1.
Na manhã imediata, a administração da Casa Transitória achava-se de
posse do roteiro a seguir.
Os cronômetros acusavam seis horas; no entanto, as sombras densas e monótonas dominavam a região.
2 O instituto recebia o concurso
de vários servidores de outras organizações socorristas da mesma natureza,
enquanto a Irmã Zenóbia se mantinha absorvida pelos quefazeres imperiosos
do momento, cercada de assessores, orientando atividades alusivas à
mudança próxima.
3 Ardendo de ansiedade por
obter maiores esclarecimentos acerca dos trabalhos em execução, acompanhei
o padre Hipólito, que me convidou a inspecionar os movimentos do átrio.
Segui-o gostosamente.
O serviço ativo exigia a atenção e o esforço de grande número de colaboradores.
4 Instado pelas minhas interrogações
insistentes, o prezado companheiro informou:
— As instituições socorristas, como esta, podem alçar voos de grande alcance.
5 E, diante da minha funda
admiração, continuou:
— Permanecemos, porém, noutros domínios vibratórios e não podemos ter
grandes surpresas. As leis da matéria densa, nossas velhas conhecidas
da Crosta Planetária, não são as que presidem aos fenômenos da matéria
quintessenciada que nos serve de base às manifestações também transitórias.
6 O homem encarnado
somente agora começa a perceber certos problemas inerentes à energia
atômica do Plano grosseiro em que situa, temporariamente, a personalidade.
7 Como você não ignora,
as descargas elétricas do átomo etérico, em nossa Esfera de ação, fornecem ensejo a realizações quase inconcebíveis à mente humana. 8 Nos Círculos carnais, em favor da solução dos nossos enigmas
evolutivos ou redentores, somos francos prisioneiros do campo sensorial, que se comunicam com a Vida Infinita pelas estreitas janelas dos cinco sentidos. 9 Não obstante o progresso da investigação científica entre as criaturas terrenas, o homem comum apenas conhece, por enquanto, uma oitava parte do Plano
onde passa a existência. A vidência e a audição, as duas portas que
lhe podem dilatar a pesquisa intelectual, permanecem excessivamente
limitadas. 10 Vejamos,
por exemplo, a luz solar, que condensa as cores básicas, suscetíveis
de serem assinaladas pelo nosso olho, quando na Terra. Percebemos, tão
somente, as cores que vão do vermelho ao violeta, salientando-se que
a maioria das pessoas nada enxerga além das últimas cinco, que são o
azul, o verde, o amarelo, o laranja e o vermelho, não registando o
índigo e o violeta. 11
Existem, porém, outras cores no espectro, correspondentes a vibrações
para as quais o olho humano não possui capacidade de sintonia. Manifestam-se
raios infravermelhos e ultravioletas que o pesquisador humano consegue
identificar imperfeitamente, mas que não pode ver. 12
Ocorre o mesmo com a potência auditiva. O ouvido da mente encarnada
assinala apenas os sons que se enquadram na tabela de “16 vibrações
sonoras a 40.000 por segundo”. As ondas mais lentas ou mais rápidas
escapam-lhe integralmente. 13
Há que obedecer às leis da gravitação e da estrutura das formas, na
zona de matéria densa, para que a vida atinja seus divinos objetivos
espirituais.
14 O ex-sacerdote fez breve
parada, sorriu afavelmente, e acentuou:
— Os movimentos de trabalho em nossa Esfera de luta, portanto, não podem ser vistos com a mesma deficiência de exame que antigamente nos presidia às observações.
A matéria e as leis, em nosso Plano, permanecem bastante diferenciadas, embora emanem da mesma Origem Divina.
15 As considerações eram sumamente
interessantes para mim, em tal conjuntura, apesar de já não ser leigo
no conhecimento da aplicação de energia elétrica, na colônia espiritual
em que mantinha residência. As palavras de Hipólito tinham a virtude
de aliviar-me o cérebro atulhado ainda de reminiscências viciosas da
Crosta.
