1.
Comunicando meus novos propósitos a Tobias, verifiquei a satisfação
que lhe transpareceu do olhar.
2 — Fique tranquilo, — disse,
bondoso, — você possui a quantidade necessária de horas de trabalho
para justificar o pedido. Temos, por nossa vez, grande número de colegas
na Comunicação. Não será difícil localizá-lo com instrutores amigos.
Conhece o nosso estimado Aniceto?
3 — Não tenho esse prazer.
— É antigo companheiro de serviço, — continuou informando, generoso, — esteve
conosco na Regeneração, algum tempo. Em seguida, devotou-se a tarefas
sacrificiais no Ministério do Auxílio e, hoje, é instrutor competente
na Comunicação, onde vem prestando concurso respeitável. Conversarei,
a respeito, com o Ministro Genésio. Não tenha dúvidas. Seu desejo, André,
é muito nobre aos nossos olhos.
4 O prestimoso companheiro
deixou-me num mar de contentamento indefinível.
Comecei a compreender o valor do trabalho. A amizade de Narcisa e Tobias era
tesouro de inapreciável grandeza que o espírito de serviço me havia
descortinado ao coração.
5 Novo setor de luta
desdobrar-se-ia à minhalma. Não deveria perder a oportunidade. “Nosso
Lar” estava cheio de entidades ansiosas por aquisições dessa natureza.
Não seria justo entregar-me, de boa vontade, ao novo aprendizado? 6
Além disso, certo da minha volta à carne, em futuro talvez não distante,
a providência constituiria realização de profundo interesse ao meu aproveitamento
geral.
7 Misteriosa alegria dominava-me
todo, sublimada esperança iluminava-me os sentimentos. Aquele desejo
ardente de colaborar em benefício dos outros, que Narcisa me acendera
no íntimo, parecia encher, agora, a taça vazia do meu coração.
8 Trabalharia, sim. Conheceria
a satisfação dos cooperadores anônimos da felicidade alheia. Procuraria
a prodigiosa luz da fraternidade, através do serviço às criaturas.
9 À noite, fui procurado por
Tobias, sempre generoso, trazendo-me a confortadora aquiescência do
Ministro Genésio.
Com sorrisos afetuosos, convidou-me a acompanhá-lo. Conduzir-me-ia à presença de Aniceto, para conversarmos relativamente ao assunto.
10 Emocionadíssimo, procurei
a residência da nova personagem que se ligaria fundamente à minha vida
espiritual.
11 Aniceto, ao contrário de
Tobias, não se consorciara em “Nosso Lar”. Vivia ao lado de cinco amigos
que lhe foram discípulos na Terra, em edifício confortável, encravado
entre árvores frondosas e tranquilas, que pareciam postas ali para protegerem
extenso e maravilhoso roseiral.
12 Recebeu-nos com extrema
gentileza, que me causou excelente impressão. Aparentava ele a calma
refletida do homem que chegou à idade madura, sem fantasias da mocidade
inexperiente. Embora lhe transparecesse muita energia no rosto, revelava
o otimismo sadio do coração cheio de ideais sacrossantos. Muito sereno,
recebeu todas as alegações do meu benfeitor, dirigindo-me, de quando
em vez, olhares amistosos e indagadores.
13 Tobias falou longamente,
comentando minha posição de ex-médico no Plano terráqueo, agora em reajustamento
de valores no Plano espiritual.
14 Depois de examinar-me com
atenção, o orientador aduziu:
— Não há o que embargar, meu prezado Tobias. No entanto, é preciso reconhecer que a solução depende do candidato. Sabe você que estamos aqui na Instituição do Homem Novo.
— André está pronto e disposto, — adiantou o amigo, generosamente.
2.
Aniceto fixou em mim o olhar penetrante e advertiu:
— Nosso serviço é variado e rigoroso. O departamento de trabalho, afeto
à nossa responsabilidade, aceita somente os cooperadores interessados
na descoberta da felicidade de servir. 2
Comprometemo-nos, mutuamente, a calar toda espécie de reclamação. Ninguém
exige expressão nominal nas obras úteis realizadas, e todos respondem
por qualquer erro cometido. 3
Achamo-nos, aqui, num curso de extinção das velhas vaidades pessoais,
trazidas do mundo carnal. Dentro do mecanismo hierárquico de nossas
obrigações, interessamo-nos tão somente pelo bem divino. 4
Consideramos que toda possibilidade construtiva vem de nosso Pai e esta
convicção nos auxilia a esquecer as exigências descabidas de nossa personalidade
inferior.
5 Identificando-me a surpresa,
Aniceto esboçou um gesto significativo e continuou:
— Nos trabalhos de emergência, destinados à preparação de colaboradores
ativos, tenho um quadro suplementar de auxiliares, constante de cinquenta
lugares para aprendizes. No momento, disponho de três vagas. 6
Há intensa atividade de instrução, necessária a servidores que cooperarão
em socorros urgentes, na Terra. Orientadores há que se fazem acompanhar,
nos serviços da crosta, por todo o pessoal em aprendizado, mas eu adoto
processo diferente. 7
Costumo dividir a classe em grupos especializados, de acordo com a profissão
familiar aos estudantes, para melhor aproveitamento no preparo e na
prática. 8 Tenho, presentemente,
um sacerdote católico-romano, um médico, seis engenheiros, quatro professores,
quatro enfermeiras, dois pintores, onze irmãs especializadas em trabalhos
domésticos e dezoito operários diversos. 9
Em “Nosso Lar”, a ação que nos compete é desdobrada de maneira coletiva;
mas, nos dias de aplicação na crosta terrestre, não me faço seguido
de todos. 10 Naturalmente,
não se negará ao engenheiro, ou ao operário, o ensejo de aquisição de
conhecimentos outros, que transcendem a paisagem de realizações que
lhes cabem; mas, tais manifestações devem constar do quadro de esforços
espontâneos, no tempo vasto que cada qual aufere para descanso e entretenimento.
11 Considerando, pois,
o serviço atual, temos interesse em aproveitar as horas no limite máximo,
não só em benefício dos que necessitam de nosso concurso fraternal,
como também a favor de nós mesmos, no que toca à eficiência.
12 Ponderei, admirado, o curioso
processo, enquanto o orientador fazia longa pausa.
Após mergulhar toda a atenção em mim, como se desejasse perceber o efeito de suas palavras, Aniceto continuou:
13 — Este método
não visa apenas a criar obrigações para os outros. Aqui, como na Terra,
quem alcança a melhor porção, nas aulas e demonstrações, não é propriamente
o discípulo e sim o instrutor, que enriquece observações e intensifica
experiências. 14 Quando
o Ministro Espiridião me chamou a exercer o cargo, aceitei-o sob a condição
de não perder tempo na melhoria e educação de mim mesmo. Desse modo,
não preciso alongar-me noutras considerações. Creio haver dito o bastante.
Se está, portanto, disposto, não posso recusar-me a aceitá-lo.
15 — Compreendo seus nobres
programas, — respondi, comovido, — será honra para mim a possibilidade
de acompanhá-lo e receber suas determinações de serviço.
16 Aniceto esboçou a expressão
fisionômica de quem atinge a solução desejada, e concluiu:
— Pois bem; poderá começar amanhã.
17 E, dirigindo-se a Tobias,
acrescentou:
— Encaminhe o nosso amigo, amanhã cedo, ao Centro de Mensageiros. 18
Lá estaremos em estudo ativo e providenciarei para que André seja bonificado
pelas tabelas da Comunicação.
Agradecemos, satisfeitos e, logo em seguida a Tobias, despedi-me, alimentando novas esperanças.
André Luiz