1 Querida mãezinha Elza
e querido papai Lineu.
2 Agradeço-lhes a presença confortadora e tentarei alinhar algumas notícias minhas.
Naquele dia 12 as horas amanheceram com a fisionomia de festa.
Notava a mãezinha Elza preocupada com a mesa que nos ofereceria naquela marca dos vinte e sete anos. (1)
3 Não sei se estou enfileirando dados exatos, porque estou em convalescença e recuperação.
Quero dizer-lhes porém, que em mim tudo respirava vigor e tranquilidade, sempre escudado na dedicação dos pais queridos.
4 Dispus-me a sair pela manhã de sol alto, (2) certamente o papai Lineu viria da fazenda ao nosso encontro. (3) Pensei que deveria necessitar de algum dinheiro, trocando alguns de meus cheques com amigos nossos.
5 As horas seguiam na matemática dos ponteiros.
Parei o carro na retaguarda de outros vários que aguardavam o sinal, quando senti que um corpo pesado em demasia prensava o meu Alfa, ao mesmo tempo que aquele impacto me atingia a cabeça com violência.
6 Entontecido, de repente observei que algo de estranho me espancava a vida intracraneana e compreendi que fora vítima da ruptura de vasos importantes, sem que fosse permitido falar.
7 Aquela estranha convulsão me apagara o raciocínio. Tentei recorrer à oração; entretanto, a coordenação de meus vocábulos, mesmo no pensamento, se fazia impossível.
8 Como se fora transportado da inconsciência ao sono, vi a mim próprio fora do meu corpo, espantando-me com a dualidade de que o choque me fazia objeto.
9 Naquela atmosfera de penumbra, embora soubesse que o sol claro estaria brilhando por fora de minha sonolência, avistei um homem de olhar compassivo que me estendeu as mãos, esclarecendo:
“— Lineuzinho, venha conosco; seu avô Aristides também está à sua espera!”
10 Tudo aquilo transcorria numa partícula mínima de tempo, quando ouvi barulho de explosão à retaguarda.
11 “— Filho, sigamos! — falou o amigo generoso — Não olhe para trás, porque de agora em diante, os seus caminhos se desdobram para a frente!”
12 Nesse mesmo instante, vi que vovô Aristides finalmente chegava e os dois entrelaçaram as mãos para que eu pudesse dispor de um abrigo para descanso. (4)
13 Procurei ainda exercitar a palavra a fim de avisar que me achava à espera de meu pai Lineu, quando um torpor irresistível me submeteu a um sono agitado, que até hoje não consigo compreender.
14 Aquele sono era um labirinto de pesadelos, no qual observava estampados quadros vivos de minha própria existência.
15 Quis relutar contra o repouso, de modo a definir o que me ocorria; entretanto, o sono se fez mais profundo e perdi de todo a noção de mim.
16 Despertei num ambiente agradável, em que os dois amigos pareciam aguardar-me a conscientização.
17 Meu avô, embora entendendo as minhas dificuldades da voz, apresentou-me o companheiro da primeira hora:
“— Lineuzinho, este é o nosso Aristides Nery, de Igarapava. Ambos temos o mesmo nome”. (5)
18 Fiz um aceno movimentando levemente a cabeça dolorida, na intenção de demonstrar a minha simpatia para com o desconhecido.
19 Nesse ponto de minhas lembranças, entrou uma senhora que se me deu a conhecer por mãe da vovó Joana e que até hoje me dispensa especial carinho. (6)
20 Demorei um tanto a retomar a minha capacidade vocal e perguntei a meu avô se tudo aquilo que estava acontecendo era a morte. 21 Ele confirmou, trocando a expressão “morte” por “desencarnação”.
22 Reconhecendo-me transferido à força para a vida diferente que, de certo, me aguardava para novas obrigações, passei a chorar, recordando os pais queridos, a nossa Sandra Maria (7) e a nossa Luciana, (11) que não acreditariam naquela mudança compulsória.
23 Recordei Ituverava, os amigos da fazenda, além dos meus laços mais íntimos e desatei o pranto que me banhou todo o rosto. (8)
Meu avô compadeceu-se de mim e falou-me palavras de consolo e esperança, que me ficariam impressas na memória.
24 Depois de alguns dias pude rever a família em Campo Grande e começava a pensar em suicídio, quando o vovô Aristides se incumbiu de erradicar de mim tais pensamentos, explicando com bom humor que eu já não conseguiria destruir o meu corpo de novas expressões e, usando o melhor de mim, de que poderia dispor, deliberei aceitar a situação com a possível serenidade. 25 Com isso, tranquilizei os amigos que me cercavam e pude retornar a Campo Grande, amargurando-me com a tristeza da mamãe Elza, que não conseguia me esquecer.
26 Foi então que ao ler-lhe os pensamentos, como quem senhoreia textos de páginas e páginas, vim a saber que o Instituto Médico Legal me considerava vítima de queimaduras que a nenhum corpo humano é dado resistir. (9)
27 Com todo o meu respeito ao I.M.L., desejei aclarar a ideia de minha mãe sobre a intensa hemorragia interna que me expulsou do corpo.
28 Hoje venho confirmar isso, para arredar da cabeça da mãezinha e do pensamento de nossa Sandra Maria, a suposta informação de que eu teria sido vítima de queimaduras cruéis. (10)
Isso não aconteceu. Não me lembrei de queimadura alguma, de vez que não retratara nenhuma.
29 Se o fogo desmantelou o meu carro, não me alcançou de modo algum.
Mãe, peço-lhe coragem e fé em Deus.
30 As queimaduras mencionadas nas perícias, tanto me tocaram como as chamas atingem a roupa de alguém sem ferir esse alguém.
31 Peço à mãezinha Elza diga minhas notícias à nossa Sandra e à nossa Luciana, a companheirinha que eu tomaria, em breve, se Deus permitisse, para a condição de minha esposa e tutora espiritual, no casamento que nos reuniria as esperanças. (11)
32 Agora, peço aos queridos pais serenidade e bom ânimo, com a certeza de que continuo em vida diferente mas ligado à nossa existência comum.
33 Rogo ao papai Lineu conformação e paz em nosso favor, porque há muito que fazer para ele, unido a mim.
34 Nós ambos trabalharemos, quanto possível, para que o bem se estenda aos outros, porque na verdade sou seu filho mas junto de outros rapazes, filhos de Deus quanto nós, que esperam quem lhes estimule o propósito de trabalhar e estudar. (12)
35 Papai, a nossa vida não terminou e os nossos planos de agir para a execução do bem comum continuam comigo.
36 Mãezinha Elza, abençoe-me e fique tranquila. As saudades são de nossa plantação recíproca.
Lembremo-nos de que a nossa Sandra e nosso amigo Fernandes, com a familhinha iniciante, precisam de nós e tenhamos paz e coragem para a travessia das renovações do momento. (13)
37 Muito carinho à nossa Luciana e muitas lembranças aos nossos de Campo Grande, da Fazenda e de Ituverava.
38 O meu avô Aristides é de parecer que já transmiti as notícias que se faziam convenientes e que devo terminar.
39 É o que faço saudosamente, beijando-lhes reconhecidamente as mãos de pais queridos, lutadores fiéis e obreiros do bem, com o imensurável amor e o maior respeito do filho que lhes deve as maiores alegrias e pede a Deus conservá-los sempre e cada vez mais felizes.
Lineu de Paula Leão Júnior (14)
2 de novembro de 1985.
[1] Essa mensagem foi publicada originalmente em 1986 pela editora GEEM e é a 9ª lição do
livro “Intercâmbio do bem.”