2.
O estimado amigo, não obstante reconhecer a leveza da substância etérica,
em comparação com os fluidos grosseiros que constituem os corpos terrenos,
chamou-me a atenção para o esforço hercúleo dos trabalhadores que articulavam
diversos serviços, atinentes à próxima modificação. A tarefa exigia decisão
e boa vontade, assombrando o ânimo mais forte.
2 A utilização de recursos,
ali, naquela casa de benemerência, insulada em tão escura paisagem,
custava inauditos sacrifícios. A densidade da região influía inequivocamente
nos serviços, e os colaboradores despendiam atividades de gigantescas
proporções.
3 Todo o pessoal disponível
fora convocado ao trabalho dos motores e, quando me entregava a transportes
admirativos, diante da maquinaria complexa, n indescritível na técnica
humana, a Irmã Zenóbia, através de Jerônimo, nos pediu colaboração nas
defesas magnéticas, em vista da necessidade de empregar maior número
de cooperadores na preparação ativa do voo.
3.
Não tínhamos tempo a perder. O próprio Assistente que nos orientava,
num belo exemplo de renúncia fraternal, tomou a dianteira, encaminhando-se
para as faixas de defesa.
2 Não eram, essas,
altas e verticais como as muralhas das fortificações terrestres, mas
[barras paralelas] horizontalmente estendidas e formadas em substância escura, que emitiam
forças elétricas de expulsão num raio de cinco metros de largura, aproximadamente,
circulando toda a casa. 3
Diversos focos de luz permaneciam acesos e, em rápidos minutos, determinado
responsável pela tarefa colocava-nos ao corrente do trabalho a executar.
4 Velaríamos pelo funcionamento
regular de certos aparelhos geradores de energia electromagnética, destinados
à emissão constante de forças defensivas, e vigiaríamos o setor que
nos fora confiado, de modo a sanar qualquer anormalidade.
5 Finalizando as explicações,
assegurou o colaborador:
— Temos determinação para receber todos os sofredores que se apresentarem renovados, facultando-lhes ingresso ao pátio interno. Nas últimas horas, a Irmã Zenóbia e os demais administradores da instituição ordenaram acolhimento a todos os transviados que se aproximassem de nós, com sinais legítimos de transformação moral para o bem.
6 Certo, Jerônimo estaria
informado quanto às providências necessárias; entretanto, dentro de
minha ignorância, não contive a interrogação:
— Como nos asseguraremos, porém, da renovação a que alude?
7 O prestimoso Assistente
não permitiu que o interpelado me respondesse. Adiantou-se, ele mesmo,
e informou:
— Os sofredores, já modificados para o bem, apresentarão círculos luminosos característicos em torno de si mesmos, logo que, estejam onde estiverem, concentrem suas forças mentais no esforço pela própria retificação. Os outros, os impenitentes e mentirosos sistemáticos, ainda que pronunciem comovedoras palavras, permanecerão confinados nas nuvens de treva que lhes cercam a mente endurecida no crime.
8 O esclarecimento era bastante
significativo; e silenciei, satisfeito, compreendendo, mais uma vez,
a grandeza da purificação consciencial, em lugar dos protestos verbalísticos
que se fazem através dos jogos brilhantes da palavra.
10 Entregávamo-nos,
tranquilos, ao trabalho, quando indescritível choque atmosférico abalou
o escuro céu. Clarão de terrível beleza varou o nevoeiro de alto a baixo,
oferecendo, por um instante, assombroso espetáculo. 11
Não era bem o relâmpago conhecido na Crosta, por ocasião das tempestades,
porquanto as descargas elétricas da Natureza, sobre o chão denso, são
menos precisas no que se refere à orientação técnica de ordem invisível.
Observava-se, ali, o contrário: a tormenta de fogo ia começar, metódica, mecanicamente.
12 Dominou-me angustioso pavor,
mas o Assistente Jerônimo revelava-se tão calmo que a sua serenidade
era contagiante.
