Capítulos: 5 — Versículos: 108 — Destinatários: Às doze tribos da diáspora n
A Carta de Tiago constitui um texto de características únicas
no Novo Testamento. Nela são enfatizados os aspectos éticos e morais
do Cristianismo, apresentando, neste sentido, fortes vínculos com o
Sermão do Monte. Destaca-se, também, à exceção dos versículos 1.1
e 2.1, uma quase
absoluta ausência dos aspectos cristológicos que mereceram atenção mais
ampla em outros textos, como a paixão, morte, ressurreição e salvação.
A conduta cristã no cotidiano é seu objeto primordial de atenção. Além
disso, a linguagem utilizada é uma das mais ricas dentre todos os escritos
que compõem o Novo Testamento, contendo mais de 60 hapax legomena, n
o que é muito, considerando-se a extensão da carta. Menos marcante,
mas igualmente interessante, é a forma pela qual o autor organiza o
conteúdo, contentando-se em justapor diversos elementos que caracterizariam
uma ética cristã do cotidiano.
Além desses aspectos oriundos do próprio texto, outros, que derivam
das leituras feitas pelas correntes cristãs ao longo da história, são
igualmente dignos de nota. O exemplo mais famoso, talvez, seja a desconsideração
pela qual essa carta foi tratada por Lutero, que a definia como “epístola
de palha”, pela sua aparente contradição em relação às Cartas de
Paulo, no que se refere ao papel da fé no processo da salvação.
Como a fé, na concepção de Lutero, possuía papel preponderante, senão
exclusivo, no processo de salvação, compreende-se sua rejeição a um
escrito, cuja natureza básica repousa no estabelecer uma conduta que
se sobreponha, em importância, à profissão de fé, e que chega a afirmar
que “[…] a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (2.17).
É importante destacar que, muitas vezes, os extremos exclusivistas,
que opõem fé e obras, surgem pela ênfase dada pelo leitor ou intérprete,
mais do que pela própria intenção dos autores dos textos do Novo Testamento.
Tanto em Paulo como em Tiago, as ações e a crença são elementos
importantes no processo de redenção do ser humano, embora cada um lance
luz sobre determinados aspectos da realidade, de acordo com o propósito,
contexto e situação em que estão inseridos. Acrescente-se a isso que
as obras, cujo valor Paulo questionava, possuíam, no primeiro século,
uma definição mais específica, dentro do contexto judaico-cristão, ao
qual ele se dirigia. Nesse contexto, a definição de obras estava intimamente
ligada às obras prescritas pelos grupos judaicos, dos quais se destacam
os fariseus. O justo é certamente aquele que conjuga os dois elementos,
já que a fé necessariamente influencia as ações e estas legitimam e
fortalecem a primeira.
Estrutura e temas
Temas e versículos:
Saudação e destinatários, 1.1.
A perseverança leva à perfeição, 1.2
a 4.
Como obter sabedoria, 1.5
a 8.
Dignidade e coisas passageiras, 1.9
a 11.
Feliz o que suporta a provação, 1.12.
A tentação não vem de Deus, 1.13
a 15.
Todo dom e dádiva vem de Deus, 1.16
e 17.
Fomos gerados por Deus, 1.18.
Conduta para falar, agir e irar-se 1.19
e 20.
O verbo (logos) em nós, 1.21
a 25.
A conduta do verdadeiro religioso, 1.26
e 27.
A fé verdadeira não faz acepção de pessoas, 2.1
a 9.
A Lei deve ser integralmente cumprida, 2.10
e 11.
Coerência, juízo e misericórdia, 2.12
e 13.
A fé sem obras é morta, 2.14
a 17.
Relação entre fé e obras, 2.18
a 26.
Os mestres receberão mais duro juízo, 3.1
e 2a.
A importância do uso correto da palavra, 3.2b
a 13.
O sábio verdadeiro se mostra pelas boas obras, 3.14
a 18.
A amizade do mundo é inimizade contra Deus, 4.1
a 10.
Não julgar o outro, 4.11
e 12.
Deus governa todos os projetos humanos, 4.13
a 16.
Obrigação de fazer o bem, 4.17.
Lamentação dos maus ricos, 5.1 a 6.
Exortação à paciência, 5.7 a 11.
