1.
Não se passaram muitos minutos e estávamos ao lado do agonizante, cuja
situação preocupava o clínico espiritual.
Era um cavalheiro de sessenta anos presumíveis, que a leucemia aniquilava morosamente.
2 — Há muitos dias se encontra
em coma, — explicou o facultativo, — mas temos necessidade de mais forte
auxílio magnético, para facilitar o desprendimento.
No aposento, além de duas senhoras desencarnadas, — a mãe do agonizante e uma
parenta próxima, — viam-se familiares encarnados, dando mostras de grande
aflição.
3 Nosso orientador examinou
o enfermo detidamente e sentenciou:
— Nada resta senão a necessidade de concurso para o desligamento final.
Aniceto, a seguir, recomendou observássemos o moribundo com atenção.
4 Concentrando todas
as minhas possibilidades, fixei o enfermo prestes a desencarnar. Notei,
com detalhes, que a alma se retirava lentamente através de pontos orgânicos
insulados. 5 Assombrado,
verifiquei que, bem no centro do crânio, havia um foco de luz mortiça,
variando ligeiramente de forma, como a chama dum candelabro aceso às ondulações brandas do vento. Enchia toda a região
encefálica, despertando-me profunda admiração.
6 — A luz que você
observa, — disse o instrutor amigo, — é a mente, para cuja definição
essencial não temos, por agora, conceituação humana.
7 Notando minha estranheza,
Aniceto colocou-me a destra na fronte, transmitindo-me vigoroso influxo
magnético, e acentuou:
— Repare a máquina divina do homem, o tabernáculo sagrado que o Senhor permitiu
se formasse na Terra para sublime habitação temporária do Espírito.
8 Agora, André, não
está você diante duma demonstração anatômica da ciência terrestre, examinando
carne morta e músculos enrijecidos. Observe agora! O olho mortal não
poderá contemplar o que se encontra à sua vista neste instante. O microscópio
é ainda pobre, não obstante representar uma nobre conquista para a limitada
visão humana.
9 A cooperação magnética do
generoso mentor modificara a cena e fui compelido a concentrar todas
as minhas energias, a fim de não inutilizar a observação pelo golpe
do espanto.
10 A luz mental,
embora fosca, tornara-se mais nítida e o corpo do moribundo agigantou-se,
oferecendo-me espetáculo surpreendente aos olhos ansiosos. Parecia-me
o corpo, agora, maravilhosa usina nos mais íntimos detalhes. 11
O quadro científico era simplesmente estupefaciente. Identificava, em
grandes proporções, os nove sistemas de órgãos da máquina humana; o
arcabouço ósseo, a musculatura, a circulação sanguínea, o aparelho de
purificação do sangue consubstanciado nos pulmões e nos rins, o sistema
linfático, o maquinismo digestivo, o sistema nervoso, as glândulas hormonais
e os órgãos dos sentidos. 12
Tal revelação histológica era diferente de tudo que eu poderia sonhar
nos meus trabalhos de medicina. A circulação do sangue semelhava-se
a movimento de canais vitalizadores daquele pequeno mundo de ossos,
carne, água e resíduos. 13
Milhões de organismos microscópicos iam e vinham na corrente empobrecida
de glóbulos vermelhos. Presenciava a passagem de formas bizarras,
à maneira de minúsculas embarcações carregadas de bactérias mortíferas.
14 Elementos maiores
da flora microbiana transformavam-se em pequeninos barcos hospedando
feras minúsculas, às centenas. Invadiam todos os núcleos organizados.
Os órgãos, como os pulmões, o fígado e os rins, estavam sendo assaltados,
irremediavelmente, por incalculável quantidade de sabotadores infinitesimais.
15 E à medida que se
consolidavam os micróbios invasores, em determinadas regiões celulares,
alguma coisa se destacava, lentamente, da zona atacada, como se um molde
sempre novo fosse expulso da forma gasta e envelhecida, reconhecendo
eu, desse modo, que a desencarnação se operava através de processo parcial,
facultando-me ilações preciosas. 16
Reparei que algumas glândulas faziam desesperado esforço para enviar
aos centros invadidos determinadas porções de hormônios, que eram incontinenti
absorvidos pelos elementos letais. O plasma sanguíneo figurava-se líquido
estranho e gangrenoso.
