1.
As luzes da prece inundaram o vasto recinto. Palpitava em tudo, agora,
uma claridade serena, doce, irradiante, muito diversa da luminosidade
artificial. 2 Os flocos
radiosos que partiam de nós multiplicavam-se no ar, como se obedecessem
a misterioso processo de segmentação, e caíam sempre sobre os corpos
inanimados e enrijecidos, dando a impressão de lhes penetrarem as células
mais íntimas.
3 Eu estava boquiaberto. Não
me fora permitido contemplar fenômenos dessa natureza em “Nosso Lar”.
Aliás, concluía, ainda não recebera auxílio magnético às percepções,
senão poucas horas antes da viagem.
4 A claridade crescia e estendia-se
em espetáculo prodigioso.
Agora, porém, abandonáramos a atitude de recolhimento destinada à concentração
de nossas próprias forças e emissão de energias vibratórias. Nossos
corpos, todavia, continuavam envolvidos em vasto círculo irradiante.
5 Prosseguindo, porém,
o grande silêncio, notei que a luz da oração se fazia mais clara, mais
penetrante. Comecei a ver, como no caso de Ana, que todos aqueles esqueletos
misérrimos apresentavam núcleos de sombra, além das máscaras mortuárias,
núcleos que se mostravam dentro de formas variadíssimas.
6 As bolhas luminosas caíam
incessantemente, mas agora, como se fossem dirigidas por uma vontade
inteligente, concentravam-se quase todas sobre as frontes imóveis. Então,
pude observar o inaudito e inconcebível para mim.
7 As múmias, porque não posso
dar outro nome aos irmãos que dormem, começaram a dar sinais de vida.
Alguns daqueles infelizes deixavam escapar gemidos angustiosos, outros
falavam em voz alta, dando conta dos pesadelos que os atormentavam,
como sonâmbulos prestes a despertar. Muitos moviam os pés e as mãos,
como a se esforçarem por fugir ao sono doloroso.
8 Eminentemente surpreendido,
reparei que dois se levantaram, distante de nós. Recordei que ambos
faziam parte daqueles que haviam recebido toda espécie de assistência,
inclusive o sopro curativo. Olharam-nos de longe, como loucos que acordassem
de súbito, e dispararam a correr, espavoridos, não obstante a impressão
de cadáveres ambulantes, que nos causavam.
9 Admirado, verifiquei que
ninguém esboçou a menor disposição de segui-los. E quando me propunha,
instintivamente, a faze-lo, Alfredo deteve-me, exclamando:
— Não se preocupe. Eles seriam amargamente surpreendidos, se fossem notificados
agora de sua permanência longa entre verdadeiras múmias. 10
Acreditam sonhar e é melhor assim. Não poderão fugir às nossas fortificações
e voltarão a pedir socorro noutras dependências, a que serão recolhidos
para adequado tratamento.
11 Continuamos silenciosos
mais alguns minutos, e notei que as luzes se foram apagando gradativamente,
ao passo que os cadáveres retomavam a imobilidade anterior.
12 Ismália declarou terminadas
as nossas atividades da oração e o administrador, após o sinal luminoso,
que notificava aos operários o término das obrigações, adiantou-se para
nós, exclamando:
— Gratíssimo pelo concurso fraternal. Realizamos belo serviço intercessório. Desde alguns dias, ninguém se levantava.
2.
Aniceto, percebendo-nos a perplexidade, falou a Vicente e a mim, de
maneira significativa:
— Conforme viram, o trabalho da prece é mais importante do que se pode
imaginar no Círculo dos encarnados. 2
Não há prece sem resposta. E a oração, filha do amor, não é apenas súplica.
