1.
Nas primeiras horas da noite, Dona Isabel abandonou a agulha e convidou
os filhinhos para o culto doméstico.
2 Notando o interesse que
me despertavam as crianças, Aniceto explicou:
— As meninas são entidades amigas de “Nosso Lar”, que vieram para serviço espiritual e resgate necessário, na Terra. O mesmo, porém, não acontece ao pequeno, que procede de região inferior.
3 De fato, eu identificava
perfeitamente a situação. O rapazola não se revestia de substância luminosa
e atendia ao convite materno, não como quem se alegra, mas como quem
obedece.
4 Com tamanha naturalidade
se sentaram todos em torno da mesa, que compreendi a antiguidade daquele
abençoado costume familiar. A filha mais velha, que atendia por Joaninha,
trazia cadernos de anotações e recortes de jornais.
5 A viúva sentou-se na direção
e, após meditar breves instantes, recomendou à pequena Neli, de nove
anos, fizesse a oração inicial do culto, pedindo a Jesus o esclarecimento
espiritual.
6 Todos os trabalhadores invisíveis
sentaram-se, respeitosos. Isidoro e alguns companheiros mais íntimos
do casal permaneceram ao lado de Dona Isabel, sendo quase todos vistos
e ouvidos por ela.
7 Tão logo começou aquele
serviço espiritual da família, as luzes ambientes se tornaram muito
mais intensas.
Profunda sensação de paz envolvia-me o coração.
8 A pequena Neli, em voz comovente,
fez a prece:
— Senhor, seja feita a vossa vontade, assim na Terra como nos Céus. Se está em vosso santo desígnio que recebamos mais luz, permiti, Senhor, tenhamos bastante compreensão no trabalho evangélico! Dai-nos o pão da alma, a água da vida eterna! Sede em nossos corações, agora e sempre. Assim seja!…
9 Dona Isabel pediu
à filha mais velha lesse uma página instrutiva e consoladora e, em seguida,
algum fato interessante do noticiário comum, ao que Joaninha atendeu,
lendo pequeno capítulo de um livro doutrinário sobre a irreflexão, e
um episódio triste de jornal leigo. 10
A primogênita de Isidoro, que revelava muita doçura e afabilidade, parecia
impressionada. Tratava-se de uma jovem de bairro distante, vítima de
suicídio doloroso. O repórter gravara a cena com característicos muito
fortes. A leitora estava trêmula, sensibilizada.
2.
Assim que Joaninha terminou, Dona Isabel abriu o Novo Testamento, como
se estivesse procedendo ao acaso, mas, em verdade, eu via que Isidoro,
do nosso Plano, intervinha na operação, ajudando a focalizar o assunto
da noite. A seguir, fixou o olhar na página pequenina e falou:
2 — A mensagem-versículo de
hoje, meus filhos, está no capítulo
13 do Evangelho de São Mateus. E lendo o versículo 31, fê-lo em
voz alta:
— “Outra parábola lhes propôs, dizendo: — O Reino dos Céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem tomou e semeou no seu campo.”
3 Observei, então, um fenômeno
curioso. Um amigo espiritual, que reconheci de nobilíssima condição,
pelas vestes resplandecentes, colocou a destra sobre a fronte da generosa
viúva.
4 Antes que lhe perguntasse,
Aniceto explicou em voz quase imperceptível:
— Aquele é o nosso irmão Fábio Aleto, que vai dar a interpretação espiritual
do texto lido. 5 Os
que estiverem nas mesmas condições dele, poderão ouvir-lhe os pensamentos;
mas, os que estiverem em zona mental inferior, receberão os valores
interpretativos, como acontece entre os encarnados, isto é, teremos
a luz espiritual do verbo de Fábio na tradução do verbo materializado
de Isabel.
6 Nosso mentor não poderia
ser mais explícito. Em poucas palavras fornecera-me a súmula da extensa
lição.
3.
Notei que a viúva de Isidoro entrara em profunda concentração por alguns
momentos, como se estivesse absorvendo a luz que a rodeava. Em seguida,
revelando extraordinária firmeza no olhar, iniciou o comentário:
2 — “Lemos hoje, meus
filhos, uma página sobre a irreflexão e a notícia de um suicídio em
tristíssimas circunstâncias. Afirma o jornal que a jovem suicida se
matou por excessivo amor; entretanto, pelo que vimos aprendendo, estamos
certos de que ninguém comete erros por amar verdadeiramente. 3
Os que amam, de fato, são cultivadores da vida e nunca espalham a morte.
