1.
Dentro de poucos instantes, reuníamo-nos, de novo, ao grupo.
O administrador fez um sinal luminoso, em forma triangular, e observei que todos os cooperadores se puseram de pé, em atitude respeitosa.
— É o momento da oração, no Posto de Socorro, — disse Alfredo, gentil, como a prestar-nos esclarecimentos precisos.
2 O Sol desaparecera no firmamento,
mas toda a cúpula celeste refletia-lhe o disco de ouro. Os tons crepusculares
encheram as vizinhanças de maravilhosos efeitos de luz, muito visíveis
agora ao nosso olhar, porque Alfredo, sem que eu pudesse conhecer o
motivo, mandara apagar todas as luzes artificiais, antes da oração.
3 No centro dos pavilhões,
a sombra se fizera, desse modo, muito intensa, mas o novo aspecto do
firmamento, banhado em tonalidades sublimes, dava-nos a impressão da
permanência em prodigioso palácio, em virtude do imenso teto azul iluminado
a distância.
4 Fundamente impressionado,
procurei convizinhar-me mais do pequeno grupo de companheiros.
Do quadro de colaboradores do castelo, apenas algumas senhoras permaneciam junto de nós, como se estivessem fazendo honrosa companhia à nobre Ismália. Os demais, homens e mulheres, mantinham-se nos lugares de serviço que lhes competiam, não longe das criaturas mumificadas.
5 Notei que, embora instado,
Aniceto esquivou-se à chefia espiritual da oração, alegando que, por
direito, essa posição cabia à devotada esposa de Alfredo.
6 Ismália, então, num gesto
de indefinível delicadeza, começou a orar, acompanhada por todos nós,
em silêncio, salientando-se, porém, que lhe seguíamos a rogativa, frase
por frase, atendendo a recomendações do nosso orientador, que aconselhou
repetir, em pensamento, cada expressão, a fim de imprimir o máximo ritmo
e harmonia ao verbo, ao som e à ideia, numa só vibração.
7 Senhor!
— Começou Ismália, comovidamente, — dignai-vos assistir os nossos
humildes tutelados, enviando-nos a luz de vossas bênçãos santificantes.
Aqui estamos, prontos para executar vossa vontade, sinceramente dispostos
a secundar vossos altos desígnios. Conosco, Pai, reúnem-se os irmãos
que ainda dormem, anestesiados pela negação espiritual a que se entregaram
no mundo. Despertai-os, Senhor, se é de vossos desígnios sábios e misericordiosos,
despertai-os do sono doloroso e infeliz. Acordai-os para a responsabilidade,
para a noção dos deveres justos!… Magnânimo Rei, apiedai-vos de vossos
súditos sofredores; Criador compassivo, levantai as vossas criaturas
caídas; Pai Justo, desculpai vossos filhos desventurados! Permiti caia
o orvalho do vosso amor infinito sobre o nosso modesto Posto de Socorro!…
Seja feita a vossa vontade acima da nossa, mas se é possível, Senhor,
deixai que os nossos doentes recebam um raio vivificante do sol de vossa
bondade!… [Essa prece continua logo abaixo.]
8 A voz de Ismália
penetrava-me o recesso do coração.
Observando-a, por um momento, reparei que a esposa de Alfredo se transfigurara. Luzes diamantinas irradiavam de todo o seu corpo, em particular do tórax, cujo âmago parecia conter misteriosa lâmpada acesa.
9 Em vista do ligeiro estacato que imprimira à oração, observei a nós outros, verificando que
o mesmo fenômeno se dava conosco, embora menos intensamente. Cada qual
parecia, ali, apresentar uma expressão luminosa, gradativa. 10
As senhoras que acompanhavam Ismália estavam quase semelhantes a ela,
como se trajassem soberbos costumes radiosos, em que predominava a cor
azul. Depois delas, em brilho, vinha a luz de Aniceto, de um lilás surpreendente.
Em seguida, tínhamos Alfredo, cuja luz era de um verde suave e sugestivo,
sem grande esplendor. Depois dele, vinham alguns servidores ostentando
na fronte claridades sublimes, expressas em variadas cores, e, logo
após, Vicente e eu, mostrávamos fraca luminosidade, a qual, porém, nos
enchia de júbilo intenso, considerando que a maioria dos cooperadores
em serviço apresentava o corpo obscuro, como acontece na Esfera carnal.
