1.
Na véspera da partida, o Assistente Jerônimo conduziu-nos ao Santuário
da Bênção, situado na zona dedicada aos serviços de auxílio, onde, segundo
nos esclareceu, receberíamos a palavra de mentores iluminados, habitantes
de regiões mais puras e mais felizes que a nossa.
2 O orientador não desejava
partir sem uma oração no Santuário, o que fazia habitualmente, antes
de entregar-se aos trabalhos de assistência, sob sua direta responsabilidade.
À tardinha, pois, em virtude do programa delineado, encontrávamo-nos
todos em vastíssimo salão, singularmente disposto, onde grandes aparelhos
elétricos se destacavam, ao fundo, atraindo-nos a atenção.
3 A reduzida assembleia era
seleta e distinta.
A administração da casa não recebia mais de vinte expedicionários de cada vez. Em razão do preceito, apenas três grupos de socorro, prestes a partirem a caminho das regiões inferiores, aproveitavam a oportunidade.
4 O conjunto de doze, presidido
por uma irmã de porte venerável, de nome Semprônia, que se consagraria
ao amparo dos asilos de crianças desprotegidas; o grupo chefiado por
Nicanor, um assistente muito culto e digno, que se dedicaria, por algum
tempo, à colaboração nas tarefas de assistência aos loucos de antigo
hospício, e nós outros, os companheiros encarregados de auxiliar alguns
amigos em processo de desencarnação, perfazíamos o total de vinte entidades.
5 Instrutor Cornélio, diretor
da instituição, atendido por um assessor, palestrava conosco, demonstrando
simplicidade e fidalguia, magnanimidade e entendimento.
— Logo de início, em nossa administração, — explicava-nos, — procuramos
estabelecer o aproveitamento máximo do tempo com o mínimo de oportunidade.
6 Para concretizar
a providência, desde muito não recebemos indiscriminadamente os grupos
socorristas. Reunimos os conjuntos de serviço, de acordo com as situações
a que se destinam. Em dia de recepção aos que vão prestar serviços na
Crosta, não atendemos a colaboradores incumbidos de operar exclusivamente
nas zonas de desencarnados, como sejam as estações purgatoriais e as
que se classificam como francamente tenebrosas. 7
Há que ordenar as palavras e selecioná-las, criando-se campo favorável
aos nossos propósitos de serviço. A conversação cria o ambiente e coopera
em definitivo para o êxito ou para a negação. 8
Além disso, como esta casa é consagrada ao auxílio sublime dos nossos
governantes que habitam Planos mais altos, não seria justo distrair
a atenção e, sim, consolidar bases espirituais, com todas as energias
ao nosso alcance, em que possam aqueles governantes lançar os recursos
que buscamos. 9 Compreendendo
a extensão das tarefas por fazer e o respeito que devemos àqueles que
nos ajudam, somos de parecer que precisamos sanar os velhos desequilíbrios
das intromissões verbais desnecessárias e, muitas vezes, perturbadoras
e dissolventes.
10 Enquanto lhe ouvíamos as
ponderações, encantados, imprimiu ligeiro intervalo às sentenças esclarecedoras
e continuou:
— Aliás, o profeta enunciou, há muitos séculos, que “a palavra dita
a seu tempo é maçã de ouro em cesto de prata”. ( † )Se estamos, portanto, verdadeiramente interessados na elevação,
constitui-nos inalienável dever o conhecimento exato do valor “tempo”,
estimando-lhe a preciosidade e definindo cada coisa e situação em lugar
próprio, para que o verbo, potência divina, seja em nossas ações o colaborador
do Pai.
11 Sorrimos, satisfeitos.
— Nada mais razoável e construtivo, — opinou Semprônia, a destacada orientadora
que dirigiria pela primeira vez a expedição de socorro aos órfãozinhos
encarnados.
2.
O dirigente do Santuário, reconhecendo, talvez, como nos sentíamos necessitados
de esclarecimento quanto ao uso da palavra, prosseguiu:
— É lamentável se dê tão escassa atenção, na Crosta da Terra, ao poder
do verbo, atualmente tão desmoralizado entre os homens. 2
Nas mais respeitáveis instituições do mundo carnal, segundo informes
fidedignos das autoridades que nos regem, a metade do tempo é despendida
inutilmente, através de conversações ociosas e inoportunas. Isso, referindo-nos
somente às “mais respeitáveis”. 3
Não se precatam nossos irmãos em Humanidade de que o verbo está criando
imagens vivas, que se desenvolvem no terreno mental a que são projetadas,
produzindo consequências boas ou más, segundo a sua origem. 4
Essas formas naturalmente vivem e proliferam e, considerando-se a inferioridade
dos desejos e aspirações das criaturas humanas, semelhantes criações
temporárias não se destinam senão a serviços destruidores, através de
atritos formidáveis, se bem que invisíveis.