A pobrezinha estava doente, perturbada, irrefletida. Entregou-se à paixão
que confunde o raciocínio e rebaixa o sentimento. E nós sabemos que,
da paixão ao sofrimento, ou à morte, não é longa a distância. 4
Lembremos, todavia, essa amiga desconhecida, com um pensamento de simpatia
fraternal. Que Jesus a proteja nos caminhos novos. Não estamos examinando
um ato, que ao Senhor compete julgar, mas um fato, de cuja expressão
devemos extrair o ensinamento justo.
5 “A mensagem evangélica
desta noite assevera, pela palavra do nosso Divino Mestre aos discípulos,
que o Reino dos Céus é também “semelhante ao grão de mostarda que o
homem tomou e semeou no seu coração”. Devemos ver, neste passo, meus
filhos, a lição das coisas mínimas. 6
A Esfera carnal onde vivemos está repleta de irreflexões de toda sorte.
Raras criaturas começam a refletir seriamente na vida e nos deveres,
antes do leito da morte física. 7
Não devemos fixar o pensamento tão só nessa jovem que se suicidou em
condições tão dramáticas, ao nos referirmos aos ensinos de agora. Há
homens e mulheres, com maiores responsabilidades, em todos os bairros,
que evidenciam paixões nefastas e destruidoras no campo dos sentimentos,
dos negócios, das relações sociais. 8
As mentes desequilibradas pela irreflexão permanecem, neste mundo, quase
por toda a parte. É que nos temos descuidado das coisas pequeninas.
Grande é o oceano, minúscula é a gota, mas o oceano não é senão a massa
das gotas reunidas. 9
Fala-nos o Mestre, em divino simbolismo, da semente de mostarda. Recordemos
que o campo do nosso coração está cheio de ervas espinhosas, demorando,
talvez, há muitos séculos, em terrível esterilidade. Naturalmente, não
deveremos esperar colheitas milagrosas. É indispensável amanhar a terra
e cuidar do plantio. 10
A semente de mostarda, a que se refere Jesus, constitui o gesto, a palavra,
o pensamento da criatura. Há muitas pessoas que falam bastante em humildade,
mas nunca revelam um gesto de obediência. 11
Jamais realizaremos a bondade, sem começarmos a ser bons. Alguma coisa
pequenina há de ser feita, antes de edificarmos as grandes coisas. 12
O Senhor ensinou, muitas vezes, que o Reino dos Céus está dentro de
nós. Ora, é portanto em nós mesmos que devemos desenvolver o trabalho
máximo de realização divina, sem o que não passaremos de grandes irrefletidos.
13 A floresta também
começou de sementes minúsculas. E nós, espiritualmente falando, temos
vivido em densa floresta de males, criados por nós mesmos, em razão
da invigilância na escolha de sementes espirituais. 14
A palestra de uma hora, o pensamento de um dia, o gesto de um momento,
podem representar muito em nossas vidas. Tenhamos cuidado com as coisas
pequeninas e selecionemos os grãos de mostarda do Reino dos Céus. 15
Lembremos que Jesus nada ensinou em vão. Toda vez que “pegarmos” desses
grãos, consoante a Palavra Divina, semeando-os no campo íntimo, receberemos
do Senhor todo o auxílio necessário. Conceder-nos-á a chuva das bênçãos,
o sol do amor eterno, a vitalidade sublime da Esfera superior. Nossa
semeadura crescerá e, em breve tempo, atingiremos elevadas edificações.
16 Aprendamos, meus
filhos, a ciência de começar, lembrando a bondade de Jesus a cada instante.
O Mestre não nos desampara, segue-nos amorosamente, inspira-nos o coração.
Tenhamos, sobretudo, confiança e alegria!”
17 Reparei que Fábio retirou
a mão da fronte da viúva e observei que ela entrava a meditar, como
quem sentira o afastamento da ideia em curso.
18 Havia grande comoção na
assembleia invisível às crianças que, por sua vez, também pareciam impressionadas.
Dona Isabel voltou a contemplar os filhos, maternalmente, e falou:
— Procuremos, agora, conversar um pouco.
André Luiz