11 Com voz pausada e comovedora,
Ismália prosseguiu:
Temos, ao nosso lado, Senhor, infortunadas mães que não souberam
descobrir o sentido sublime da fé, resvalando, imprudentemente, nos
despenhadeiros da indiferença criminosa; pais que não conseguiram ultrapassar
a materialidade no curso da existência humana, incapazes de ver a formosa
missão que lhes confiastes; 12
cônjuges desventurados pela incompreensão de vossas leis augustas e
generosas; jovens que se entregaram, de corpo e alma, aos alvitres da
ilusão!… Muitos deles, atolaram-se no pantanal do crime, agravando débitos
dolorosos! 13 Agora
dormem, Pai, à espera de vossos desígnios santos. Sabemos, contudo,
Senhor, que este sono não traduz repouso do pensamento… Quase todos
os nossos asilados são vítimas de terríveis pesadelos, por terem olvidado,
no mundo material, os vossos mandamentos de amor e sabedoria. 14
Sob a imobilidade aparente, movimenta-se-lhes o Espírito, entre aflições
angustiosas que, por vezes, não podemos sondar. São eles, Pai, vossos
filhos transviados e nossos companheiros de luta, necessitados de vossa
mão paternal para o caminho! 15
Quase todos se desviaram da senda reta, pelas sugestões da ignorância
que, como aranha gigantesca dos Círculos carnais, tece os fios da miséria,
enredando destinos e corações! 16
Deprecando vossa misericórdia para eles, rogamos, igualmente para nós,
a verdadeira noção da fraternidade universal! Ensinai-nos a transpor
as fronteiras de separação para que vejamos em cada infeliz o irmão
necessitado do nosso entendimento! 17
Ajudai-nos a compreensão, a fim de que venhamos a perder todo impulso
de acusação nas estradas da vida! Ensinai-nos a amar como Jesus nos
amou! 18 Também nós,
Senhor, que aqui vos rogamos, fomos leprosos espirituais, cegos do entendimento,
paralíticos da vontade, filhos pródigos do vosso amor!… Também nós já
dormimos, em tempos idos, nos Postos de Socorro da vossa misericórdia!…
19 Somos simples devedores,
ansiosos de resgatar imensos débitos! Sabemos que vossa bondade nunca
falha e esperamos confiantes a bênção de vida e luz!…
20 Fizera Ismália
nova pausa, agora mais longa. Enxuguei os olhos umedecidos de pranto.
Suave calor, todavia, apossava-se-me da alma. E tão intensa era essa
nova sensação de conforto, que interrompi a concentração em mim mesmo,
a fim de olhar em torno. 21
Fixando instintivamente o alto, enxerguei, maravilhado, grande quantidade
de flocos esbranquiçados, de tamanhos variadíssimos, a caírem copiosamente
sobre nós que orávamos, exceto sobre os que dormiam. Tive a impressão
de que eram derramados do céu sobre nossa fronte, caindo com a mesma
abundância sobre todos, desde Ismália ao último dos servidores. 22
Não cabia em mim de admiração, quando novo fenômeno me surpreendeu.
Os flocos leves desapareciam ao tocar-nos, começando, porém, a sair
de nossa fronte e do peito grandes bolhas luminosas, com a coloração
da claridade de que estávamos revestidos, elevando-se no ar e atingindo
as múmias numerosas. 23
Ainda aí, reparava o problema da gradação espiritual. As luzes emitidas
por Ismália eram mais brilhantes, intensas e rápidas, alcançando muitos
enfermos de uma só vez. Em seguida, vinham as fornecidas pelas senhoras
do seu círculo pessoal. Depois, tínhamos as de Aniceto, de Alfredo e
dos demais. Os servos de corpo obscuro emitiam vibrações fracas, mas
visivelmente luminosas. Cada qual, naquele instante de contato com o
Plano superior, revelava o valor próprio na cooperação que podia prestar.
24 Observando-me o assombro,
Aniceto falou-me aos ouvidos:
— Na prece encontramos a produção avançada de elementos-força. Eles chegam
da Providência em quantidade igual para todos os que se deem ao trabalho
divino da intercessão, mas cada Espírito tem uma capacidade diferente
para receber. 25 Essa
capacidade é a conquista individual para o mais alto. E como Deus socorre
o homem pelo homem e atende a alma pela alma, cada um de nós somente
poderá auxiliar os semelhantes e colaborar com o Senhor, com as qualidades
de elevação já conquistadas na vida.
André Luiz