1.
Não estava farto de lições, mas, para o momento, havia aprendido bastante.
Impressionado com o que me fora dado observar, não insisti com Vicente
para prolongar nossa demora no Centro de Mensageiros.
2 Deixando grandes grupos
em conversação ativa, reconstituindo projetos e refazendo esperanças,
segui o companheiro que me convidava a visitar os imensos jardins. Roseirais
enormes balsamizavam a atmosfera leve e límpida.
3 — Sinto-me fortemente impressionado,
— murmurei.
— Quem diria pudessem caber tantas responsabilidades a essas
criaturas? Não conheci pessoalmente nenhum médium ou doutrinador do
Espiritismo, justificando agora minha surpresa.
4 Vicente sorriu e ponderou:
— Você, meu caro, procede das Câmaras de Retificação, onde os trabalhos são muito reservados e circunscritos. Talvez sua impressão provenha dessa circunstância. Verá, porém, com o tempo, que existem aqui locais de conversações dessa natureza, referentes a todas as oportunidades perdidas. Já visitou alguma dependência do Ministério do Esclarecimento?
— Não.
5 — Localizam-se,
ali, os enormes pavilhões das escolas maternais. São milhares de irmãs
que comentam, por lá, as desventuras da maternidade fracassada, buscando
reconstituir energias e caminhos. 6
Ainda ali, temos os Centros de Preparação à Paternidade. Grandes massas
de irmãos examinam o quadro de tarefas perdidas e recordam, com lágrimas,
o passado de indiferença ao dever. 7
Nesse mesmo Ministério, temos a Especialização Médica. Nobres profissionais
da Medicina, que perderam santas oportunidades de elevação, lá discutem
seus problemas.
8 Nesse instante o interrompi,
observando:
— Entretanto, somos médicos e não nos achamos lá.
— Sim, — explicou Vicente, bondoso, — infelizmente para nós ambos, caímos em toda a linha. Não só na qualidade de médicos, mas muito mais como homens, pois que, se disse a você o que sofri, ainda não contei o que fiz.
— É verdade, — concordei, desapontado, recordando minha condição de
suicida inconsciente.
9 — Ainda no Esclarecimento,
— prosseguiu o companheiro, — temos o Instituto de Administradores,
onde os Espíritos cultos procuram restaurar as forças próprias e corrigir
os erros cometidos na mordomia terrestre. 10
Nos Campos de Trabalho, do Ministério da Regeneração, existem milhares
de trabalhadores que se renovam para a recapitulação das grandes tarefas
da obediência.
11 Somos numerosos,
— continuou, sorridente, — os falidos nas missões terrestres e note-se
que todos os que hajam chegado a zonas como “Nosso Lar” devem ser levados
à conta dos extremamente felizes. 12
Temos aqui dois Ministérios Celestiais, como o da Elevação e o da União
Divina, cuja influenciação santificante eleva o padrão dos nossos pensamentos
sem que o percebamos de maneira direta. 13
O estágio aqui, André, representa uma bênção do Senhor, e, por muito
que trabalhássemos, nunca retribuiríamos a esta colônia na medida de
nosso débito para com ela. Nossa situação é a de abrigados em verdadeiro
paraíso, pelo ensejo de serviço edificante que se nos oferece. Quanto
a outros companheiros nossos…
2.
Fez longo hiato e continuou:
— Quanto a muitos, estão fazendo angustiosas estações de aprendizado
nas regiões mais baixas. São infelizes prisioneiros uns dos outros,
pela cadeia de remorsos e malignas recordações. 2
No que concerne à Medicina, os colegas em bancarrota espiritual são
inúmeros. A saúde humana é patrimônio divino e o médico é sacerdote
dela. Os que recebem o título profissional, em nosso quadro de realizações,
sem dele se utilizarem a bem dos semelhantes, pagam caro a indiferença.