17 Pela excessiva movimentação
da onda mental, observei que o moribundo tentava readquirir a direção
dos fenômenos orgânicos, mas em vão. Todos os complexos celulares atritavam
entre si e as bactérias pareciam gozar o direito de multiplicação crescente
e festiva.
18 — Está vendo
a máquina divina, formada pelo molde espiritual preexistente? — Perguntou
Aniceto, compreendendo-me a profunda admiração. — O corpo do homem encarnado
é um tabernáculo e uma bênção. 19
Nesta hecatombe angustiosa de uma existência, pode você reparar que
todos os movimentos do corpo estão subordinados à administração da mente.
20 O organismo vivo,
André, constitui uma conquista laboriosa da Humanidade terrestre, no
quadro de concessões do Eterno Pai. Pode você, agora, identificar os
movimentos da matéria viva. 21
Cada órgão é um departamento autônomo na esfera celular, subordinado
ao pensamento do homem. Cada glândula é um centro de serviços ativos.
22 Há muita afinidade
entre o corpo físico e a máquina moderna. São ambos impulsionados pela
carga de combustível, com a diferença de que no homem a combustão química
obedece ao senso espiritual que dirige a vida organizada. 23
É na mente que temos o governo dessa usina maravilhosa. Não possuímos,
aí, tão somente o caráter, a razão, a memória, a direção, o equilíbrio,
o entendimento; mas, também, o controle de todos os fenômenos da expressão
corpórea. 24 Na sede
mental e, consequentemente, no cérebro, temos todos os registos de
distribuição dos princípios vitais aos núcleos celulares, inclusive
a água e o açúcar. Os centros metabólicos são grandes oficinas de trabalho
incessante. 25 A
mente humana, ainda que indefinível pela conceituação científica limitada,
na Terra, é o centro de toda manifestação vital no planeta. 26
Cada órgão, cada glândula, meu amigo, integra o quadro de serviço da
máquina sublime, construída no molde sutil do corpo espiritual preexistente
e, por isso mesmo, chegará o tempo em que a ciência reconhecerá qualquer
abuso do homem como ofensa causada a si mesmo. 27
A usina humana é repositório de forças elétricas de alto teor construtivo
ou destrutivo. Cada célula é minúsculo motor, trabalhando ao impulso
mental.
28 Aniceto calou-se por momentos,
e, enquanto eu via, aterrado, os mais estranhos fenômenos microbianos
no corpo do moribundo, volveu ele à palavra educativa:
— Vemos aqui um irmão no momento da retirada. Repare a incapacidade
dele para governar as células em conflito. 29
A corrente sanguínea transformou-se em veículo de invasores mortíferos,
que não encontraram qualquer fortificação na defensiva. 30
Observe e identificará milhões de unidades da tuberculose, da lepra,
da difteria, do câncer, que até agora estavam contidos nos porões da
atividade fisiológica, pela defesa organizada, e que se multiplicam
assustadoramente, de par com outros micróbios tão prolíferos quão terríveis.
31 A nutrição foi
interrompida. Não há possibilidade de novos suprimentos hormonais. O
agonizante retira-se aos poucos e ainda não abandonou totalmente a carne,
por falta de educação mental. 32
Vê-se pelo excesso de intemperança das células, sobre as quais não exerce
nem mesmo um controle parcial, que este homem viveu bem distante da
disciplina de si mesmo. Seus elementos fisiológicos são demasiadamente
impulsivos, atendendo muito mais ao instinto que ao movimento da razão
concentrada. 33 A falar
verdade, este nosso amigo não se está desencarnando, está sendo expulso
da divina máquina, onde, pelo que vemos, não parece ter prezado bastante
os sublimes dons de Deus.
André Luiz