— É o primeiro aviso da passagem dos desintegradores, — explicou-nos, solícito.
13 À distância de muitos quilômetros,
víamos os clarões da fogueira ateada pelas faíscas elétricas na desolada
região.
14 Decorridos alguns minutos,
chegaram novos reforços para a guarda. Todos os servos do bem, em trânsito
na Casa Transitória, foram chamados a cooperar na vigilância. O assessor
que os distribuía, em variados setores do serviço, esclareceu que o
instituto socorrista deveria partir dentro de quatro horas, e que, nesse
tempo, em circunstâncias como aquelas, seria grande o número de infortunados
a procurar-lhe as portas, acentuando que não se dispunha de colaboradores
em quantidade suficiente para atender às tarefas do átrio.
15 Antes de maiores explicações,
ribombou novo trovão nas alturas. O fogo riscou em diversas direções,
muito longe ainda, como a notificar-nos de sua aproximação gradativa.
Dessa vez, todavia, recebi a nítida impressão de que a descarga elétrica
não se detivera na superfície. Penetrara a substância sob nossos pés,
porque espantoso rumor se fez sentir nas profundezas.
16 Muitas vezes ouvira viajantes
que afrontaram sinistros do mar, e todos eram unânimes em asseverar
a beleza cruel das grandes tormentas no dorso do abismo equóreo, bem
como afirmavam que viajor algum, por mais incrédulo, conseguia subtrair-se
às ponderações místicas da fé, perante o turbilhão escachoante do desconhecido.
Ali, no entanto, a emoção era mais solene, os fatores mais complexos,
tal o patético do fenômeno.
17 Buscando talvez tranquilizar-me,
o Assistente afiançou:
— O trabalho dos desintegradores etéricos, invisíveis para nós, tal a densidade ambiente, evita a eclosão das tempestades magnéticas que surgem, sempre, quando os resíduos inferiores de matéria mental se amontoam excessivamente no Plano.
18 Jerônimo, experiente e bondoso,
tentava sossegar-me o coração. Todavia, embora soubesse que não nos
encontrávamos, ainda, diante da tormenta de forças caóticas desencadeadas
sem rumo, confesso que sentia enorme dificuldade para desincumbir-me
das obrigações assumidas, em virtude da absoluta despreocupação do acontecimento exterior ao ambiente de serviço.
19 Desde aquele segundo estampido
atordoante do firmamento, a Casa Transitória de Fabiano entrou em fase
anormal de trabalho.
20 Servidores, embora
sob impecável articulação, iam e vinham, apressados. Lá dentro, cogitava-se
das derradeiras medidas, com valioso aproveitamento dos minutos. 21
Aparelhos de comunicação funcionavam em ritmo acelerado, anunciando
o fato, em direções várias, avisando peregrinos da Espiritualidade superior,
a fim de não se aproximarem da zona sob regime de limpeza. 22
Três quartas partes dos colaboradores efetivos de Zenóbia cuidavam das
providências alusivas ao voo próximo ou organizavam acomodações para
os necessitados que chegariam em bando.
4.
Com efeito, justificavam-se as medidas, porque ouvíamos agora ensurdecedora
algazarra de multidões que se aproximavam.
2 Sucederam-se outros ribombos
ameaçadores, despejando fogo na superfície e energias revolventes no
interior do solo que pisávamos.
3 Ondas maciças de sofredores
aterrados começaram a alcançar as defesas. Era dolorosa a contemplação
da turba amedrontada e expectante. Aproximamo-nos dela, quanto era possível.
— Socorro! Socorro! — Conclamavam infelizes em agrupamentos compactos.
4 Ameaçavam-nos outros:
— Fujam daqui! Atravessaremos a barreira de qualquer modo! O abrigo nos pertence! Vamos à força!
5 E não se limitavam às palavras.
Avançavam, em massa, sobre as faixas horizontais, para recuarem, espavoridos.