É comunhão entre o Criador e a criatura, constituindo, assim, o mais
poderoso influxo magnético que conhecemos. 3
Acresce notar, porém, já que comentamos o assunto, que a rogativa maléfica
conta, igualmente, com enorme potencial de influenciação. 4
Toda vez que o Espírito se coloca nessa atitude mental, estabelece um
laço de correspondência entre ele e o Além. 5
Se a oração traduz atividade no bem divino, venha donde vier, encaminhar-se-á
para o Além em sentido vertical, buscando as bênçãos da vida superior,
6 cumprindo-nos advertir
que os maus respondem aos maus nos Planos inferiores, entrelaçando-se
mentalmente uns com os outros. 7
É razoável, porém, destacar que toda prece impessoal dirigida às Forças
Supremas do Bem, delas recebe resposta imediata, em nome de Deus. 8
Sobre os que oram nessas tarefas benditas, fluem, das Esferas mais altas,
os elementos-força que vitalizam nosso mundo interior, edificando-nos
as esperanças divinas e se exteriorizam, em seguida, contagiados de
nosso magnetismo pessoal, no intenso desejo de servir com o Senhor.
9 E, procurando materializar
o pensamento, por facilitar-nos a compreensão, acentuou:
— Viram, vocês, cair sobre nós os elementos a que me refiro, e observaram
a sua exteriorização com as luzes de cada um de nós, em benefício dos
irmãos que dormem e sofrem. 10
Concedeu-nos o Altíssimo a força de auxiliar, em porções iguais para
todos, mas nós a espalhamos de acordo com a nossa possibilidade e coloração
individuais. 11 Ismália,
cujos sentimentos são mais amplos e universalistas que os nossos, pôde
receber com mais clareza o auxílio divino e distribuí-lo com mais abundância
e eficiência. 12
Temos, aqui, uma profunda lição. Como já disse, o Pai visita os filhos
necessitados, através dos filhos que procuram compreende-Lo. 13
Não poderíamos abusar do Senhor, como abusamos no Círculo terrestre
dos nossos pais humanos. Não vive Ele ao sabor de nossos caprichos pessoais.
Nunca poderia vir, em pessoa, enxugar o pranto do necessitado que chora,
em consequência, aliás, do olvido das Divinas Leis. 14
Compete ao necessitado caminhar ao reencontro d’Ele. O Senhor, todavia,
atende sempre a todos os homens de boa vontade, por intermédio dos homens
bons, que se edificam na casa divina. 15
Todos os nossos desejos e impulsos razoáveis são atendidos pelas bênçãos
paternais do Eterno. Ainda que nos demoremos nas lágrimas e nas aflições,
jamais permanecemos ao desamparo. 16
Apenas devemos salientar que as respostas de Deus vão sendo maiores
e mais diretas, à medida que se intensifique o nosso merecimento, competindo-nos
reconhecer que, para semelhantes respostas, são utilizados todos quantos
trazem consigo a luz da bondade, ou já possuem mérito e confiança para
auxiliar em nome de Deus.
3.
As explicações de Aniceto abriam-me novos campos de meditação. O generoso
instrutor, contudo, não dera por finda a lição e, depois de longa pausa,
concluiu, generoso:
2 — Já que vocês se
encontram comigo num curso de serviço auxiliador, espero aproveitem
o máximo ensinamento desta hora. Reparem que, nestes pavilhões, temos
mil e novecentos e oitenta abrigados que dormem. 3
Todos recebem diariamente alimento e medicação comuns, mas só quatrocentos
são atendidos com alimento e medicação especializados, por se mostrarem
mais suscetíveis de justa melhora. 4
Desses quatrocentos, apenas dois terços se revelaram aptos à recepção
de passes magnéticos. Muitos não podem receber, por enquanto, a água
fluidificada. Poucos foram contemplados com o sopro curativo e somente
dois se levantaram, ainda assim, profundamente perturbados. 5
Já que iniciam um trabalho de cooperação fraternal, não esqueçam esta
lição. Façamos todos o bem, sem qualquer ansiedade. Semeemo-lo sempre
e em toda a parte, mas não estacionemos na exigência de resultados.
6 O lavrador pode espalhar
as sementes à vontade e onde quer que esteja, mas precisa reconhecer
que a germinação, o crescimento e o resultado pertencem a Deus.
André Luiz