1 Meu querido Ismael, Deus nos abençoe.
2 Somente agora, quando me disponho a falar-te mais intensamente, percebo a infinita dificuldade para uma conversação entre dois mundos! Oh, meu caro, é difícil, muito difícil! É preciso conhecer, como conheci, a paralisia dolorosa para compreender esta angústia de converter a inércia em movimento, porque, em verdade, levando a efeito o trabalho comparativo, a palavra humana simboliza a morte diante do verbo de nosso intercâmbio na vida espiritual!
3 De qualquer modo, porém, é preciso vencer as resistências, atenuar os obstáculos, estabelecendo acordos entre as manifestações desarmônicas. É pálida qualquer exteriorização de nossas realidades que me proponha a oferecer-te. Conforta-me, porém, a certeza de teu carinho, a elevação de tua confiança e entendimento.
4 Mundos imensos de considerações afloram-me no cérebro para que eu te transmita o noticiário daqui, com todas as minudências que nossos corações desejariam. No entanto, as limitações são tremendas, meu amigo, e contento-me com o simples relatório afetivo de meu infinito amor e de minha ternura fìel pelo teu campo de realizações. Com o auxílio divino, venho dilatando meus conhecimentos e aprimorando sentimentos, preparando-me para o futuro de nossa união.
5 Minha maior alegria, Ismael, quando voltei, verificou-se com a reintegração de minha saúde. Oh!… Quando pude mover-me, quando me desprendi da cruz que me retivera por longos anos, então senti, de muito perto, a bendita influência d’Aquele que deu vista aos cegos e curou os paralíticos! Profundo júbilo assenhoreou-se-me do coração e o beijo da liberdade, que a morte me trouxera, recordava a grandeza da Bondade Divina. E quis voar para junto de todos os que amo, e quis aproximar-me principalmente de teu coração para comunicar-te as alegrias de minha ressurreição! Todavia, reconheci que pesada fronteira nos separava então, e fui obrigado a caminhar em outro rumo…
6 Quantas interrogações te sugerem estas minhas palavras! Eu sei que entre nós os laços de amizade sempre foram sagrados como os que existem entre um filho e seu pai. E por isso, Ismael, desejaria atender-te a todas as observações. Mas as limitações continuam aqui, entre nós, bem fixas no papel frágil e no lápis incapaz, que não suporta as definições atuais de nossas realidades mais belas!
7 Minha mãe esperava-me. E que poderia eu desejar senão seu regaço amoroso e acolhedor? Ah!… Em vão me esforçaria por dizer-te tudo! Outros amigos estenderam-me, mais tarde, a sua colaboração e retemperando energias no ambiente novo guardei um pensamento exclusivo: o de fortalecer-me para fortalecer-te!
8 Não penses que meu Espírito vivesse infenso ao teu carinho! Tuas cartas alimentavam-me o coração, teu afeto orvalhava-me o íntimo, fazendo desabrochar as flores da esperança no terreno árido de minhas ilusões fenecidas. Novos horizontes se abriram para mim, entretanto, o nosso antigo afeto persistia dentro de meu ser. A beleza da Esfera diferente, os céus maravilhosos, a campina multicor sob a atmosfera radiante, onde me haviam preparado o repouso, não me faziam esquecer-te! Contudo, meu filho, não obstante as maravilhas exteriores, mais que nunca encontrei a mim mesmo. 9 A morte do corpo libertara-me a alma oprimida na provação expiatória, mas não realizara o milagre que eu esperava. Meu nível mental não demonstrava alterações, meus sentimentos eram os mesmos. Terminara a curva no caminho redentor, de que tivera necessidade para apagar certas nódoas de meu pretérito obscuro, mas ao retomar a estrada real da evolução verifiquei que precisava desdobrar-me em serviços novos para melhorar a posição que me era própria. Daí, meu caro, as minhas considerações iniciais. 10 Não constituindo a morte o banho miraculoso de sabedoria e iluminação, era obrigado a descobrir os meus próprios recursos, a fim de aprimorar os escassos valores que havia adquirido. Então compreendi a sublimidade do Espiritismo, que nos traça um roteiro de atividades progressivas nos caminhos das lutas humanas, e percebi o valor do indivíduo na obra de Deus. 11 Somos, nós mesmos, os arquitetos de nossos destinos, os construtores de nossa felicidade ou de nosso infortúnio, os senhores do “mundo de nosso ser”, e sem que nos transformemos para a Esfera superior, sem o esforço da conversão para o Cristo — que tem sido para nós um mito distante e não um Mestre próximo — não poderemos alcançar o cume de nossos idealismos edificantes. Semelhante revelação encheu-me de coragem e, como o lavrador corajoso, ataquei o serviço de minha semeadura nova. Não se passou muito tempo e o Senhor permitiu que me reaproximasse de teu trabalho.