— Ajudai-nos, por amor de Deus! — Suplicavam os menos atrevidos, — recolhei-nos,
por caridade! Seremos perseguidos pelo fogo devorador!…
Entretanto, com maior ou menor intensidade, todos os sofredores exibiam
escuros círculos de treva em torno de si.
6 Um deles atingiu-nos o círculo de atividade e identifiquei-o. Não havia qualquer dúvida. Era o verdugo que me provocara tanta revolta íntima na véspera. Postou-se de joelhos,
não muito longe de nós, e implorou:
— Tende piedade de mim!… As fogueiras ameaçam-me! Penitencio-me! Penitencio-me! Fui pecador, mas espero contar com o vosso auxílio para reabilitar-me!
7 As rogativas sensibilizariam
qualquer cooperador menos avisado, mas, prevenidos quanto à senha luminosa,
notávamos que o pedinte se cercava de verdadeiro manto de trevas. Dele
se aproximou Luciana, quanto pôde. Fixou-o bem, fez significativo gesto
e exclamou, espantada, embora discreta:
8 — Oh! Como é horrível a
atividade mental deste pobre irmão! Veem-se-lhe no halo vital deploráveis
lembranças e propósitos destruidores. Está amedrontado, mas não convertido.
Pretende alcançar a nossa margem de trabalho para se apropriar dos benefícios
divinos, sem maior consideração. A aura dele é demasiadamente expressiva…
9 Ia dizer mais alguma coisa.
Bastou, entretanto, um olhar do Assistente que nos dirigia, para que se calasse, humilde, reintegrando-se no trabalho complexo que tínhamos
em mão.
10 Dilatavam-se fogueiras enormes
em direções diversas e raios fulgurantes eram metodicamente despejados
do céu.
Vasta dose de paciência era despendida por todos nós, para conter a multidão furiosa.
5.
Impressionavam-nos as formas monstruosas e miseráveis a se arrastarem
vestidas de sombra, quando começaram a chegar entidades aureoladas de
luz. Trajavam farrapos e traziam comovedores sinais de sofrimento. 2
Dando a perceber que desejavam isolar a mente das centenas de revoltados
que ali se congregavam em ativo movimento de insurreição, contemplavam
o alto e cantavam hinos de reverência ao Senhor, em regozijo da própria
renovação, cânticos esses abafados pela algaravia dos rebeldes agitados.
3 Reparava, pela expressão
de quantos iluminados se aproximavam de nós, que se esforçavam por manter
o pensamento alheio às objurgatórias dos maus, temendo talvez o interesse
mental pelo que emitiam, circunstância criadora de novos laços magnéticos
favoráveis à dominação dos verdugos. 4
Intentavam, por isso, alimentar o máximo desprendimento dos apodos que
lhes eram lançados pela turba malévola e impenitente. Formavam agrupamentos
de formosura singular. Sublimes quadros de paraíso, no inferno de atrozes
padecimentos! 5 Vinham,
de mãos entrelaçadas, como a permutar energias, a fim de que se lhes
aumentasse a força para a salvação, no minuto supremo da batalha que
mantinham, talvez, desde muito antes. 6
E esse processo de troca instintiva dos valores magnéticos infundia-lhes
prodigiosa renovação de poder, porquanto levitavam, sobrepondo-se ao
desvairado ajuntamento. Emolduravam-lhes a fronte belos círculos de
luz, com brilho mais ou menos uniforme. 7
Enquanto os tipos de semblante sinistro lhes dirigiam insultos, elas
cantavam hosanas ao Cristo, entoando louvores, que, de certo, lembravam
os júbilos dos primeiros cristãos, perseguidos e flagelados nos circos,
quando se retiravam sob os apupos de espectadores perversos.
