”, segundo Allan Kardec:


“Os dias vão passando e o seu nome vai aos poucos sendo apagado da minha cabeça.

Mas ainda existe muito de você em mim.

Músicas, carros, lugares, tudo me faz lembrar de você.

Esses dias em que eu não te vi, me deram uma paz espiritual tão grande, porque embora você estivesse longe, eu te sentia ao meu lado.

Mas era uma coisa calma, uma coisa boa.

Agora, eu estou me sentindo mais “eu”, porque as coisas estão “numa boa”…

(…)

Ao te ver, ainda me baqueia, mas é um sentimento agora que me parece mais puro, alguma coisa que eu sei não está longe de acabar.

3/3/1979.”


Elias Barbosa



[16] Elias Barbosa, “Estudo do Processo Obsessivo num dos Livros de Moderno Autor Inglês”, Anuário Espírita 1987, IDE. Araras (SP).


[17] Allan Kardec, Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos — Sexto Ano — 1863, Trad. de Júlio Abreu Filho, Edicel, São Paulo, 1965, pp. 84-85.


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