12 E aqui estou, Ismael, para reafirmar-te a beleza de nossa ligação espiritual. Minhas palavras não chegam a formar um atestado insofismável de sobrevivência, mas há o coração que fala e o coração que ouve. Sabes que estamos juntos, não só em virtude dos traços escuros que cobrem o papel, mas também pela espiritualidade que transborda na alegria recôndita de nosso reencontro mais direto!
13 Volto, meu filho, para rogar-te a continuidade do esforço, do trabalho, da coragem! Sigo-te, de perto, o isolamento interior e as grandes horas do desalento angustioso. Não te aflijas. Outra rota não existe para todo aquele que se coloque a caminho do calvário da libertação. É muito fácil “devorar” as planícies, mas sempre difícil escalar os montes. E a procura da fé, a integração perfeita com os Planos mais altos representam uma subida efetivamente dolorosa. Tem paciência e prossegue. Haverá dias de luta, noites de tempestade. Pedras e espinhos atapetam a senda, mas a Força Divina ampara o procurador fiel da verdade, porque essa fidelidade traduz amor sincero e ardente do bem.
14 Meus votos de prosperidade à tua missão no Esperanto que polariza, no momento, as nossas energias e ideais. A tarefa, com o teu devotamento, está sendo coroada de êxito amplo. Por agora, é preciso suportar o riso dos ironistas, a aspereza dos ingratos, a indiferença dos endurecidos. Os fariseus do templo não são personalidades circunscritas aos círculos religiosos. Movimentam-se em todos os lugares, dentro da pauta dos preconceitos e convenções. É necessário ajudá-los com o nosso entendimento construtivo, como quem conhece as infantilidades dos mais jovens e a sagacidade lamentável dos que se prendem ao cárcere da razão sem luz. 15 Os livros que a Casa de Ismael vem lançando, sob os auspícios do Alto, são bases do edifício futuro. Não importa que as sementes ofereçam apenas mais tarde a beleza da floração e as magnificências da colheita. Fixando a figura do Cristo, trabalhador divino do mundo desde muitos milênios consecutivos, encontraremos serenidade para todas as edificações elevadas e redentoras.
16 Os nossos amigos Magalhães são teus colaboradores assíduos. A Estevina continua na posição de companheira abnegada de teus serviços neste mundo, embora sua atuação se verifique em plano quase oculto, atendendo a circunstâncias especiais. (…) São inúmeros os assuntos que ficam aguardando oportunidade.
17 Não posso ser mais extenso. Cultiva, Ismael, acima de tudo, o coração. Lembra-te que o valor positivo da fé não procede tão-somente das equações intelectuais. Prepara-te, edificando, cada vez mais, os teus sentimentos.
18 Distribui as minhas lembranças com a filhinha e o Lauro, Aldana e tua mãe, estendendo-as a todos os que permanecem conosco no sagrado caminho da redenção. E pedindo a Jesus pela tua elevação constante, abraça-te, com toda a alma o teu, da Eternidade. n
Abel
Reformador — Junho e julho de 1945.
[1] Segundo consta do original, a mensagem foi psicografada em 25 de março de 1945, sem referência de local. Como já dito em nota anterior, Abel Gomes era tio de Ismael Gomes Braga. Colaborador nas atividades espiritistas e do Esperanto, também privava de sua intimidade. A título de curiosidade, Abel Gomes padeceu nesta encarnação de paralisia por mais de 30 anos e desencarnou quase cego. Ditou, pela mediunidade de Chico Xavier. e de outros médiuns da época, vários poemas doutrinários em Esperanto. Na oportunidade, estava sendo promovido o X Congresso Brasileiro de Esperanto, que tinha Ismael Gomes Braga como secretário-geral.