8 Todavia, para se acolherem
ao asilo de Fabiano, necessitavam pousar, rente a nós, que lhes abríamos
passagem prazerosamente. Entretanto, para alcançarem o átrio da instituição,
eram compelidas à quebra da corrente de energias magnéticas recíprocas,
mantendo-se de mãos separadas, e os recém-chegados, em sua maioria,
desvencilhando-se, involuntariamente uns dos outros, tombavam enfraquecidos
após prolongado esforço, logo aos primeiros passos na região interna
da Casa Transitória. 9
Semelhavam, assim, às aves esgotadas em laboriosa excursão, depois
de atingirem o objetivo que as fizera afrontar distâncias e tormentas.
10 Na qualidade de aprendiz
incipiente, angustiava-me a observação. Tudo, no entanto, fora previsto
pelas autoridades administrativas do instituto.
Enfermeiros e macas, em grande número, estacionavam, não longe de nós, fomentando socorros imediatos.
11 Pequenos e admiráveis
cordões de entidades, transformadas interiormente pelos dolorosos banhos
de pranto santificador, chegavam agora de todos os lados. 12
E as hordas ferozes e irônicas, rodeadas de trevas, multiplicavam-se
também, em turbas compactas, ferindo-nos a audição com blasfêmias e
injúrias contundentes. 13
Entre os ingratos e rebelados, havia, contudo, criaturas que se mostravam,
aflitas e, genuflexas, tocavam-nos o coração fraterno com seus brados
de socorro e amargurosas queixas, as quais, porém, não podíamos aliviar
com qualquer benefício precipitado, em virtude da perigosa condição
mental em que se mantinham, condição que lhes impunha sofrimentos reparadores.
14 Quase quatro
horas difíceis se escoaram, exigindo-nos delicada atenção na tarefa.
E, agora, a paisagem era mais sufocante, mais terrível… 15
Serpentes de fogo desenovelavam-se dos céus e penetravam o solo, que
começou a tremer sob os nossos pés. O calor asfixiava. 16
Sentindo os elementos vacilantes que nos ladeavam, recordei velha descrição
do maremoto de Messina, ( † )
em que, sob o auge do pavor, diante da Natureza perturbada, não sabiam
as vítimas como se colocarem a caminho do salvamento, porquanto, em
torno, a terra, o mar e o céu se conjugavam num ciclópico e sincrônico
arrasamento.
17 A instituição,
através de todos os administradores e auxiliares, operava com indescritível
heroísmo. Com franqueza, de minha parte aguardava, ansioso, o sinal
de regresso ao interior, tal a impressão desagradável de que me sentia
possuído. 18 Fitas inflamadas
do firmamento caíam, caíam sempre, em meio de formidáveis explosões,
oriundas da desintegração de princípios etéricos…
6.
Quando tudo fazia supor que não havia, nas vizinhanças, entidades em
condições de serem socorridas, soou a clarinada equivalente ao toque
de recolher.
2 Enfim! Suspirei, aliviado.
Consoante instruções recebidas, abandonamos os aparelhos electromagnéticos da defensiva, em funcionamento indiscriminado, e afastamo-nos apressadamente.
3 Sorvedouros de chamas surgiam
próximos e tamanha gritaria se verificava, em derredor, que tínhamos
perante os olhos perfeita imagem de vasta floresta incendiada, a desalojar
feras e monstros de furnas desconhecidas.
4 Atravessamos o pórtico
do asilo seguidos de todos os companheiros que ainda se conservavam
no exterior. Escutávamos, agora, o ruído leve dos motores. 5
Lá fora, espessos bandos de entidades perversas tentavam ainda romper
os obstáculos, invadindo-nos o abrigo prestes a partir. 6
Aflitiva inquietude empolgava-me.
— Que seria de nós, se a multidão assaltasse o reduto? Por outro lado, a queda
contínua de faíscas chamejantes, a meu ver, punha em perigo a organização.
Porque não desferir voo imediatamente?
7 Era forçoso considerar, todavia, que
dentro do asilo reinava absoluta ordem, não obstante o ritmo apressado
do trabalho. Acomodações simples, mas confortadoras, recebiam sofredores
extenuados. E serena como sempre, como se estivesse habituada às perturbações
externas, a Irmã Zenóbia controlava a situação, ultimando providências.