5 Notava-se, claramente, o
interesse que suas definições despertavam nos ouvintes. Em seguida a
uma pausa mais longa, tornou, cuidadoso:
— Toda conversação prepara acontecimentos de conformidade com a sua
natureza. 6 Dentro
das leis vibratórias que nos circundam por todos os lados, é uma força
indireta de estranho e vigoroso poder, induzindo sempre aos objetivos
velados de quem lhe assume a direção intencional. 7
Encarregados de assumir a chefia desta casa, trouxemos instruções de
nossos Maiores para suprimir todos os comentários tendentes à criação
de elementos adversos aos júbilos da Bênção Divina. 8
É por isso que, graças ao amor providencial de Jesus, temos conseguido
a manutenção de um instituto em que os nossos mentores de Mais Alto
se fazem sentir. 9
A ausência de qualquer palavra menos digna e a presença contínua de
fatores verbais edificantes facilitam a elaboração de forças sutis,
nas quais os orientadores divinos encontram acessórios para se adaptarem,
de algum modo, às nossas necessidades na edificação comum.
3.
Fez um gesto do narrador que se recorda de minudência importante e informou:
— Encetando nosso trabalho modesto, fomos defrontados por reações apreciáveis.
2 Procurava-se, então,
o Santuário, sem qualquer preparação íntima. Nossos amigos prosseguiam
repetindo o cenário da Crosta, em que os devotos procuram os templos,
como os negociantes buscam mercados. Devíamos administrar dons espirituais,
como quem dirige um armazém de vantagens fáceis ao personalismo inferior.
3 Desde o primeiro
dia, porém, amparados na delegação de competência que nos foi concedida,
golpeamos, fundo, o velho hábito. Durante alguns dias, gastamos tempo,
ensinando a reverência devida ao Senhor, a necessidade da limpeza interna
do pensamento e a abolição do feio costume de tentar o suborno da Divindade
com falaciosas promessas. 4
E quando sentimos conscienciosamente que as lições estavam findas, iniciamos
a aplicação de medidas retificadoras. Registros vibratórios foram instalados,
assinalando a natureza das palavras em movimento. Desde aí foi muito
fácil identificar os infratores e barrar-lhes a entrada na Câmara de
Iluminação, onde realizamos nossas preces…
5 Observando, talvez, que
alguns de nós faziam certas considerações mentais, observou, sorridente:
— Cremos desnecessária qualquer alusão ao imperativo dos pensamentos limpos. Quem busca uma casa especializada em abençoar, não pode hospedar ideias de ódio ou maldição.
6 Compreendemos prontamente
a finalidade do ensino indireto e delicado e calamo-nos, prevenidos
quanto à necessidade de resguardar a mente contra as velhas sugestões
do mal.
4.
Desejando facilitar-nos as expansões de alegria e cordialidade, Cornélio
fixou um grande relógio que apresentava simbolicamente, no
mostrador, a caprichosa forma dum olho humano de grandes proporções,
em que dois raios luminosos indicavam as horas e os minutos, e falou,
em tom fraternal:
2 — Teremos hoje,
conforme notificação recebida há vários dias, a visita dum mensageiro
de alta expressão hierárquica. Contudo, antes desse acontecimento excepcional,
dispomos ainda de algum tempo. 3
Considerando o preito de amor que devemos aos que nos orientam do Plano
Superior, não convém emitir a nossa invocação de bênçãos, nem antes,
nem depois do horário estabelecido. Estejam, pois, à vontade, os cooperadores…
4 E, fixando o olhar nos três
encarregados de serviço, acrescentou, após as reticências:
— Enquanto me entendo particularmente com os chefes das missões, temos quase uma hora para a troca de ideias construtivas.
Cornélio passou a dirigir-se, de modo confidencial, aos nossos orientadores
e, fracionados em grupinhos diversos, entabulamos conversações amigas.
5 Atendendo-me os desejos,
padre Hipólito, qual o chamávamos na intimidade, apresentou-me o Assistente
Barcelos, da turma de servidores que se destinava à assistência aos
loucos. Fora ele dedicado professor no círculo carnal e interessava-se
carinhosamente pela Psiquiatria sob novo prisma.
6 Acolheu-me com fidalgo tratamento
e, após as primeiras saudações, perguntou, bondoso:
— É a primeira vez que integra uma expedição socorrista?
