1.
Ao alvorecer, observei que Aniceto recebia numerosos amigos, com os
quais se entendeu em particular. 2
Informou-nos o estimado orientador, por espírito de delicadeza, que
trazia consigo incumbências várias, de acordo com as instruções de Telésforo,
das quais era forçado a tratar em caráter privado, não nos ocultando,
todavia, o objetivo essencial, que era, ao que disse, o combate ativo
a uma grande cooperativa de desencarnados ignorantes, congregados para
o mal.
3 Enquanto ele se mantinha
em conversação íntima, ouvíamos, por nossa vez, outros amigos da faina
espiritual.
O dia raiava, agora, com soberano esplendor. Tínhamos a impressão de que a chuva da noite varrera as sombras do firmamento.
4 Pelo número de trabalhadores
espirituais que pernoitaram na casinha humilde, reconheci a importância
daquele núcleo de serviço, tão apagado aos olhos do mundo.
5 Uma senhora, que se aproximara
de nós, exclamava, comovida:
— Que o Senhor recompense a nossa irmã Isabel, concedendo-lhe forças para resistir às tentações do caminho. Por haver descansado neste pouso de amor, pude encontrar minha pobre filha, desviando-a do suicídio cruel. Graças à Providência Divina!
6 Incapaz de sofrear o desejo
de aprender, perguntei, curioso:
— Mas como a encontrou, minha irmã?
— Em sonho, — respondeu a velhinha bondosa. — Minha Dalva ficou viúva
há três anos, e, faz onze meses, deixei-a só, por haver também desencarnado.
7 A pobrezinha não
tem resistido ao sofrimento quanto devera e deixou-se empolgar por entidades
maléficas, que lhe tramam a ruína. Embalde me aproximo dela, durante
o dia, mas, com a mente engolfada em negócios e complicações materiais,
não me pôde sentir a influenciação. 8
Precisava encontrar-me com ela à noite, e isso não era fácil, porque
não tenho bastante elevação espiritual para operar sozinha e o grupo
em que sirvo não poderia demorar na Crosta uma noite inteira por minha
causa. 9 Foi então
que uma amiga me trouxe, bondosamente, a este posto de serviço de “Nosso Lar”. Aqui
descansei e pude agir com os grupos de tarefa permanente, ajudada por
infatigáveis operários do bem.
10 — E conseguiu seus fins
com facilidade? indagou Vicente, interessado.
— Graças a Jesus! — Respondeu a senhora, evidenciando enorme satisfação, —
agora sei que minha filha recebeu meus alvitres carinhosos de mãe e
estou certa de que me atenderá as rogativas.
11 — Escute, minha
amiga, — interroguei, — há muitos postos de “Nosso Lar”, como este?
— Ao que me informaram, há regular número deles, não somente aqui, mas também
noutras cidades do país, além de numerosas oficinas que representam
outras colônias espirituais, entre as criaturas corporificadas na Terra.
12 Nesses núcleos, há
sempre possibilidades avançadas, imprescindíveis ao nosso abastecimento
para a luta.
2.
Nesse instante, dois camaradas que nos haviam dirigido a palavra durante
a noite, despertando-nos sincera simpatia, apresentaram-nos saudações.
2 — Mas, como? — Perguntei,
— retiram-se tão cedo?
— Vamos ao trabalho, — respondeu-me um deles; — hoje, à noite, realizar-se-á
o estudo evangélico e devemos auxiliar os irmãos ignorantes e sofredores
que estejam em condições de vir até aqui.
3 — Há também semelhante tarefa?
— Indaguei, espantado.
— Como não, meu caro? O próprio Jesus já dizia, há muitos séculos, que a seara
é grande. ( † )
Há trabalho para todos. E cumpre-nos reconhecer que esta oficina de
assistência cristã funciona, há quase vinte anos, de maneira incessante.
4 — Vocês, no entanto,
— interroguei, — permanecem aqui desde os primórdios da fundação?
