O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Parnaso de Além-Túmulo — Autores diversos


21

Carmen Cinira


Nome literário de Cinira do Carmo Bordini Cardoso: nasceu no Rio de Janeiro, em 1902, e faleceu em 30 de agosto de 1933. Sua espontaneidade poética era tão grande que ela própria acreditava serem os seus versos de origem mediúnica. Glorificou o Amor, a Renúncia, o Sacrifício e a Humildade, em obras como: Crisálida, Grimalda de Violetas, Sensibilidade.


Minha luz

1 Eu era, Dor, a alma rubra e inquieta,
A pomba predileta
Do prazer, da ilusão e da alegria…
Meu coração, alegre cotovia,
Saudava alvoroçado
O segredo da noite e a luz clara do dia,
Quando chegaste de mansinho,
Pisando sutilmente o meu caminho…


2 E eu te enxerguei, despreocupada,
Em meu engano, em minha fantasia:
Primeiramente,
Foste, austera e inclemente,
A um dos belos tesouros que eu possuía
E mo roubaste para sempre…
Em fúria iconoclasta,
Como o simum que arrasta
As cidades repletas de tesouros
Confundindo-as no pó,
Foste aos meus ídolos mais caros,
Destruindo-os sem dó.


3 Prosseguiste, ó divina estatuária,
Na tua obra silente e solitária,
E quebraste
Minhas cítaras de ouro
Meus mármores de Paros,
Meus cofres de alabastros,
Minhas bonecas de biscuí,
Minhas estatuetas singulares…
E humilhaste
Meus sonhos de mulher e de menina,
Que eu pusera nos astros
Em meio às melodias estelares!


4 Mas, desde que chegaste,
Foste a sombra divina
Que acompanhou meus passos ao sepulcro…


5 Tudo sofri,
Ó Dor, por te querer,
Porque depois que vieste
Qual pássaro celeste
Para abrir rosas de sangue no meu peito,
Encheste a minha vida
De um estupendo prazer, quase perfeito!


6 Aos poucos me ensinaste a abandonar
Meus prazeres fictícios,
Trocando-os pela luz dos sacrifícios!
Por tudo eu te bendigo, ó Dor depuradora,
Porque representaste em meu destino,
De alma sofredora,
O fanal peregrino
Que me guiou constantemente
Através das estradas espinhosas
Para as manhãs radiosas
Da Luz Resplandecente…


7 Sê, pois, bendita, ó Dor linda e gloriosa,
Pois da volúpia estranha dos teus braços,
Vim pelas mãos da morte complacente
Para a vida sublime dos Espaços!…





Aos Espíritos consoladores

1 Donde éreis vós, ó formas imprecisas
De arcanjos tutelares,
Cujas vozes suaves como brisas
Trouxeram-me nas dores,
No auge do meu sofrer, nos meus penares,
A irradiação de brando refrigério?!…


2 Frontes aureoladas de esplendores,
Seres cheios de amor e de mistério,
Cujas mãos compassivas
Ungiram meu coração resignado
Com o bálsamo do olvido do passado,
E com os místicos olores
Das meigas sempre-vivas
Da fé mais luminosa e mais ardente…


3 Seríeis o fantasma imaginário
Da mórbida exaltação dalma do crente?
Não, porque sois os cireneus piedosos
Dos que vão em demanda do Calvário
Da Redenção, nos sofrimentos rudes:
Vindes das mais remotas altitudes
De sublimados mundos luminosos!…


4 Seres do Amor, jamais traduziria
O cântico de luz
Que trouxestes ao leito da agonia
Que eu transpus,
Cheia de desenganos e gemidos!…
Verto ainda os meus prantos comovidos
Lembrando-me do vosso Stradivárius,
Repetindo as cadências dos hinários
Dos orbes da Ventura e da Harmonia,
Onde habitais, glorificando o Amor
Que dalma faz um ninho de alegria
E foco de esplendor!