— De fato, — esclareci, — é a primeira. Tenho acompanhado diversas
missões de auxílio na Crosta, entretanto, na condição do estudante, com reduzidas
possibilidades de cooperação. Agora, porém, o Assistente Jerônimo aceitou-me
o concurso e sigo alegremente.
Endereçou-me cativante olhar, no qual transpareciam satisfação e surpresa,
e observou:
— O trabalho beneficia sempre.
7 Interessado em seus informes
e esclarecimentos, tornei, humilde:
— Seguindo expedições de socorro, como aprendiz, tive ensejo de visitar, por mais de uma vez, dois antigos e grandes sanatórios de alienados do nosso País e vi, de perto, a extensão dos serviços reservados aos servos de boa vontade, nessas casas de purificação e dor. As atividades de enfermagem, aí, são, a meu ver, das mais meritórias.
— Inegavelmente, — concordou ele, prezando-me a atenção, — a loucura
é um campo doloroso de redenção humana. Tenho motivos particulares para
consagrar-me a esse setor da medicina espiritual e asseguro-lhe que
dificilmente encontraríamos noutra parte tantos dramas angustiosos e
problemas tão complexos.
8 — E tem colhido muitos frutos
novos decorrentes do seu esforço? — Perguntei, curioso.
— Sim, venho arquivando confortadoras ilações nesse sentido, concluindo
que, com exceção de raríssimos casos, todas as anomalias de ordem mental
se derivam dos desequilíbrios da alma. 9
Estamos longe de contar com o número suficiente de servidores treinados
para socorrer eficazmente os encarcerados na cadeia das obsessões terríveis
e amargurosas. É tão grande a quantidade de doentes, nesse particular,
que não sobra outro recurso além da resignação. Continuamos, desse modo,
a atender superficialmente, esperando, acima de tudo, da Providência
Divina. 10 Nos casos
de perseguição sistemática das entidades vingativas e cruéis do Plano
inacessível às percepções do homem vulgar, temos, invariavelmente, uma
tragédia iniciada no presente com a imprevidência dos interessados ou
que vem do pretérito próximo ou remoto, através de pesados compromissos.
Se os psiquiatras modernos penetrassem o segredo de semelhantes fatos,
iniciariam a aplicação de nova terapêutica à base dos sentimentos cristãos,
antes de qualquer recurso à hormonioterapia e à eletricidade.
11 Recordei os serviços de
assistência a obsidiados, que acompanhara atentamente, e aduzi:
— Examinei, de viso, alguns casos torturantes
de obsessão e possessão que me impressionaram,
sobremaneira, pela quase completa ligação mental,
entre os verdugos e as vítimas.
12 Barcelos esboçou significativo
gesto e acentuou:
— É a terrível história viva dos crimes cometidos, em movimentação permanente.
Os cúmplices e personagens desses dramas silenciosos e muita vez ignorados
por outros homens, antecedendo os comparsas no caminho da morte, tornam,
amedrontados, ao convívio dos seus, em face das sinistras consequências
com que se defrontam além do túmulo… 13
Agarram-se instintivamente à organização magnética dos companheiros
encarnados ainda na Crosta, viciando-lhes os centros de força, relaxando-lhes
os nervos e abreviando o processo de extinção do tônus vital, porque
têm sede das mesmas companhias junto às quais se lançaram em pleno abismo.
Exibem sempre quadros tristes e escuros, onde se destaca a piedade de
muitas almas redimidas que tornam do Alto em compassivos gestos de intercessão
e socorro urgente.
14 Imprimiu às considerações
ligeira pausa e prosseguiu:
— Entretanto, observo, na atualidade, especialmente outro campo alusivo
ao assunto. Antes de minha volta ao Plano espiritual, faminto de novas
informações referentes ao psiquismo da personalidade humana, examinei,
atento, a doutrina de Freud. 15
Impressionado com as variações psicológicas dos caracteres juvenis,
sob minha observação direta, e apaixonado pela solução dos profundos
enigmas que envolvem a criatura terrestre, encontrei na psicanálise
um mundo novo. Todavia, por mais que eu estudasse a prodigiosa coleção
dos efeitos, jamais alcancei a tranquilidade completa na investigação
das causas, no círculo dos fenômenos em exame. Discípulo espontâneo
e distante do eminente professor de Freiberg, somente aqui pude reconhecer
os elos que lhe faltam ao sistema de positivação das origens de psicoses
e desequilíbrios diversos. 16
Os “complexos de inferioridade”, o “recalque”, a “libido”, as “emersões
do subconsciente” não constituem fatores adquiridos no curto espaço
de uma existência terrestre e, sim, característicos da personalidade
egressa das experiências passadas. 17
A subconsciência é, de fato, o porão dilatado de nossas lembranças,
o repositório das emoções e desejos, impulsos e tendências que não se
projetaram na tela das realizações imediatas; no entanto, estende-se
muito além da zona limitada de tempo em que se move um aparelho físico.