O interlocutor esclareceu prontamente:
— Não. Muitos, como nós, fazem aqui estágios de serviço. Somente alguns cooperadores
de Isidoro e Isabel aqui estacionam desde o início da instituição. 5
Nós outros, contudo, não nos demoramos em trabalho por mais de dois
anos consecutivos. Um posto, como este, é sempre uma escola ativa e
santa, e os que se encontrem no clima da boa vontade não devem perder
ensejo de aprender.
6 — Desculpem-me tantas
interrogativas, — tornei, — mas estimaria saber se vocês são os únicos
com as atribuições de recrutar os que ignoram e sofrem, para a instrução
e o consolo.
— Não. Hildegardo e eu somos auxiliares apenas de alguns quarteirões no centro urbano. Nesse ramo de socorro, os colaboradores são numerosos.
3.
A essa altura, um dos irmãos, que me parecia integrar o corpo de orientação
da casa, aproximou-se e falou ao nosso interlocutor, de maneira especial:
2 — Vieira, recomendo
a você e ao Hildegardo a melhor observância do nosso critério doutrinário.
Será inútil trazerem até aqui entidades vagabundas ou de má fé, obedecendo
aos alvitres da simpatia pessoal. 3
Não podemos perder tempo com Espíritos escarninhos e ociosos, nem com
aqueles que se aproximam de nossa tenda alimentando certas intenções
de natureza inferior. Não faltarão providências de Jesus para essa gente,
em outra parte. Lembrem-se disso.
4 Não é falta de caridade,
é compreensão do dever. Temos um programa de trabalho muito sério, no
capítulo da evangelização e do socorro, não podemos abusar da concessão
de nossos maiores na Espiritualidade Superior. 5
Quem aceita um compromisso não vive sem contas. Por muito que vocês
amem a alguma entidade ociosa ou irônica, não endossem os abusos dela.
Ajudem-na de maneira individual, quando disponham de tempo e possibilidades
para isso. 6 Não arrastem
o grupo a dificuldades. Não se esqueçam de que existem determinados
núcleos de tarefa para os surdos e cegos voluntários.
7 Vieira e o colega fizeram-se
palidíssimos, não respondendo palavra.
Quando o orientador se afastou, sereno e ativo, Vieira explicou, desapontado:
— Recebemos uma admoestação justa.
8 E porque visse nosso desejo
de aprender, prosseguiu, atencioso:
— Infelizmente, Hildegardo e eu temos alguns parentes desencarnados
em dolorosas condições espirituais. Na reunião passada, trouxemos meu
tio Hilário e o primo Carlos, embora soubéssemos que ambos não se encontram
preparados para reflexões sérias, pelo desrespeito às leis divinas em
que se movimentam, nos ambientes inferiores. 9
Manifestaram-se ambos, porém, tão desejosos de renovação, que ouvimos,
acima de tudo, a simpatia pessoal, esquecendo a necessidade de preparação
conveniente. 10 Vieram
conosco, sentaram-se entre os ouvintes numerosos. Mas, em meio dos estudos
evangélicos, tentaram assaltar as faculdades mediúnicas da irmã Isabel,
para transmissão de uma mensagem de teor menos edificante. Sentindo-lhe
a vigilância e surpreendidos pelos cooperadores desta santificada oficina,
revoltaram-se, estabelecendo grande distúrbio. 11
Não fossem as barreiras magnéticas do serviço de guarda, teriam causado
males muito sérios. Assim, a reunião foi menos frutuosa, pela grande
perda de tempo. Ora, naturalmente, fomos responsabilizados…
— Meu Deus! — Exclamou Vicente, admirado, — quanta lição nova!
12 — Ah! Sim, meu
amigo, — tornou Vieira, resignado, — aqui não devemos abusar tanto do
amor, como no Círculo carnal! Ninguém está impedido de ajudar, querer
bem, interceder; todos podemos auxiliar os que amamos, com os recursos
que nos sejam próprios, mas a palavra “dever” tem aqui uma significação
positiva para quem deseje caminhar sinceramente para Deus.
André Luiz