5 Em que sol deslumbrante, em qual Esfera
Viveis a vossa eterna primavera?
Ó irmãos consoladores,
Que vindes confortar os pecadores
Penitentes da vida transitória,
Dai-me um pouco de luz da vossa glória,
Estendei-me uma única migalha
Da vossa paz, que nutre e que agasalha
Os corações iguais ao meu!…


6 Tenho sede do amor que enfeita o Céu!
Espíritos da luz radiosa e infinda,
Minhalma é fraca e pobre ainda;
Todavia, imortal,
Quero ter dessa luz resplandecente,
E quero embriagar-me inteiramente
Com os vinhos da alegria celestial.




Cigarra morta

1 Chamam-me agora aí
Cigarra morta,
E não podia haver melhor definição,
Porque caí estonteada à porta
Do castelo em ruínas,
Do desencanto e da desilusão!…


2 Minhas futilidades pequeninas…
Meus grandes desenganos…
Eu mesma inda não sei
Se é ventura morrer na flor dos anos…
Sei apenas que choro
O tempo que perdi,
Cantando em demasia a carne inutilmente;
E vivo aqui somente,
De quanto idealizei
De belo, de perfeito, grande e santo,
Que inda hei-de realizar
Com a rima do meu verso e a gota do meu pranto.


3 Dá-me força, Senhor,
Para concretizar meu anseio de amor:
Evita-me a saudade
Da minha improdutiva mocidade!
Eu não quero sentir,
Como cigarra que era,
A falta das canículas doiradas
Sob a luz de ridente primavera.
Já que tombei cansada de cantar,
Calando amargamente,
Perdoa, Deus de Amor, o meu pecado:
Que eu olvide a cigarra do passado,
Para ser uma abelha previdente.




Era uma vez…

1 Era uma vez Carmen Cinira.
Um coração
Cheio de sonho e flor, que mal se abrira
Nos jardins encantados da ilusão…
Estraçalhou-se para sempre
Na voragem
Das trevas, dos abrolhos!…


2 Era uma vez Carmen Cinira…
Uma suposta imagem
Da perene alegria,
Mas que trouxe em seus olhos,
Eternamente,
Essa amarga expressão de alma doente,
Cheia de pranto e de melancolia!…
Carmen Cinira! Carmen Cinira!
Que é da minha cigarra cantadeira?
Embalde te procuro.
Porque cantaste assim a vida inteira,
Cigarra distraída do futuro?
Perturbada,
Aturdida,
Busco a mim mesma aqui nestoutra vida…
Onde estou, onde estou?
Minha vida terrena se acabou
E sinto outra existência revelada!


3 Não sei porque me sinto amargurada…
Sinto que a luz me guia
Para a paz, para um mundo de alegria.
Mas, ó imortalidade,
Se na Terra eu te via
Como a aurora divina da verdade,
Não julguei que inda a morte me abriria
Esse cenário deslumbrante
De outros sóis e de outros seres,
E vejo agora
Que não amei bastante,
E não cumpri à risca os meus deveres!


4 A fagulha de crença
Que eu possuía
Devia transformar numa fornalha imensa
De fé consoladora,
E incendiar-me para ser luzeiro.


5 Mas, ó Senhor da paz confortadora,
Eu vi chegar o dia derradeiro
Em minha dor, na máscara de festa,
E a morte me apanhou
Como se apanha uma ave na floresta.
Experimento a grande liberdade!
Todavia, Senhor, ampara-me e protege
Minha triste humildade!


6 Eu te agradeço a paz que já me deste,
Mas eis que ainda te imploro comovida,
Porque me sinto em fraca segurança;
Deixa que eu guarde ainda nesta vida
Meu escrínio de estrelas da Esperança.




À Juventude


Juventude linda e ardente,
Mocidade querida que eu exorto,
Meu coração de carne, esse está morto,
Mas minhalma que é eterna está presente.
Zelai pelo plantio, ó juventude,
Das flores perfumadas da virtude,
Porque depois dos sonhos terminados
Em nossos ermos e últimos caminhos,
Ai! como nos ferem os espinhos
Das belas rosas rubras dos pecados!




