Nova sessão espírita e novas perguntas respondidas pelo médium
PEDRO LEOPOLDO, † 23 (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — Desde que penetramos no pequeno aposento onde se realizam as reuniões, sentimos que o ambiente é pouco propício a uma rigorosa concentração.
A mesa acaba de instalar-se. A “corrente” é quase a mesma da vez passada. Apenas, no lugar que fora ocupado na sessão anterior pelo coronel Anísio Fróes, está agora o senhor Raul Henriot. E, em redor, os assistentes numerosos sucedem-se em fileiras cerradas, sentados, em pé, ou, os mais recuados, trepados em cadeiras.
À hora de costume, a sessão inicia-se da forma já por nós descrita. Unicamente desta vez, as perguntas não foram lidas por José Cândido durante a oração de abertura dos trabalhos. Ele as reuniu simplesmente diante do médium. Sob esse aspecto, a sessão é, pode-se dizer, quase que dedicada ao grande público: a não ser a indagação do advogado, a nossa, em alemão, e as que reservamos para a possibilidade de Humberto “descer”, todas as demais perguntas a que o médium terá de atender constam da correspondência aqui chegada. Assim estão ali invocações ao Espírito de Euclides da Cunha, † indagações sobre o que conterá um envelope lacrado por pessoas idôneas e devidamente guardado fora do alcance de todas as mãos e olhares, em Belo Horizonte, além de outras perguntas.
Inicia-se o “transe”
Finda a oração de abertura e após um momento de concentração tão profunda quanto possível, iniciam-se o transe e a corrida do lápis sobre o papel. A maioria dos assistentes não esconde sua curiosidade e o interesse de ver como se desenrola a atividade do médium naquele delicado instante. E é sob cerca de trinta olhares atentos que a mão veloz vai psicografando respostas e mensagens espontâneas do Além.
A orientação das gêmulas na formação dos embriões
A primeira pergunta a ser respondida foi exatamente a do Sr. Costa Carvalho Filho:
— “A ideia que preside à orientação das gêmulas na formação do embrião animal é da mesma natureza da que preside à formação dos embriões vegetais e dos cristais?”
Eis a resposta:
— “A teoria darwiniana das gêmulas constitui uma regra geral em todo o portentoso drama da evolução anímica.
“No reino mineral, vegetal, animal, incluindo-se o hominal, encontramo-la sempre representando os corpúsculos infinitésimos, operários perfeitos da hereditariedade. O assunto, porém, é por demais transcendente para que possamos resumi-lo nas duas linhas de uma resposta. — Emmanuel.”
Mais tarde, o Sr. Costa Carvalho fez-nos ver que, na ordem da citação “mineral, vegetal e animal”, a resposta segue estritamente o método científico na apreciação de tais fenômenos, aliás, obedecendo à própria ordem natural.
De onde provém o mal?
Outra pergunta:
— “Se o Bem provém de Deus, de onde provém o Mal?”
O lápis do médium assim grafou a resposta:
— “O mal em hipótese alguma pode provir de Deus, personificação do Amor supremo e da suprema Bondade. É necessário que se encare com justiça o conceito de Deus, evitando-se o encará-lo como o monarca do Céu que as religiões criaram com suas absurdas afirmativas. O Mal, já o disse um profundo pensador, é o Bem interpretado imperfeitamente. Está para o Bem como a noite está para o dia. Ele representa uma questão de julgamento imperfeito dos homens; contudo, para discutir tão transcendente problema, o qual já ensandeceu muito cérebro de teólogo consumado, é preciso tempo, ficando, portanto, essa tarefa para uma oportunidade mais de acordo com a necessidade do momento. — Emmanuel.”
A hora da morte…
Cai a seguir, sob o lápis do médium, uma folha com esta pergunta: — “A hora da morte obedece a uma lei ou é acidental?”
Eis a resposta dada:
— “A morte, em geral, ocorre sempre no instante determinado. Há, todavia, exceções e essas se verificam segundo o livre-arbítrio do homem. A liberdade individual está, pois, acima de todas as circunstâncias, e daí se depreende a necessidade da educação da vontade e disciplina de emoções de cada um. — Emmanuel.”
A mensagem inacabada
[O mal-entendido entre a ciência e a religião]
Finda essa resposta, há como que uma ligeira interrupção no transe. O presidente da mesa pede maior concentração e, por fim, o lápis volta a grafar. Não é, porém, uma resposta; é uma comunicação espontânea que diz assim:
— “Amigos assistis, nesses tempos da civilização contemporânea em seu auge de esplendor, ao mal-entendido secular que vem se verificando entre a ciência e a religião. Esta última, com a falência das suas instituições, recolheu-se na sua ousadia dogmática, enquanto a ciência guardou-se nos absurdos da negação. A religião, para Schleiermacher, significa o sentimento absoluto da nossa dependência; para Kant, representa a base de nossos deveres; todavia, o princípio religioso é a tendência de toda a criatura para a ideia de Deus e para a grandeza da sua imortalidade. A ciência não pode conceber o pensamento sem o cérebro e a vida fora da matéria organizada. Entre uma e outra vem se estabelecendo o conflito que apenas os séculos de estudo, de indagação e de análise poderão desfazer. Esse trabalho começa a se efetivar com os processos novos, inaugurados dentro do positivismo, mas, infelizmente, a alma ainda não pode ser encontrada dentro da indagação fria. A metapsíquica é ainda uma ciência infusa n não obstante o valor intelectual dos seus mestres e expositores. Nos tempos que passam, Deus ainda deve ser buscado com a sinceridade do coração, acima do escalpelo indagador. Não podemos, pois, pedir à fisiologia que nos ouça, que nos reconheça. Apenas convidamo-la ao estudo, cujos resultados constituirão uma série de benefícios para a coletividade sofredora…”
A essa altura, o lápis para, hesitante. Sente-se que ele quer continuar, mas lhe falta o impulso.
Terão a curiosidade e a aglomeração ambientes prejudicado a concentração?
José Cândido tenta restabelecer esta, mas inutilmente. Evidentemente, o transe sofreu nova interrupção, pois José resolve falar ao médium.
— Acabou?
Chico Xavier articula vaga e surdamente duas palavras que nos parecem:
— Hein?… Não.
Tenta-se de novo a concentração. O lápis volta a escrever em outra folha; mas não mais aquela mensagem. Notamos que são respostas.
[1] Ciência infusa: Ciência que se possui sem tê-la adquirido com o estudo ou a experiência.