PEDRO LEOPOLDO, † 16 (Especial para O GLOBO, por Clementino de Alencar) — A segunda sessão espírita a que iríamos assistir, ontem à noite, na casa de José Xavier, assumia, tanto para a reportagem como para a curiosidade pública, uma significação ainda mais fascinante, mais empolgante do que a anterior, e isso, por esta razão muito simples e muito extraordinária a um tempo: divulgara-se, pela cidade, que — para falarmos em linguagem puramente jornalística — o repórter, de certa forma, havia como que aberto, segundo expusemos em correspondência anterior, uma impressionante possibilidade de entrevistas com o Além… E isso viera desencadear ainda com mais violência a torrente da curiosidade.
O oráculo
— O jornalista fez a pergunta e Chico, zás, respondeu…
— Deveras?!…
— Depois foi o médico…
Depois o advogado. E lembra-se o caso do senhor de Sete Lagoas que, ainda há pouco tempo, preocupado com certos problemas de economia política, fizera, ao médium em transe, uma indagação mais ou menos nestes termos:
— A economia dirigida é um mal? [v. cap. 22] — indagação essa que tivera pronta resposta?
E assim vão o comentário e a surpresa popular esboçando, numa sistematização, aliás justificada, a nova fase do caso Chico Xavier, e na qual o médium humílimo avulta, de improviso, como um sereno oráculo postado na encruzilhada inevitável das dúvidas e da fé, no ponto exato de confluência das indagações vindas da razão ou da crença incondicional.
Delfos assoma, de novo, ao horizonte, no rumo de Pedro Leopoldo.
A romaria espiritual
A expectativa era, pois, grande, e, desde cedo, já se tinha como certa a participação, na assistência, de gente de fora, vinda de Belo Horizonte e de Sete Lagoas.
Sondando a atmosfera, sentimos no ar claro em que a cidade se deixa embalar, bonita e saudável, uma aura sutil de mistério, a vaga palpitação — expectativa e ansiedade — de uma romaria espiritual que marchasse ao encontro das revelações.
A ronda das indagações
Com o andar das horas se vai delineando melhor a ronda das indagações que confluirão à noite, de certo, para a casinha pobre de José Cândido.
À notícia, agora mais repetida e confirmada, de que Chico Xavier recebe mensagens em línguas estrangeiras, não falta quem externe até o desejo de ver o médium poliglota escrever em árabe e em chinês.
Adianta-se, em outras rodas, que, alvoroçado com a entrevista sobre as possibilidades de implantação de um regime extremista no país, conseguida pelo repórter, o professor Tão Júnior pretende levar, ao esclarecimento das luzes do outro mundo, uma pergunta patriótica, a um grande vulto desaparecido, sobre o que de remediável e irremediável por ventura exista na atual situação brasileira…
Até um boato
Até um boato corre, veiculado por certo jornal de Belo Horizonte: um amante da boa música, ali residente, estaria disposto a vir a Pedro Leopoldo a fim de pedir a Schubert † que este, por intermédio de Chico Xavier, concluísse a “Sinfonia Inacabada”, † agora que, na vida do Além — onde os Espíritos não têm sexo — a condessinha de Esterhazy n já deve estar de há muito liberta das homenagens tocantes do amor terreno.
Outra entrevista?
O repórter participa também da ronda curiosa. E, ao cair da noite, na mesa do Hotel Diniz, seus pensamentos se mostram fugidios para com o ambiente e a palestra. Parece que ele se debruça sobre o prato; mas, na verdade, sua atenção insistente cuida em colher, na pradaria imensa onde florescem as dúvidas e os enigmas o ramo discreto com que ele deseja comparecer ante os emissários luminosos do Além.
Às vezes, as risadas estrugem, em redor, acesas pelo anedotário da região.
Fulaninha, ainda uma vez comparece, na anedota do casamento: “Fulaninha arranjara um marido, depois de espalhar, pela região, que possuía 20 bois, vinte porcos, etc., tudo na mesma conta, mas tudo também inexistente. Casada partiu para o lar e a lua-de-mel, dizendo, do trem, com um aceno, aos que ficavam na estação:
— Boa viagem, feliz regresso!…
Fulaninha, entretanto, parece que estranhou um pouco a vida de casada. Tanto assim que, pouco depois, escrevia para as suas amigas:
— Que diferença da casa paternal para a casa maridal!…
Enquanto assim era relembrada a Fulaninha, no irrequieto papel que lhe tocara para a comédia humana, detinham-se nisto as nossas cogitações: — Onde estará a Vida, na morte ou na vida?…
Uma série de perguntas
Pouco depois, no quarto, quinze minutos antes da sessão, debruçamo-nos definitivamente sobre o papel e sobre o mistério e traçamos estas quatro perguntas:
— Continua a alma a lutar pelo seu aperfeiçoamento, na vida do Além?
— Está o mundo subconsciente subordinado às funções corporais?
— Esclarecei-nos sobre o fenômeno do Sonho.
— Podereis elucidar-nos sobre os instintos e suas variedades?
Escrevemos cada pergunta numa página. Metemos no bolso as quatro folhas dobradas.
E partimos como o grego antigo no rumo de Delfos. †
Clementino de Alencar
[1] Condessa Almerie ESTERHAZY (nome de casada MURRAY 1789-1848). Uma jovem da família Esterhazy, (aristocratas de Almérie), nasceu na França, reabre este debate com a sua inexplicável chegada em cena. Pianista conceituada, ela contava com a vantagem de pertencer a uma família que tinha laços de amizades com Beethoven e de estar no lugar certo na hora certa. Por fim, casou-se com um rico oficial. — Jaroslav CELEDA – 1960, publicações póstumas em 2001.