8 Todas as portas de acesso
fácil ao interior foram hermeticamente cerradas.
Logo após, a orientadora chamou-nos à vasta sala consagrada à oração e esclareceu que a Casa Transitória, para movimentar-se com êxito, não necessitava apenas de forças elétricas, baseadas em simples fenômenos da matéria diferenciada e, sim, também, de nossas emissões magnético-mentais, que atuariam como reforço no impulso inicial de subida.
9 Zenóbia fora breve, dadas
as circunstâncias do momento. Mantínhamo-nos todos em ansiosa expectativa,
concentrados na câmara da prece, com exceção dos companheiros que se
achavam em serviço de assistência imediata aos recolhidos das últimas
horas e de quantos se conservavam de sentinela, junto à maquinaria em
funcionamento.
10 Funda emoção transparecia
em todos os rostos.
Lá fora, rugiam elementos em atrito.
A diretora, após convidar-nos a transfundir vibrações mentais, num só ato de reconhecimento ao Senhor, tomou entre as mãos lindo volume. Reconheci-o imediatamente. Era a Bíblia, nossa conhecida de tantos anos. Abrindo-a, atenciosa, a orientadora leu o Salmo cento e quatro, em voz alta, pausada e solene:
“Bendize, ó minhalma, o Senhor…
Senhor, Deus meu, engrandecido
De majestade e de esplendor!
Revestido de luz, como dum manto,
Desdobraste o céu, como sagrada cortina da vida…
Construíste as sublimes câmaras das águas,
Fazes das nuvens o seu carro
E derramas teu hálito criador nas asas do vento.
Enches o Universo de mensageiros
E, por vezes, tomas por teu ministro o fogo devorador.
Fundaste-nos a Casa Terrestre em bases seguras,
Garantindo-nos a vida em séculos de séculos…
Deste-lhe abismos e píncaros por vestidura,
Santificaste as águas para que se elevem sobre os montes,
Mas, à tua voz de comando, todos os elementos se transformam,
Porque, se envias a música da manhã, envias igualmente o trovão destruidor…
Elevam-se montanhas, descem vales
Ao lugar que lhes marcaste,
Sem que ultrapassem teus limites.
Fazes sair, Senhor, as fontes dos vales
Fertilizando os montes…
Dás de beber aos animais do campo
E sacias a sede às plantações silvestres,
Onde as aves do céu guardam seu ninho,
Louvando-Te, dia e noite…
Irrigas o topo das montanhas, jorrando águas do céu,
Para que a Terra seja farta de frutos.”
11 A leitura do Salmo ia em
meio, quando o instituto, à maneira de vigorosa embarcação aérea, principiou
a elevar-se.
12 A devotada orientadora não
lia apenas: pronunciava os vocábulos de louvor, compilados há tantos
séculos, sentindo-os, intensamente. Oh! Maravilha! Tamanha era a comoção
com que se dirigia, humilde e reverente, ao Senhor do Universo, que
o tórax de Zenóbia parecia misterioso foco resplandecente.
13 Contagiados pela sua fé
ardorosa, uníamo-nos na mesma vibração.
O oratório encheu-se de profusa claridade. Luz irradiante ganhava os compartimentos próximos e deveria espraiar-se, lá fora, no campo de sombras espessas.
14 Eminentemente comovido,
observei que a Casa Transitória, deslocada vagarosamente de início,
punha-se agora em movimento rápido.
Não pude examinar particularidades do fenômeno. A atitude recolhida de Zenóbia, em oração vigilante, compelia-nos a sustentar o mesmo tono vibratório ambiencial. Reparava, porém, que a instituição socorrista subia, subia sempre.
15 Decorrida quase uma hora
de voo vertical, alcançamos uma região clara e brilhante. O sorriso
do Sol trouxe-nos alívio.
Levantou-se a diretora e, seguindo-a, erguemo-nos, de novo, compreendendo que a fase perigosa passara.