O viajor e a Fé

1 — «Donde vens, viajor triste e cansado?»
— «Venho da terra estéril da ilusão.»
— «Que trazes?»
— «A miséria do pecado,
De alma ferida e morto o coração.
Ah! quem me dera a bênção da esperança,
Quem me dera consolo à desventura!»


2 Mas a fé generosa, humilde e mansa,
Deu-lhe o braço e falou-lhe com doçura:
— «Vem ao Mestre que ampara os pobrezinhos,
Que esclarece e conforta os sofredores!…
Pois com o mundo uma flor tem mil espinhos,
Mas com Jesus um espinho tem mil flores!»




O sinal

1 Quando chegamos do País do Gozo,
Nossa alma sem repouso
Traz o sinal das trevas do pecado.


2 Nossa alegria é um riso envenenado.
A palavra disfarça o coração
E a nossa dor é desesperação.


3 Tudo é sombra. A verdade não tem voz.
Muita vez, tudo é queda dentro em nós.


4 Mas os que vêm do Mundo dos Deveres
Guardam a luz de místicos prazeres.
Não têm palmas da Terra impenitente…
Como tudo, porém, é diferente!…


5 Sua alegria é um fruto adocicado,
Sua palavra é um livro iluminado,
Sua dor alivia as outras dores.


6 Trazem o amor de todos os amores,
Revelando na vida transitória
O sinal do Calvário aberto em glória!




Na noite de Natal

1 Noite de paz e amor! Repicam sinos,
Doces, harmoniosos, cristalinos,
Cantando a excelsitude do Natal!…
A estrela de Belém volta, de novo,
A brilhar, ante os júbilos do povo,
Sob a crença imortal.


2 De cada lar ditoso se irradia
A glória da amizade e da harmonia,
Em festiva oração;
Une-se o noivo à noiva bem-amada,
Beija o filho a mãezinha idolatrada,
O irmão abraça o irmão.


3 Dentro da noite, há corações ao lume
E há sempre um bolo, em vagas de perfume,
Sob claro dossel…
Nascem canções e flores de mansinho,
Em édenes fechados de carinho,
De esperança e de mel.


4 Mas, lá fora a tristeza continua…
Há quem chora sozinho! Em plena rua,
Ao pé da multidão;
Há quem clama piedade e passa ao vento,
Ralado de tortura e sofrimento,
Sem a graça de um pão.


5 Há quem contempla o céu maravilhoso,
Rogando à morte a bênção do repouso
Em terrível pesar!
Ah! como é triste a imensa caravana,
Que segue aflita, sob a treva humana
Sem consolo e sem lar…


6 Tu que aceitaste a luz renovadora
Do Rei que se humilhou na manjedoura
Para amar e servir,
Volve o olhar compassivo à senda escura,
Vem amparar os filhos da amargura,
Que não podem sorrir.


7 Desce do pedestal que te levanta
E estende a mão miraculosa e santa
Ao desalento atroz;
Para unir-nos no Amor, fraternalmente,
Desceu Jesus do Céu Resplandecente
E imolou-se por nós.


8 Vem medicar quem geme na calçada!…
Oferece à criança abandonada
Um velho cobertor;
Traze a quem sofre a lúcida fatia
Do teu prato de sonho e de alegria,
Temperado de amor.


9 Visita as chagas negras da mansarda
Onde a miséria súplice te aguarda
Em nome de Jesus.
Há muita criança enferma, quase morta,
Que só pede um sorriso brando à porta,
Para tornar à luz.


10 Natal!.. Prossegue o Mestre, de viagem,
Em vão buscando um quarto de estalagem,
Um ninho pobre em vão!…
E encontra sempre a cruz, ao fim da estrada,
Por não achar socorro, nem pousada
Em nosso coração.


Carmen Cinira


Texto extraído da 6ª edição desse livro. — Revista e ampliada pelos autores espirituais.

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