1.
Terminado o culto familiar, um dos companheiros também rendeu graças.
— Esperemos que esses celeiros de sentimentos se multipliquem, — disse Aniceto,
sensibilizado. — O mundo pode fabricar novas indústrias, novos arranha-céus,
erguer estátuas e cidades, mas, sem a bênção do lar, nunca haverá felicidade
verdadeira.
2 — Bem-aventurados
os que cultivam a paz doméstica! — Exclamou uma senhora simpática, que
estivera presente ao nosso lado, durante a reunião.
3 Dois cooperadores de “Nosso
Lar” serviram-nos alimentação leve e simples, que não me cabe especificar
aqui, por falta de termos analógicos.
4 — Em oficinas como esta,
— explicou o instrutor amigo, — é possível preservar a pureza de nossas
substâncias alimentícias. Os elementos mais baixos não encontram, neste
santuário, o campo imprescindível à proliferação. Temos bastante luz
para neutralizar qualquer manifestação da treva.
5 E, enquanto a família humana
de Isidoro fazia frugal refeição de chá com torradas, numa saleta próxima,
fazíamos nós ligeiro repasto, entremeado de palestra elevada e proveitosa.
6 O ambiente continuou animado,
em teor de franca alegria.
Depois de vinte e três horas, a viúva recolheu-se com os filhos, em modesto aposento.
2.
Intraduzível a nossa sensação de paz. Aniceto, Vicente e eu, em companhia
doutros amigos, fomos ao pequeno jardinzinho que rodeava a habitação.
As flores veludosas recendiam. A claridade espiritual ambiente, como que espancava as sombras da noite.
2 Respirando as brisas
cariciosas que sopravam da Guanabara, reparei, pela primeira vez,
delicado fenômeno, que não havia observado até então. Uma pequena carinhosa,
enquanto a mãezinha palestrava com um amigo, despreocupadamente, colheu
um cravo perfumoso, num grito de alegria. 3
Vi a menina talar a flor, retirá-la da haste, ao mesmo tempo que a
parte material do cravo emurchecia, quase de súbito. A senhora repreendeu,
com calor:
— Que é isso, Regina? Não temos o direito de perturbar a ordem das coisas. Não repitas, minha filha! Desgostaste a mamãe!
3.
Aniceto, sorrindo bondoso, explicou discretamente:
— Esta é a nossa Irmã Emília, servidora em “Nosso Lar”, que vem ao encontro do esposo ainda encarnado.
2 — E ele virá até aqui? —
Interrogou Vicente, curioso.
— Virá pelas portas do sono físico, — acrescentou nosso orientador, sorridente.
— Estas ocorrências, no Círculo da Crosta, dão-se aos milhares, todas
as noites. 3 Com a
maioria de irmãos encarnados, o sono apenas reflete as perturbações
fisiológicas ou sentimentais a que se entregam; entretanto, existe grande
número de pessoas que, com mais ou menos precisão, estão aptas a desenvolver
este intercâmbio espiritual.
4 Estava surpreendido. Aquele
trabalho interessante, a que nos trazia Aniceto, com tão vasto campo
de serviços gerais, fazia-me intensamente feliz. Em cada canto pressentia
atividades novas.
4.
Embora as luzes que nos rodeavam, notei que os céus prometiam aguaceiros
próximos. As brisas leves transformavam-se, repentinamente, em ventania
forte. Não obstante, as sensações de sossego eram agradabilíssimas.
2 — O vento, na Crosta,
é sempre uma bênção celeste, — exclamou Aniceto, sentencioso. — Podemos
avaliar-lhe o caráter divino, em virtude da nossa condição atual. 3
A pressão atmosférica sobre os Espíritos encarnados é, aproximadamente,
de quinze mil quilos.
— Todavia, é interessante notar, — aduziu Vicente, — que não sentimos
tamanho peso sobre os ombros.
4 — É a diferença
dos veículos de manifestação, — esclareceu Aniceto, atencioso. — Nossos
corpos e os de nossos companheiros encarnados apresentam diversidade
essencial. 5 Imaginemos
o Círculo da Crosta como um oceano de oxigênio. As criaturas terrestres
são elementos pesados que se movimentam no fundo, enquanto nós somos
as gotas de óleo, que podem voltar à tona, sem maiores dificuldades,
pela qualidade do material de que se constituem.
6 A essa altura do esclarecimento,
notei que formas sombrias, algumas monstruosas, se arrastavam na rua,
à procura de abrigo conveniente. Reparei, com espanto, que muitas tomavam
a nossa direção, para, depois de alguns passos, recuarem amedrontadas.
Provocavam assombro. Muitas, pareciam verdadeiros animais perambulando
na via pública. Confesso que insopitável receio me invadira o coração.
7 Generoso, como sempre, Aniceto
nos tranquilizou:
— Não temam, — disse. Sempre que ameaça tempestade, os seres vagabundos
da sombra se movimentam procurando asilo. 8
São os ignorantes que vagueiam nas ruas, escravizados às sensações mais
fortes dos sentidos físicos. Encontram-se ainda colados às expressões
mais baixas da experiência terrestre e os aguaceiros os incomodam tanto
quanto ao homem comum, distante do lar. 9
Buscam, de preferência, as casas de diversão noturna, onde a ociosidade
encontra válvula às dissipações. Quando isto não se lhes torna acessível,
penetram as residências abertas, considerando que, para eles, a matéria
do Plano ainda apresenta a mesma densidade característica.
5.
E, demonstrando interesse em valorizar a lição do minuto, acrescentou:
— Reparem como se inclinam para cá, fugindo, em seguida, espantados
e inquietos. 2 Estamos
colhendo mais um ensinamento sobre os efeitos da prece. Nunca poderemos
enumerar todos os benefícios da oração. 3
Toda vez que se ora num lar, prepara-se a melhoria do ambiente doméstico.
Cada prece do coração constitui emissão eletromagnética de relativo
poder. 4 Por isso mesmo,
o culto familiar do Evangelho não é tão só um curso de iluminação interior,
mas também processo avançado de defesa exterior, pelas claridades espirituais
que acende em torno. 5
O homem que ora traz consigo inalienável couraça. O lar que cultiva
a prece transforma-se em fortaleza, compreenderam? 6
As entidades da sombra experimentam choques de vulto, em contato com
as vibrações luminosas deste santuário doméstico, e é por isso que se
mantêm a distância, procurando outros rumos…
6.
Daí a momentos, penetrávamos, de novo, no salão abençoado da
residência modesta.
Como quem estivesse atravessando um país de surpresas, outro fato me despertava profunda admiração.
2 Isidoro e Isabel vieram
a nós, de braços entrelaçados, irradiando ventura. Aquela viúva pobre
do bairro humilde vestia-se agora lindamente, não obstante a adorável
singeleza de sua presença. Sorria contente, ao lado do esposo, via-nos
a todos, cumprimentava-nos generosa.
3 — Meus amigos, —
disse ela, serena, — meu marido e eu temos uma excursão instrutiva para
esta noite. Deixo-lhes as nossas crianças por algumas horas e, desde
já, lhes agradeço o cuidado e o carinho.
4 — Vá, minha filha!
— Respondeu uma senhora idosa, — aproveite o repouso corporal. Deixe
os meninos conosco. Vá tranquila!
O casal afastou-se com a expressão dum sublime noivado.
5 Nosso orientador inclinou-se
para nós e falou:
— Observam vocês como a felicidade divina se manifesta no sono dos justos? Poucas almas encarnadas conheço com a ventura desta mulher generosa, que tem sabido aprender a ciência do sacrifício individual.
André Luiz