16 Desde esse momento, a instituição
movimentou-se em sentido horizontal, viajando sobre os elementos do
Plano. Das pequenas janelas, contemplamos as coloridas auréolas do fogo
devorador.
17 Grupos diversos puseram-se
em palestra e observação.
A Irmã Zenóbia, cercada de assessores, comentava as próximas medidas referentes aos serviços de readaptação.
18 Aproximando-me do Assistente
Jerônimo e do padre Hipólito, que trocavam ideias entre si, passamos
a analisar a grandeza do trabalho sob nossos olhos.
— Oh! — Exclamei, — se os homens encarnados entendessem a beleza suprema da
vida! Se apreendessem, antecipadamente, algo dos horizontes sublimes
que se nos apresentam depois da morte do corpo, certamente valorizariam,
com mais interesse, o tempo, a existência, o aprendizado!
19 Jerônimo sorriu e ponderou:
— Sim, André. Todavia, importa observar que o Plano transitoriamente pisado pelos homens permanece também repleto de mistério e encantamento. Para os que amam a glória de Deus, a Crosta Planetária oferece sublimes revelações, desde os estudos do infinitesimal até a contemplação dos grandes sistemas de mundos que se equilibram na imensidade!
20 E meditando sobre
as horas inolvidáveis que passamos, desde a nossa descida ao abismo,
ouvi ambos os companheiros trocarem impressões acerca dos problemas
transcendentes da vida, como sejam o aprimoramento do Espírito e da
forma, 21 o planejamento
dos destinos de orbes e seres, 22
o governo místico da Terra em suas diferentes Esferas de atividade e
evolução, 23 os vários
tipos de criaturas na Humanidade, 24
as leis do progresso e da reencarnação, 25
a extensão das forças condensadas no átomo etérico, 26
a energia dos elementos químicos no campo físico das manifestações planetárias,
27 e o poder criador
dos grandes mentores da sabedoria.
Escutava-os, entre o silêncio e a humildade, como aprendiz extasiado
diante de mestres benévolos e experientes.
28 Em breve, porém,
após haurir lições que jamais esquecerei, reparamos que a Casa Transitória
descia suavemente. Regressávamos ao Círculo de substância densa, embora
menos pesada e menos escura. Dentro em pouco, pudemos localizar o abrigo
de Fabiano em outra zona de serviço fraterno.
29 Extensa legião
de servidores aguardava a nossa chegada, n
a fim de colaborar conosco no esforço de readaptação. Gastáramos na
viagem três horas e trinta e cinco minutos.
Complexas atividades esperavam os obreiros dedicados.
30 Preliminarmente, todavia,
a Irmã Zenóbia, radiante, congregou-nos na jubilosa prece de agradecimento,
após a qual Jerônimo nos convidou a sair. Cinco irmãos fiéis ao bem,
já em vésperas de libertação da carne, aguardavam-nos o auxílio na Crosta
da Terra e era necessário partir.
André Luiz
[1] [Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]
[2] Observação: Para que estes servidores pudessem aguardar no local exato a
chegada da Instituição volante, que viajara por mais de três horas consecutivas
pelo vastíssimo Umbral, é necessário o uso de algum tipo de Sistema de Posicionamento Global (GPS) para aquela região.
Hoje sabemos que, para que um sistema como esse funcione, é preciso
que haja a triangulação dos sinais enviados aos satélites de posicionamento
global orbitando o planeta. Pois bem! É impossível a existência de uma
Instituição como a Casa Transitória e dos mais variados equipamentos
utilizados na Espiritualidade sem que exista fábricas para fabricá-los,
com os respectivos fornecedores de todo tipo de suprimentos necessários
à produção. Esse é um exemplo de como podemos, por uma série de raciocínios
lógicos encadeados extrair, de passagens aparentemente insignificantes,
importantíssimas informações a respeito da vida no mundo espiritual. — (Nota do Compilador.)