1 Você meu amigo, entusiasma-se, com razão, observando o número de espiritistas recenseados em 1940, fronteira adentro de nossa terra. Quase meio milhão de pessoas declararam-se francamente convencidas. Mais de quatrocentos e cinquenta mil criaturas manifestaram-se conosco. 2 Efetivamente confortadora a verificação, mormente quando sabemos que milhões de simpatizantes e amigos de nossa causa permaneceram ausentes da confissão formal, atentos à muralha pesada do preconceito. Árvores menos robustas necessitam ainda do concurso do tempo para afrontarem, com êxito, a tormenta da opinião.
3 Contudo, quase quinhentos mil corações intrépidos não vacilaram e trouxeram seu testemunho de confiança no campo da fé, representando respeitável vanguarda de obreiros do futuro. Realmente, a prosperidade do Espiritismo no Brasil fere a atenção dos mais insensíveis. Reconhecendo, porém, a extensão dos serviços de espiritualidade, meu coração inclina-se, reverente, suplicando a Jesus o socorro necessário.
4 Sabe você que não fui na Terra um companheiro militante. Perdido no cipoal do pedantismo literário, meu horizonte mental noutro tempo não abrangia senão o campo enganador das gloríolas efêmeras. A morte, no entanto, demonstrou-me a importância do ideal espiritista no reajustamento do mundo. Semelhante descoberta, porém, se é portadora de alegria e reconforto, não traz consigo quietude ou despreocupação. 5 Desconhecerá você, porventura, que a fé reclama laboriosos testemunhos de trabalho em seu processo evolutivo? Estabelecer programas de atividade espiritualizante não constitui obra do acaso. E se é indiscutível a assistência do Plano superior à nossa edificação consoladora, somos compelidos a reconhecer a necessidade de adaptação na Esfera humana.
6 Em verdade, não estamos à procura de sacerdócio organizado. Prescindimos dos templos de pedra para atender às realizações do sentimento. Longe das afirmativas dogmáticas, buscamos a construção do santuário vivo na consciência, onde possamos receber a inspiração divina, dentro da liberdade e da confiança. 7 Essa independência, entretanto, é a nossa emancipação das fantasias grosseiras com que lisonjeamos a própria inferioridade. É a liberdade de não fazer o mal, com o ensejo bendito de obediência aos desígnios superiores. 8 Essa confiança não é a cegueira do fanatismo louco que, até hoje, assinala o culto das religiões sectaristas. É a noção de responsabilidade peculiar a cada um de nós, com o otimismo de quem valoriza o tempo e as concessões divinas em bênçãos de trabalho e paz santificantes. 9 Nossos conceitos de Evangelho não se circunscrevem à pompa verbalística, não se limitam ao florilégio teológico. Amplificam-se na esfera dos corações, gravando ensinamentos e acendendo luzes no Espírito eterno. 10 Não permanecemos simplesmente empenhados nas demonstrações da sobrevivência individual, sem substância de espiritualidade para a missão renovadora, em que nos irmanamos aqui e agora. 11 Não constituímos legião de curiosos, exigindo provas que nos satisfaçam as vaidades da inteligência e, sim, compacta vanguarda de trabalhadores interessados na reestruturação da fé viva, em ligação permanente com os Planos mais altos a serviço do mundo melhor.
12 Atentos a esse imperativo da missão histórica do Espiritismo evangélico no Brasil, o recenseamento não traz apenas o júbilo da expressão numérica. Dá-nos a conhecer a imensa responsabilidade dos operários admitidos à obra gigantesca, obra que cresce indefinidamente neste século atormentado.
13 Quase quinhentos mil corações, na frente do combate espiritual, com armas de amor, operando em benefício da retaguarda de milhões! Sim, meu amigo, regozijemo-nos e aguardemos o porvir, confiantes na Providência Divina! Convictos, no entanto, de que o Infinito Bem não se pode manifestar na Terra sem o concurso dos homens bons, ajoelhemo-nos no templo do espírito e peçamos ao Senhor nos abasteça de luz!
14 A produção de recursos espirituais não se efetua ao sabor das circunstâncias. Improviso e favor não constam do divino serviço. Indispensáveis são o esforço próprio, o trabalho incessante, a cooperação fiel.
15 E diante dessa legião de brasileiros que confiaram no Cristianismo redivivo que aguarda conosco a Terra aperfeiçoada, ao sagrado influxo da fé transformadora que nos reúne as atividades, recordo-me da multidão que seguia o Senhor, há quase dois mil anos. 16 Os quatro escritores dos Evangelhos concordam em asseverar, narrando o quadro de imorredoura beleza, que o Mestre multiplicou
os pães ( † ) de seu amor, dividiu-os, sabiamente, mas não distribuiu a graça em ação direta. Entregou-a aos discípulos para que a espalhassem com os seguidores esperançados e famintos. 17 Segundo os evangelistas, compunha-se a multidão de quase cinco mil pessoas. No Brasil atual, contamos com quase quinhentas mil, decididas a receber “o pão que desceu
do céu”. ( † )
18 Grande é o nosso júbilo, extensa a nossa esperança, porque sabemos que o Senhor prossegue multiplicando as bênçãos de sua inesgotável misericórdia! Considerando, porém, que Jesus necessita de colaboradores vigilantes, comove-nos e assombra-nos a responsabilidade desta hora, e suplicamos, em vista disso, às Forças Divinas despertarem os aprendizes distraídos ou ausentes para que nos reunamos todos no mesmo banquete de fraternidade e entendimento, levando a efeito a distribuição do pão vivo e sublime, em nome d’Aquele que, sendo a luz dos séculos, é o sol de nossos corações!
Irmão X
(Humberto de Campos)
Reformador — Novembro de 1946.