O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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O Evangelho por Emmanuel — Volume VII

Comentários às Cartas universais e ao Apocalipse

Introdução à Carta de Tiago

Capítulos: 5 — Versículos: 108 — Destinatários: Às doze tribos da diáspora n


A Carta de Tiago constitui um texto de características únicas no Novo Testamento. Nela são enfatizados os aspectos éticos e morais do Cristianismo, apresentando, neste sentido, fortes vínculos com o Sermão do Monte. Destaca-se, também, à exceção dos versículos 1.1 e 2.1, uma quase absoluta ausência dos aspectos cristológicos que mereceram atenção mais ampla em outros textos, como a paixão, morte, ressurreição e salvação. A conduta cristã no cotidiano é seu objeto primordial de atenção. Além disso, a linguagem utilizada é uma das mais ricas dentre todos os escritos que compõem o Novo Testamento, contendo mais de 60 hapax legomenan o que é muito, considerando-se a extensão da carta. Menos marcante, mas igualmente interessante, é a forma pela qual o autor organiza o conteúdo, contentando-se em justapor diversos elementos que caracterizariam uma ética cristã do cotidiano.

Além desses aspectos oriundos do próprio texto, outros, que derivam das leituras feitas pelas correntes cristãs ao longo da história, são igualmente dignos de nota. O exemplo mais famoso, talvez, seja a desconsideração pela qual essa carta foi tratada por Lutero, que a definia como “epístola de palha”, pela sua aparente contradição em relação às Cartas de Paulo, no que se refere ao papel da fé no processo da salvação. Como a fé, na concepção de Lutero, possuía papel preponderante, senão exclusivo, no processo de salvação, compreende-se sua rejeição a um escrito, cuja natureza básica repousa no estabelecer uma conduta que se sobreponha, em importância, à profissão de fé, e que chega a afirmar que “[…] a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (2.17).

É importante destacar que, muitas vezes, os extremos exclusivistas, que opõem fé e obras, surgem pela ênfase dada pelo leitor ou intérprete, mais do que pela própria intenção dos autores dos textos do Novo Testamento. Tanto em Paulo como em Tiago, as ações e a crença são elementos importantes no processo de redenção do ser humano, embora cada um lance luz sobre determinados aspectos da realidade, de acordo com o propósito, contexto e situação em que estão inseridos. Acrescente-se a isso que as obras, cujo valor Paulo questionava, possuíam, no primeiro século, uma definição mais específica, dentro do contexto judaico-cristão, ao qual ele se dirigia. Nesse contexto, a definição de obras estava intimamente ligada às obras prescritas pelos grupos judaicos, dos quais se destacam os fariseus. O justo é certamente aquele que conjuga os dois elementos, já que a fé necessariamente influencia as ações e estas legitimam e fortalecem a primeira.


Estrutura e temas

Temas e versículos:
Saudação e destinatários, 1.1.
A perseverança leva à perfeição, 1.2 a 4.
Como obter sabedoria, 1.5 a 8.
Dignidade e coisas passageiras, 1.9 a 11.
Feliz o que suporta a provação, 1.12.
A tentação não vem de Deus, 1.13 a 15.
Todo dom e dádiva vem de Deus, 1.16 e 17.
Fomos gerados por Deus, 1.18.
Conduta para falar, agir e irar-se 1.19 e 20.
O verbo (logos) em nós, 1.21 a 25.
A conduta do verdadeiro religioso, 1.26 e 27.
A fé verdadeira não faz acepção de pessoas, 2.1 a 9.
A Lei deve ser integralmente cumprida, 2.10 e 11.
Coerência, juízo e misericórdia, 2.12 e 13.
A fé sem obras é morta, 2.14 a 17.
Relação entre fé e obras, 2.18 a 26.
Os mestres receberão mais duro juízo, 3.1 e 2a.
A importância do uso correto da palavra, 3.2b a 13.
O sábio verdadeiro se mostra pelas boas obras, 3.14 a 18.
A amizade do mundo é inimizade contra Deus, 4.1 a 10.
Não julgar o outro, 4.11 e 12.
Deus governa todos os projetos humanos, 4.13 a 16.
Obrigação de fazer o bem, 4.17.
Lamentação dos maus ricos, 5.1 a 6.
Exortação à paciência, 5.7 a 11.
Não jurar, 5.12.
O poder da oração e do louvor, 5.13 a 18.
Conversão dos desviados da verdade, 5.19 e 20.


