1 Esta singela narrativa
Ouvi de amado amigo — um gênio dentre os gênios —
História que ele arquiva
Em seus registros de milênios.
2 Um Espírito que, em si, já conquistara
Inteligência primorosa e rara
Manifestou anseio superior:
Desejou trabalhar junto ao Senhor,
Amá-lo, vê-lo e fruir-lhe a presença…
Para isso pediu aos Ministros da Lei
Que se lhe concedesse uma vida de rei.
3 Recebida a licença,
Fez-se na Terra um nobre soberano,
Foi grande, poderoso, justo e humano,
Mas, adstrito à própria posição,
Viveu atento à representação
Do povo que escolhera governar.
De volta ao Grande Lar,
Assim que o Mais Além se lhe descerra,
Subiu a conviver com benfeitores
Que haviam sido príncipes na Terra…
4 Mas, logo após, rogou aos Divinos Mentores
A graça de ser santo…
Tornou ao mundo transformado
Em famoso varão
Que só pensava em perfeição.
Viveu de isolamento, entre a prece e o jejum,
Sem se doar a mal nenhum;
No entanto, circunscrito
Às tradições da crença em que vivia,
Abandonado o corpo teve a companhia
De ilustrados teólogos do Além,
Mensageiros da Paz e Expoentes do Bem.
5 Decorrido algum tempo, ele quis ser um artista.
Voltou à Terra músico e pintor;
Foi um gênio a compor e recompor
Imagens de harmonia e poemas em cor.
Regressando ao Além, depois de longos dias,
A transportar consigo láureas resplendentes
Passou a respirar
No clima cultural de artistas eminentes.
6 Depois disso, por décadas afora,
De vida em vida, em largo itinerário,
Eis que a sede do Cristo n mais se lhe aprimora…
Foi Escritor, Juiz, Cientista e Operário.
Mas um dia chegou em que ele disse:
— Senhor! Senhor! Tenho escolhido tanto,
Ignoro, porém, o que te agrade,
Dá-me agora, Jesus, tua vontade,
Ensina-me o dever,
Para que eu seja o que preciso ser!…
7 Tempo vasto rolou nas vias do Infinito,
Quando voltou a renascer
Numa casa singela…
A vida lhe corria doce e bela
Quando os pais retornaram para o Além…
Os três irmãos do lar,
Consolidando a própria segurança,
Não se pejaram de o desvincular
Do direito de herança…
8 Ele não destacou qualquer reclamação,
Aprendera dos pais a ciência do bem.
Aceitou contas que jamais fizera
E compromissos que desconhecia,
Sem ferir a ninguém.
9 Esqueceu todo o mal, buscando um novo dia,
Estudou, quanto pode, entre serviço e escola,
Fez-se negociante e depois lavrador,
Casou-se e converteu-se em pai guiado pelo amor,
Mas porque socorresse aos pobres e aos doentes,
A família insurgiu-se a golpes deprimentes…
10 A esposa sem razão
Permutou-lhe o carinho e a companhia
Por um homem tocado de ambição.
Ao vê-lo amargurado, em transes de agonia,
Os filhos declararam-no demente
E um processo instaurou-se de repente,
A julgá-lo incapaz de senso e direção.
11 Destituído e expulso do seu chão,
Não levantou a voz sequer
Para acusar os filhos e à mulher.
E prosseguiu servindo
Agia, sol a sol, por ínfimo ordenado,
Mas esparzindo sempre a riqueza do amor,
Onde surgisse algum necessitado.
12 Alcançou noventa anos de amargura
E nunca se queixou, nem se deu à secura…
Era sempre um amigo da alegria,
Criando paz e luz, bondade e simpatia.
Certa noite, sozinho,
O estimado velhinho.
13 Viu-se fora do corpo, ante a pressão da morte…
Procura na oração apoio que o conforte,
Mas nisso um anjo posto à cabeceira;
Fala-lhe brandamente: — meu irmão,
Partamos para a vida verdadeira…
14 Ele escutou celeste cavatina
E, aflito, perguntou: que há que não entendo?
O Emissário aclarou: é a música divina,
Saudando um justo que acabou vencendo…
Entre assombro e receio, estranheza e torpor,
O pobre proferiu ansiosa indagação:
— Quem será esse justo, Deus de Amor?
15 O silêncio se fez qual se fosse de estalo.
Logo após, o velhinho, a chorar de emoção,
Viu que o próprio Jesus vinha buscá-lo…
Prosternado, gritou: Senhor, eu não mereço!…
Mas o Cristo avançou, estendendo-lhe a mão…
16 Soluçando de amor e de alegria,
O pobre irradiou sublime claridade,
No entanto, nem notou que ele próprio trazia
No próprio coração, a estrela da humildade.
Maria Dolores
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