Representa a estratificação de todas as lutas com as aquisições mentais
e emotivas que lhes foram consequentes, depois da utilização de vários
corpos. 18 Faltam,
pois, às teorias de Segismundo Freud e seus continuadores a noção dos
princípios reencarnacionistas e o conhecimento da verdadeira localização
dos distúrbios nervosos, cujo início muito raramente se verifica no
campo biológico vulgar e quase que invariavelmente no corpo perispiritual
preexistente, portador de sérias perturbações congênitas, em virtude
das deficiências de natureza moral, cultivadas com desvairado apego,
pelo reencarnante, nas existências transcorridas. 19
As psicoses do sexo, as tendências inatas à delinquência, tão bem estudadas
por Lombroso, os desejos extravagantes, a excentricidade, muita vez
lamentável e perigosa, representam modalidades do patrimônio espiritual
dos enfermos, patrimônio que ressurge, de muito longe, em virtude da
ignorância ou do relaxamento voluntário da personalidade em círculos
desarmônicos.
20 Estabelecera-se, entre nós,
uma pausa feliz, que aproveitei, atentamente, arregimentando raciocínios
quanto ao assunto, considerando os argumentos construtivos que o Assistente
enunciara, em benefício de minha própria iluminação.
21 Recordei meus
escassos conhecimentos da doutrina freudiana e voltei mentalmente ao
consultório, onde, muitas vezes, fora procurado por amigos atacados
de estranhas e desconhecidas enfermidades mentais, a se socorrerem de
minhas pobres noções de Medicina, não obstante minha carência de especialização
em tal sentido. 22
Eram maníacos, histéricos e esquizofrênicos de variados matizes, em
cujos cérebros ainda existia luz bastante para a peregrinação através
dos livros científicos. Haviam devorado ensinamentos de Freud; entretanto,
se as teorias eram valiosas pelos elementos de análise, não ofereciam
socorro algum substancial e efetivo ao doente. Descobriam a ferida sem
trazer um bálsamo curativo. Indicavam o quisto doloroso, mas subtraíam
o bisturi da intervenção benéfica. 23
As explicações de Barcelos, por isso mesmo, se aproveitadas por médicos
cristãos na Crosta Planetária, poderiam completar o trabalho de benemerência
que a tese freudiana trouxera aos círculos acadêmicos. Antes, porém,
que formulasse novas considerações íntimas, tornou ele:
5.
— Tenho minhas atribuições junto aos desequilibrados mentais; todavia,
meu esforço maior ultimamente, desdobra-se na região inspiracional dos
médicos humanitários, para que os candidatos involuntários à perturbação
sejam auxiliados a tempo. 2
Depois de verificada a loucura propriamente dita, na maioria dos casos
terminou o processo da desarmonia psíquica. Muito difícil, conduzir
a restauração perfeita aos alienados com ficha reconhecida, embora seja
incessante a nossa batalha pelo restabelecimento integral da percentagem
possível de enfermos. 3
Antes do desequilíbrio completo, houve enorme período em que o socorro
do psiquiatra poderia ter sido providencial e eficiente. Não será, portanto,
um grande trabalho orientarmos indiretamente o médico bem intencionado,
para que ele auxilie o provável alienado, a tempo, empregando a palavra
confortadora e o carinho restaurador? Incalculável número de pessoas
permanece no Plano carnal, tentando a solução dos profundos problemas
relativos ao próprio ser. 4
Relacionando as conclusões dos tratadistas humanos, cujos pontos de
vista divergem nos pormenores, temos, na esfera de aperfeiçoamento terrestre,
cinco classes de psicoses: as de natureza paranoica, perversa, mitomaníaca,
ciclotímica e hiperemotiva, englobando, respectivamente, a mania das
perseguições e o delírio de grandezas, os desequilíbrios e fraquezas
de ordem moral, a histeria e a mitomania, os ataques melancólicos e
as fobias e crises de angústia.
