14|12|1943
1 Meus caros filhos, que Deus abençoe a vocês, conferindo-lhes muita paz aos corações. Aqui estou para agradecer-lhes a doce e consoladora lembrança do meu aniversário espiritual. Passei hoje o dia recapitulando recordações e descansando com vocês todos.
2 Em casa, a saudade em todas as reminiscências. O velho escritório de professor em perfeita harmonia, os livros bem postos, os corações vivendo comigo numa só vibração. Tive até desejos de tomar a caneta para escrever alguma coisa — se isso fosse possível na minha condição de habitante dum plano diferente! Desta vez, senti, porém, a falta de alguma coisa — a falta do passarinho, de quem se devem lembrar!…
3 Aqui com vocês, meus filhos, procurei haurir o néctar das recordações suaves e doces. Belas horas de repouso espiritual! Muitos amigos nossos trouxeram-me felicitações, encheram a alma de alegrias santas, mas poucas alegrias serão iguais a esta, a de lhes trazer, de maneira direta, o meu coração afetuoso na ponta de um lápis.
4 Como veem, meus filhos, nove anos se passaram… Que foram eles, senão dias breves? Estamos unidos nas mesmas lutas, irmanados no mesmo ideal! Creio não ter passado dificuldade alguma em que não estivesse partilhando com vocês a mesma experiência!
5 Relembrando o 14 de dezembro de minha partida para cá, ainda sinto a ansiedade de cada um de vocês na perspectiva de minha libertação. O corpo estava cansadíssimo e, como a casa decadente, pedia novas medidas de proteção ao morador. Confesso que também eu trazia minh’alma vestida em dúvidas amargosas. A cultura intelectual não resolvia todos os problemas do coração na hora extrema e era indispensável entrar em jogo novas forças de amparo e resistência que, aliás, constavam do patrimônio que iria retomar. 6 Embora, porém, as lutas íntimas, uma profunda paz, se posso dizer assim, instalara-se-me na consciência. O coração do esposo, do pai, do chefe da família e do amigo estava ansioso, inquieto, mas, graças a Jesus, a consciência do filho de Deus estava profundamente tranquila. Não imaginam vocês quantos quadros nos oferecem as visões da morte. À análise de todos, funda insensibilidade dominava-me os centros de força orgânica, entretanto, não era bem assim. Minh’alma parecia estar diante dum “ecran” diferente!
7 Comecei a ver todas as ocorrências de minha vida fértil de lutas. A infância estava ali, com a humildade dos trabalhos primeiros, os impulsos da meninice, os primeiros sonhos da mocidade, tudo, tudo sucedia-se ante os meus olhos espirituais, assombrados, como se houvera sido levado a misteriosas demonstrações. Em seguida, o lar, vocês todos, e nossas realizações em comum. E, graças ao Eterno Pai, meus filhos, vendo meus desastres financeiros, via também meus propósitos santos. A luta intensa vivida mostrava-se ali, tal qual era, sem sombras de fantasia. 8 Queria chamá-los, um a um, apresentar-lhes minha descoberta, gritar o fenômeno extraordinário que se desenhava ante minha visão espantada e, sobretudo, dizer de meu conforto sublime, mas, ao tentar fazê-lo, não pude mais! A boca hirta, as mãos distendidas não me obedeciam às ordens mentais! E foi a “morte”, com o seu cortejo de transições naturais. Não me refiro a estas lembranças para imprimir uma feição triste à nossa reunião, mas sim para levantar o nosso padrão de esperanças e alegrias! Sou o pai afetuoso que lhes vem repetir a inexistência dum “fim”, sem razão de ser. Tudo se renova hoje, nada terminou. Todas as expressões inferiores de vida passam, mas tudo o que santifica e eleva permanece para sempre.
9 A “morte” é somente mudança e reporto-me ao assunto para afirmar-lhes que morrer somente não deve interessar ao homem. Importa “morrer bem”, isto é, com a paz dos que batalham, com a edificação dos que pelejam, dos que vivem sempre de pé, ainda mesmo quando o corpo ameace perecer.
10 Não desejava escrever-lhes extensamente e diante dos amigos espirituais que vieram ver-nos preferia que outras fossem as vozes que lhes falassem aos ouvidos atentos. Entretanto, o amor foi mais forte e vendo-os, tão estreitamente unidos em nossas reminiscências, resolvi dirigir-lhes os meus melhores agradecimentos do coração. Que Deus, meus filhos, recompense a vocês pela alegria profunda que me trouxeram ao espírito. E com a minha gratidão tenho algumas recomendações de pai a fazer-lhes.
11 Cumprimento ao Roberto pelos bons exercícios de ordem militar, louvando-lhe o propósito de se manter na disciplina justa. Aliás, não poderá esquecer que é neto dum general e dum professor, profissões diferentes, mas que não podem ser desempenhadas com eficiência sem a ordem daqueles junto dos quais funcionam. Muito bem, meu filho, que Deus o ilumine para a continuidade de seu curso educativo. Peço-lhes igualmente felicitarem à Wanda, por mim; no seu primeiro grande triunfo. Tem ela se esforçado intensamente, chegando eu a crer ande necessitada de algum repouso mais prolongado e de justa medicação reconstituinte. Também a você, meu caro Rômulo, cumprimento pelo seu 19 de dezembro. Que Jesus lhe conceda, junto de Maria e dos netos, muita saúde, tranquilidade e força, são os meus votos sinceros de pai.
12 A você, meu caro Fausto, como é justo, não poderei deixar de abraçar, como faço todos os dias. Recorde, meu filho, que o “Seu Arthur” não poderia morrer. Sei a intensidade de suas lutas domésticas e de quantas dificuldades compõem as suas experiências em curso. Guarde, porém, a paciência e a coragem. Façamos de conta que ainda nos achamos em nossa velha tentativa de avicultura. Edificamos galinheiros novos, fizemos grandes aquisições, cheios de esperanças, chegaram as chuvas e os maus negócios. Nossas experiências fracassam. Mas fica sempre o desejo de recomeçar. Agora, Fausto, a nossa avicultura é de natureza espiritual. Estamos criando asas para maiores voos para Deus. 13 Tudo aí no mundo, no domínio das lutas propriamente humanas, passa depressa. Todas as noites vou ao seu passe e à sua água fluida e, por sinal, que o seu metabolismo orgânico é outro. Você vai fazendo seus exames e eu vou fazendo os meus. E, felizmente, você tem andado sempre melhor e, sobretudo, mais tranquilo em si mesmo. Tenho feito pelas netas o que me é possível. A Francisca Marta é excessivamente ligada ao espírito maternal. Ambas, mãe e filha, se prendem a passado longo, mas a sua Laura Elvira já andou em nossa casa. n Não se recordam da irmãzinha que nos deixou tanta saudade nos corações? Nesse capítulo da paternidade, meu filho, todo cuidado é necessário. Que você continue devotado a ela, como pai e orientador, é o que peço a Jesus.
14 E agora, filhos meus, deixo-lhes o melhor agradecimento de meu coração. Graças a Deus, Maria, sua gripe passou mais depressa que esperávamos. Que vocês tenham muitas alegrias na festa da Wanda. Boa noite, meus filhos!
Guardem o coração reconhecido do papai,
A. Joviano
[1] Nota da organizadora: A irmãzinha mencionada foi uma filha de Arthur Joviano, que desencarnou, ainda bebê, devido a uma queda em escada.