O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice |  Princípio  | Continuar

Notáveis reportagens com Chico Xavier reproduzidas do jornal O Globo — Autores diversos


24

Homens de ciência e curiosos em grande romaria a Pedro Leopoldo!

PEDRO LEOPOLDO,  †  22 — (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — Inegavelmente, as sessões espíritas realizadas pelos irmãos Xavier se estão tornando verdadeiros acontecimentos cuja repercussão atrai já até gente do Rio. E, a manter-se na mesma proporção até agora observada, o aumento de assistentes para cada nova reunião, é evidente que, em breve, não poderá mais a casinha da rua Dr. Neiva conter, de forma alguma, a afluência dos que, locais ou vindos de fora, procuram assistir ao sensacional transe semanal do médium de Pedro Leopoldo.

Hoje, por exemplo, as anotações que tomamos, antes de se iniciar a sessão, acusam, no que se refere à presença de pessoas vindas do Rio, entre as quais o Sr. Aredio de Souza, conhecido negociante, homem viajado e de cultura geral; vindas de Belo Horizonte, entre várias outras, o Dr. Melo Teixeira, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da capital mineira; os Srs. Francisco e Carlos Goulart, engenheiros, André Aguiral, procurador de partes; Costa Carvalho Filho, advogado; Raul Henriot e Ovídio Corrêa; e de Pedro Leopoldo, os Srs. Amando Belizário, negociante e proprietário; Henrique Guatimozin, Manoel Melo Viana, escrivão municipal; Srs. Christiano Ottoni, Mauricio Azevedo, Jorge Frederico Laun, Ernesto Carneiro Santiago Júnior, Irineu Araújo, Fausto Joviano, os quatro últimos da Fazenda Experimental do Ministério da Agricultura, além de numerosas outras pessoas. Na sua maioria, não são, os presentes, espíritas declarados; apenas estudiosos ou amigos do médium, ou simples descrentes e curiosos da estirpe de Thomé — o santo.


Perguntas…


Já ao cair da noite, sentado na varanda do Hotel Diniz, o repórter medita. E, na expectativa da reunião próxima, daquele novo momento de contato rápido e impressionante com o mistério — vulgaridade para um dia futuro? — ele insiste, presunçoso!, em abstrair de si mesmo, para que, pela viseira de seus olhos, fique apenas a espiar, despersonalizado, o observador frio. Essa mesma presunção, entretanto, trai a pobre argila que palpita sob a rede de nervos estendidos do recinto arcano do Espírito até a porta aberta dos sentidos. E, insidiosamente, vem também postar-se, sob a viseira aberta, a alma curiosa…

Sim, dizemos “alma”, porque, francamente, no panorama da nossa vida orgânica, não percebíamos uma só exigência que nos convidasse àquela cisma absorvente, serena e sem o limite de uma referência palpável — como a noite que vinha caindo.

Acaso seriam as preocupações da nossa vida vegetativa que — no esquecimento momentâneo do ambiente onde há um ruído de talheres e um aroma de tangerinas — chamavam assim, à tona dos nossos pensamentos, a dúvida de Hamlet e as inquietações de Manfredo?

A verdade é que o ruído dos talheres não interessa, nem nos seduz o convite daquele aroma de tangerinas doces.

A paisagem se apaga, ao longe, com o fim do crepúsculo. E ao primeiro “passe” da grande feiticeira que já se vai adornando de lâmpadas e estrelas, a cisma cerra sobre nossos olhos as pálpebras inúteis. Mas,

My slumbers — if I slumber — are not sleep,

But a continuance of enduring thought,

Which then I can resist not: in my heart

There is a vigil, …

Manfred. Act I — By George Gordon, Lord Byron  † 

[Meu sono — se eu cochilo — não é sono,

Mas uma continuação do pensamento duradouro,

Que então eu não posso resistir: em meu coração

Há uma vigília,… ]

E esse pensamento que vela sobre o torpor das pálpebras caídas, teima em debruçar-se sobre um abismo de reticências.

“Morrer, dormir, talvez sonhar…” Quem sabe?…

E dessa [questão] nasce um mundo de perguntas outras.

O locutório do Além vai de novo abrir-se para nós… Tentemos…

O redemoinho das nossas indagações estaca, porém, e desfaz-se ao som claro de uma voz da realidade.


A alma do cristal


Ao nosso lado está agora um jovem advogado de Belo Horizonte. É o Sr. Costa Carvalho Filho. Depois, vêm outras pessoas que pouco depois veríamos entre os assistentes, na casa de José Cândido.

Discute-se então uma pergunta que o advogado deseja fazer ao médium, mas que:

— Oh! A isso ele não poderá responder. É assunto muito complexo, vasto. Será possível que esse rapazinho…

— Mas não é ele, são os Espíritos, será Emmanuel! — observa um entusiasta de Chico Xavier.

O Sr. Costa Carvalho, porém, hesita. Não quer parecer exagerado. E a propósito do tema que o preocupa e o qual queria tirar uma pergunta destinada ao médium. relembra:

— De acordo com a teoria de Darwin, corroborada pelas ideias de Haeckel,  †  fiz ver, em um trabalho publicado há cerca de dois anos, a gradação das qualidades psíquicas por nuanças imperceptíveis, do homem ao cristal. No homem quis ver a cúpula psíquica do nosso conhecimento; no cristal, o germe da nossa alma.

Relembrando aí a constante que, segundo indica a cristalografia, se observa nas diversas formas geométricas assumidas pelos cristais, dentro de uma espécie de lei de hereditariedade, o Sr. Costa Carvalho indica-nos o ponto de onde nascera sua indagação:

— Observando-se que os nossos conhecimentos, não descendo embora à intimidade dos fenômenos, deixam, todavia, ver a identidade do fenômeno “memória anímica” e “memória cristalográfica”, eu gostaria de, através de uma pergunta ao médium, chegar até aquela intimidade. Parece-me, porém, que seria um exagero, tal indagação.

Mas, exatamente por parecer um exagero é que os admiradores do médium incitam o advogado a levar-lhe a sua consulta.

O Sr. Costa Carvalho cede, afinal, e grafa, ao alto de uma folha em branco, uma longa pergunta que ninguém pôde ler no momento. Só pouco depois, na sessão, foi ela assim anunciada:

A ideia que preside à orientação das gêmulas na formação do embrião animal é da mesma natureza da que preside à formação dos embriões vegetais e dos cristais?

Na esperança de que Humberto venha


Em vista da intenção do Dr. Costa Carvalho, deixamos ao jovem advogado a iniciativa das perguntas complexas. Quanto a nós, compareceríamos à sessão com algumas indagações singelas grafadas na esperança de que Humberto de Campos atendesse ao apelo que lhe iríamos fazer no sentido, por exemplo, de saber se no Além, dentro da nova lei que rege a vida espiritual nos altos Planos intangíveis para onde se recolhem a almas desencarnadas, estaria ele agora satisfeito com o sentido que assumira na Terra sua obra literária, tão variada e vasta, mas sempre também tão humana e sentida.

Contudo, a intenção dos “testes” continuava acesa em nós.

E foi assim que, ao entrarmos na sala da sessão repleta, não resistimos ao desejo de traçar ao alto de mais uma folha esta indagação destinada, mentalmente, a Emmanuel:

Kann ein Geist einen lebendigen freund besuchen? [Pode um Espírito visitar um amigo que vive?]


(O Globo, 28/5/1935.)


Clementino de Alencar


Abrir