1
Quem no Gozo consome a luz divina,
Audaz queimando a lúcida candeia,
Do Capitólio vai para a Tarpeia,
Na cova onde a aflição ruge e domina.
2
Desventurado intento, dura sina,
Do gozador que, mísero, tateia,
Rogando claridade à casa alheia,
Ao resplendor solar que ele abomina.
3
Desgraçado o destino que se entrega
A prepotência vil, à guerra acesa
Dos instintos da carne escura e cega!
4
Ó Céus! que atroz suplício, que tristeza
No mendigo da luz, que a luz renega
Às trevas abismais da Natureza!
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Mel. Mª de Barbosa du Bocage
Ensina que, pelo cultivo do gozo físico e de outras modalidades de sensações materiais, o homem extingue em si mesmo a luz divina da espiritualidade; a criatura se torna cega para os atributos da alma, para as atividades do Espírito: faz-se materialista. Põe-se a mendigar fora de si a luz que, por sua própria vontade, lançara à voragem da animalidade, da natureza inferior. Sem a luz, que “ele abomina” e que, no entanto, procura, estando nela imerso, o homem nada vê e em nada acredita. O poeta nos diz, portanto, que cada um de nós possui uma centelha divina, que cumpre cultivar, e não extinguir, para que, com essa luz própria, possa cada um guiar-se, afastando-se do local de onde se lançaria ao abismo dos condenados; nesse báratro, impossível lhe é receber um raio de luz, uma vez que não se encontra em condições de ser esclarecido. Nova advertência, pois, contra a desmedida obediência aos imperativos da matéria, ampliando a contida no Soneto III.
L. C. Porto Carreiro Neto