5 O interlocutor sorriu, fez
uma pausa e continuou:
— Esta, a definição científica dos nossos amigos que, como nós outros
antigamente, só possuem o recurso de diagnosticar e analisar nas minudências
anatômicas. Arabescos de ouro sobre a areia do Saara não tornariam o
deserto menos árido. Assim, a terminologia brilhante sobre o quadro
escuro do sofrimento. 6
Precisamos divulgar no mundo o conceito moralizador da personalidade
congênita, em processo de melhoria gradativa, espalhando enunciados
novos que atravessem a zona de raciocínios falíveis do homem e lhe penetrem
o coração, restaurando-lhe a esperança no eterno futuro e revigorando-lhe
o ser em suas bases essenciais. 7
As noções reencarnacionistas renovarão a paisagem da vida na Crosta
da Terra, conferindo à criatura não somente as armas com que deve guerrear
os estados inferiores de si própria, mas também fornecendo-lhe o remédio
eficiente e salutar. 8
Faz muitos séculos, afirmou Plotino ( † ) que toda a antiguidade aceitava
como certa a doutrina de que, se a alma comete faltas, é compelida a
expiá-las, padecendo em regiões tenebrosas, regressando, em seguida,
a outros corpos, a fim de reiniciar suas provas. Falta, desse modo,
lamentavelmente, aos nossos companheiros de Humanidade o conhecimento
da transitoriedade do corpo físico e da eternidade da vida, do débito
contraído e do resgate necessário, em experiências e recapitulações
diversas.
9 Barcelos calara-se, por
instantes, enquanto eu lhe ponderava a extensão da competência. Com
justificada razão possuía ele o título de Assistente, porque não era
um simples irmão auxiliador, mas profundo especialista no assunto a
que se dedicara, fervoroso. A conversação dele valia por um curso rápido
de Psiquiatria sob novo aspecto, que me cabia aproveitar, em benefício
próprio, para as tarefas marginais do serviço comum.
10 Desejando traduzir minha
admiração e contentamento, observei, reconhecido:
— Ouvindo-lhe as considerações, reconheço que o missionário do bem é sempre um semeador de luz, onde se encontre.
11 Ele, porém, pareceu não
ouvir minha referência elogiosa e prosseguiu noutro tom, após longa
pausa:
— O meu amigo examinou alguns casos de obsessão entre agentes invisíveis
e pacientes encarnados, impressionando-se com a imantação mental entre
eles. Pisamos no momento outro solo. Referimo-nos às necessidades de
esclarecimento dos homens, perante os seus próprios companheiros de
plano evolutivo. 12
No círculo das recordações imprecisas, a se traduzirem por simpatia
e antipatia, vemos a paisagem das obsessões transferida ao campo carnal,
onde, em obediência às lembranças vagas e inatas, os homens e mulheres,
jungidos uns aos outros pelos laços de consanguinidade ou dos compromissos
morais, se transformam em perseguidores e verdugos inconscientes entre
si. 13 Os antagonismos
domésticos, os temperamentos aparentemente irreconciliáveis entre pais
e filhos, esposos e esposas, parentes e irmãos, resultam dos choques
sucessivos da subconsciência, conduzida a recapitulações retificadoras
do pretérito distante. 14
Congregados, de novo, na luta expiatória ou reparadora, as personagens
dos dramas, que se foram, passam a sentir e ver, na tela mental, dentro
de si mesmas, situações complicadas e escabrosas de outra época, malgrado
os contornos obscuros da reminiscência, carregando consigo fardos pesados
de incompreensão, atualmente definidos por “complexos de inferioridade”.
15 Identificando
em si questões e situações íntimas, inapreensíveis aos demais, o Espírito
reencarnado que adquire recordações, não obstante menos precisas, do
próprio passado, candidata-se, inelutavelmente, à loucura. E nessa categoria,
meu amigo, temos na Crosta Planetária uma percentagem cada vez maior
de possíveis alienados, requerendo o concurso de psiquiatras e neurologistas,
que, a seu turno, se conservam em posição oposta à verdade, presos à
conceituação acadêmica e às rígidas convenções dos preceitos oficiais.
16 Esses, em particular,
são os pacientes que interessam, de mais perto, meus estudos pessoais.
São as vítimas anônimas da ignorância do mundo, os infortunados absolutamente
desentendidos que, de loucos incipientes, prosseguem, pouco a pouco,
a caminho do hospício ou do leito de enfermidades ignoradas, tão só
porque lhes faltam a água viva da compreensão e a luz mental que lhes
revelem a estrada da paciência e da tolerância, em favor da redenção
própria.
17 — E são muitos, semelhantes
casos angustiosos? — Indaguei, por falta de argumentação à altura das
considerações ouvidas.
O Assistente sorriu e esclareceu:
— Oh! Meu caro, a extensão do sofrimento humano, nesse sentido, confunde-se também com o infinito.
Barcelos ia prosseguir, mas retiniu, sonora, uma campainha singular, convocando-nos aos preparativos da oração.
Era preciso atender.
André Luiz