Os que dele abusam são, por sua vez, situados no campo do crime. 3
Jesus não foi somente o Mestre, foi Médico também. Deixou no mundo o
padrão da cura para o Reino de Deus. Ele proporcionava socorro ao corpo
e ministrava fé à alma. Nós, porém, meu caro André, em muitos casos
terrestres, nem sempre aliviamos o corpo e quase sempre matamos a fé.
4 As palavras sensatas do
amigo caíam-me nalma como raios de luz. Tudo era a verdade, simples
e bela. Ainda não pensara, de fato, em toda a grandeza do serviço divino
de Jesus Médico. Ele expulsara febres malignas, curara leprosos e cegos
de nascença, levantara paralíticos, mas nunca ficava apenas nisto. Reanimava
os doentes, dava-lhes esperanças novas, convidava-os à compreensão da
Vida Eterna.
3.
Engolfara-me em pensamentos grandiosos, quando o companheiro voltou
a falar:
2 — Tenho um amigo,
nosso colega de profissão, que se encontra nas zonas inferiores, há
alguns anos, atormentado por dois inimigos cruéis. Acontece que ele
muito faliu como homem e médico. 3
Era cirurgião exímio, mas, tão logo alcançou renome e respeito geral,
impressionou-se com as aquisições monetárias e caiu desastradamente.
4 Nos dias de grandes
negócios financeiros, deslocava a mente das obrigações veneráveis, colocando-a
distante, na esfera dos banqueiros comuns. Não fosse a proteção espiritual,
essa atitude teria comprometido oportunidades vitais de muita gente.
5 A colaboração do
pobre amigo tornara-se quase nula, e alguns desencarnados nas intervenções
cirúrgicas que ele praticava, notando-lhe a irresponsabilidade, atribuíram-lhe
a causa da morte física, quando não a esperavam, votando-lhe ódio terrível.
6 Amigos do operador
prestaram esclarecimentos justos a muitos; entretanto, dois deles, mais
ignorantes e maldosos, perseveraram na estranha atitude e o esperaram
no limiar do sepulcro.
— Horrível! — Exclamei. — Se ele, porém, não é culpado da desencarnação desses adversários gratuitos, como pode ser atormentado desse modo?
7 Explicou Vicente, em tom
mais grave:
— Realmente, não tem a culpa da morte deles. Nada fez para interromper-lhes
a existência física. Mas é responsável pela inimizade e incompreensão
criadas na mente dessas pobres criaturas, porque, não estando seguro
do seu dever, nem tranquilo com a consciência, o nosso amigo julga-se
culpado, em razão das outras falhas a que se entregou imprevidentemente.
8 Todo erro traz fraqueza,
e, assim sendo, o nosso colega, por enquanto, não adquiriu forças para
se desvencilhar dos algozes. 9
Perante a Justiça Divina, portanto, ele não resgata crimes inexistentes,
mas repara certas faltas graves e aprende a conhecer-se a si mesmo,
a entender as obrigações nobres e praticá-las, compreendendo, por fim,
a felicidade dos que sabem ser úteis com a segurança da fé em Deus e
em si mesmos. 10 A noção
do dever bem cumprido, André, ainda que todos os homens permaneçam contra
nós, é uma luz firme para o dia e abençoado travesseiro para a noite.
O nosso colega, tendo abusado da profissão, entrou em dolorosa prova.
11 — Ah! Sim! — Exclamei, —
agora compreendo. Onde exista uma falta, pode haver muitas perturbações;
onde apagamos a luz, podemos cair em qualquer precipício.
— Justamente.
12 Calou-se o amigo, andando,
muito tempo, ao meu lado, como se estivesse surpreendido, como eu, defrontando
as avenidas de rosas. Depois de longas meditações, convidou-me fraternalmente:
— Regressemos ao nosso núcleo. Creio devamos ouvir Aniceto, ainda hoje, referentemente ao serviço comum.
André Luiz