Não jurar, 5.12.
O poder da oração e do louvor, 5.13 a 18.
Conversão dos desviados da verdade, 5.19 e 20.
Autoria, origem e datação
A questão da autoria tem sido motivo de debates ao longo dos séculos
e, entre os estudiosos, está longe de ser resolvida. Isso porque existem
quatro ou cinco (a depender da leitura que se faça de determinadas passagens)
indivíduos chamados Tiago no Novo Testamento. Os principais são:
A aceitação tardia desse escrito como cânone do Novo Testamento pode
estar igualmente relacionada com as dúvidas em relação de quem seria
a sua autoria, não se excluindo, inclusive, a hipótese de pseudografia.
Eusébio, no século IV, ainda fala das controvérsias envolvendo esta
carta; e o cânone de Muratori n não a incluiu. Caso se tivesse certeza
de que a carta foi da lavra de alguém ligado ao círculo apostólico ou
familiar de Jesus, muito provavelmente a carta seria mais facilmente
aceita.
Soma-se a isso a ausência de elementos internos que possam ajudar a
identificar o local de origem e temos um quadro de possiblidades bastante
amplo. Para os que defendem uma autoria do círculo mais íntimo de Jesus,
seja dos apóstolos, seja de sua família, a data de redação estaria entre
os anos 45 e 60, se trataria de um escrito produzido na Judeia e o autor
da epístola possuiria um papel importante na igreja de Jerusalém. Entre
os que defendem uma pseudografia, as datas variam de 90 a 130, e embora
haja predominância de identificar o local de redação como a Palestina,
há quem proponha que sua origem deve ser outra, como Alexandria, Cesareia
e até mesmo Roma.
Perspectiva espírita
Emmanuel, na obra Paulo e Estêvão, informa que o Tiago que
permanece em Jerusalém e que possui um importante papel naquela comunidade
trata-se do filho de Alfeu. A depreender dos traços de personalidade
destacados pelo benfeitor espiritual e da tendência que o apóstolo tinha
de evitar conflitos com o sacerdócio judaico e com o sinédrio, um escrito
que privilegiasse o impacto ético do Cristianismo e que se esquivasse
de colocar em evidência a superioridade do Cristo se ajustaria bem ao
teor de uma carta de sua lavra.
Existe outra importante referência a essa carta feita pelo Espírito
Irmão X no livro Pontos e contos, capítulo
35, intitulado Nas palavras do caminho. Ali, o autor espiritual
traz o pano de fundo que levou à redação do capítulo
3 da carta de Tiago, demonstrado qual experiência concreta levou
o autor a produzir uma das mais importantes reflexões sobre o uso da
língua pelo homem.
A discussão pormenorizada das implicações dessas informações, para o
entendimento do processo histórico de produção e redação da Carta de
Tiago, exigiria trazer um número muito grande de elementos e um tempo
que fugiriam aos propósitos das introduções que humildemente ofertamos
ao leitor, a título de panorâmica. Deixamos aqui a nossa recomendação
de que os que se interessarem mais por esses aspectos recorram às duas
referências acima mencionadas, bem como a outras referências presentes
na monumental obra psicografada por Francisco Cândido Xavier.
[1]
A palavra grega διασπορά (diasporá), aqui utilizada refere-se
ao processo de dispersão das 12 tribos de Israel pelo mundo conhecido. (Nota da Editora.)
[2]
Vem do grego χάπαξ λεγόμενα e significa “algo dito apenas uma
única vez”. Muito comum em textos bíblicos e, obviamente, em escritas
que ainda não foram inteiramente decifradas. (Nota da Editora.)
[3]
O Cânone Muratori, também conhecido por fragmento muratoriano, é uma
cópia da lista mais antiga que se conhece dos livros do Novo Testamento.
Escrito por volta do ano 150, indica o nome de Pio, bispo de Roma de
143 a 155, irmão de Hermas, autor de O pastor. É um manuscrito
do século VIII, cópia do original, descoberta na Biblioteca Ambrosiana
de Milão por Ludovico Antonio Muratori (1672-1750) e publicada em 1740.
Na lista figuram os nomes dos livros que o autor desconhecido da lista
considerava admissíveis, com alguns comentários. (Nota da Editora.)
Saulo Cesar Ribeiro da Silva.