Autoria, origem e datação

A questão da autoria tem sido motivo de debates ao longo dos séculos e, entre os estudiosos, está longe de ser resolvida. Isso porque existem quatro ou cinco (a depender da leitura que se faça de determinadas passagens) indivíduos chamados Tiago no Novo Testamento. Os principais são:

A aceitação tardia desse escrito como cânone do Novo Testamento pode estar igualmente relacionada com as dúvidas em relação de quem seria a sua autoria, não se excluindo, inclusive, a hipótese de pseudografia. Eusébio, no século IV, ainda fala das controvérsias envolvendo esta carta; e o cânone de Muratori n não a incluiu. Caso se tivesse certeza de que a carta foi da lavra de alguém ligado ao círculo apostólico ou familiar de Jesus, muito provavelmente a carta seria mais facilmente aceita.

Soma-se a isso a ausência de elementos internos que possam ajudar a identificar o local de origem e temos um quadro de possiblidades bastante amplo. Para os que defendem uma autoria do círculo mais íntimo de Jesus, seja dos apóstolos, seja de sua família, a data de redação estaria entre os anos 45 e 60, se trataria de um escrito produzido na Judeia e o autor da epístola possuiria um papel importante na igreja de Jerusalém. Entre os que defendem uma pseudografia, as datas variam de 90 a 130, e embora haja predominância de identificar o local de redação como a Palestina, há quem proponha que sua origem deve ser outra, como Alexandria, Cesareia e até mesmo Roma.


Perspectiva espírita

Emmanuel, na obra Paulo e Estêvão, informa que o Tiago que permanece em Jerusalém e que possui um importante papel naquela comunidade trata-se do filho de Alfeu. A depreender dos traços de personalidade destacados pelo benfeitor espiritual e da tendência que o apóstolo tinha de evitar conflitos com o sacerdócio judaico e com o sinédrio, um escrito que privilegiasse o impacto ético do Cristianismo e que se esquivasse de colocar em evidência a superioridade do Cristo se ajustaria bem ao teor de uma carta de sua lavra.

Existe outra importante referência a essa carta feita pelo Espírito Irmão X no livro Pontos e contos, capítulo 35, intitulado Nas palavras do caminho. Ali, o autor espiritual traz o pano de fundo que levou à redação do capítulo 3 da carta de Tiago, demonstrado qual experiência concreta levou o autor a produzir uma das mais importantes reflexões sobre o uso da língua pelo homem.

A discussão pormenorizada das implicações dessas informações, para o entendimento do processo histórico de produção e redação da Carta de Tiago, exigiria trazer um número muito grande de elementos e um tempo que fugiriam aos propósitos das introduções que humildemente ofertamos ao leitor, a título de panorâmica. Deixamos aqui a nossa recomendação de que os que se interessarem mais por esses aspectos recorram às duas referências acima mencionadas, bem como a outras referências presentes na monumental obra psicografada por Francisco Cândido Xavier.



[1] A palavra grega διασπορά (diasporá), aqui utilizada refere-se ao processo de dispersão das 12 tribos de Israel pelo mundo conhecido. (Nota da Editora.)


[2] Vem do grego χάπαξ λεγόμενα e significa “algo dito apenas uma única vez”. Muito comum em textos bíblicos e, obviamente, em escritas que ainda não foram inteiramente decifradas. (Nota da Editora.)


[3] O Cânone Muratori, também conhecido por fragmento muratoriano, é uma cópia da lista mais antiga que se conhece dos livros do Novo Testamento. Escrito por volta do ano 150, indica o nome de Pio, bispo de Roma de 143 a 155, irmão de Hermas, autor de O pastor. É um manuscrito do século VIII, cópia do original, descoberta na Biblioteca Ambrosiana de Milão por Ludovico Antonio Muratori (1672-1750) e publicada em 1740. Na lista figuram os nomes dos livros que o autor desconhecido da lista considerava admissíveis, com alguns comentários. (Nota da Editora.)


Saulo Cesar Ribeiro da Silva.


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