1.
Retomando a companhia de Calderaro, na manhã luminosa, absorvia-me o
propósito de enriquecer noções pertinentes às manifestações da vida
próxima à Esfera física.
2 Admitido à colônia espiritual,
que me recebera com extremado carinho, conhecia de perto alguns instrutores
e fiéis operários do bem.
3 Inquestionavelmente,
vivíamos todos em intenso trabalho, com escassas horas reservadas a
excursões de entretenimento; demais, fruíamos ambiente de felicidade
e alegria a favorecer-nos a marcha evolutiva. 4
Nossos templos constituíam, por si sós, abençoados núcleos de conforto
e de revigoramento. Nas associações culturais e artísticas encontrávamos
a continuidade da existência terrestre, enriquecida, porém, de múltiplos
elementos educativos. 5
O campo social regurgitava de oportunidades maravilhosas para a aquisição
de inestimáveis afeições. Os lares, em que situávamos o serviço diuturno,
erguiam-se entre jardins encantadores, quais ninhos tépidos e venturosos
em frondes perfumadas e tranquilas.
6 Não nos faltavam determinações
e deveres, ordem e disciplina; entretanto, a serenidade era nosso clima,
e a paz, nossa dádiva de cada dia.
7 Arremessara-nos
a morte a atmosfera estranha à luta física. A primeira sensação fora
o choque. Empolgara-nos o imprevisto. Continuávamos vivendo, apenas
sem a máquina fisiológica, mas as novas condições de existência não
significavam subtração da oportunidade de evolver. Os motivos de competição
benéfica, as possibilidades de crescimento espiritual haviam lucrado
infinitamente. 8 Podíamos
recorrer aos poderes superiores, entreter relações edificantes, tecer
esperanças e sonhos de amor, projetar experiências mais elevadas no
setor reencarnacionista, aprimorando-nos no trabalho e no estudo e dilatando
a capacidade de servir.
9 Em suma, a passagem pelo
sepulcro conduzira-nos a uma vida melhor; mas… e os milhões que transpunham
o estreito limiar da morte, permanecendo apegados à Crosta da Terra?
10 Incalculáveis
multidões desse gênero mantinham-se na fase rudimentar do conhecimento;
apenas possuíam algumas informações primárias da vida; 11
exoravam amparo dos Espíritos Superiores, como as tribos primitivas
reclamam o concurso dos homens civilizados; precisavam de desenvolver
faculdades, como as crianças de crescer; 12
não permaneciam chumbadas à Esfera carnal por maldade, senão que se
demoravam, hesitantes, no chão terreno, como os pequeninos descendentes
dos homens se conchegam ao seio materno; 13
guardavam da existência apenas a lembrança do campo sensitivo, reclamando
a reencarnação quase imediata quando lhes não era possível a matrícula
em nossos educandários de serviço e aprendizado iniciais. 14
Por outro lado, verdadeiras falanges de criminosos e transviados agitavam-se,
não longe de nós, depois de haverem transposto as fronteiras do túmulo;
consumiam, por vezes, inúmeros anos entre a revolta e a desesperação,
personificando hórridos gênios da sombra, como ocorre, nos Círculos
terrenos, com os delinquentes contumazes, segregados da sociedade sadia;
mas sempre terminavam a corrida louca nos desvãos escuros do remorso
e do sofrimento, penitenciando-se, por fim, de suas perversidades. 15
O arrependimento é, porém, caminho para a regeneração e nunca passaporte
direto para o Céu, razão pela qual esses infelizes formavam quadros
vivos de padecimento e de horror.
16 Em várias experiências,
via-os conturbados e aflitos, assumindo formas desagradáveis ao olhar.
17 Nos casos de obsessão
convertiam-se em recíprocos algozes, ou, então, em verdugos frios das
vítimas encarnadas; 18
quando errantes ou circunscritos aos vales de punição, aterravam sempre
pelos espetáculos de dor e de miséria sem limites.
19 No entanto, era forçoso
convir, eles, os desventurados, e nós outros, que continuávamos trabalhando
em ritmo normal, atravessáramos portas idênticas. Talvez, em muitos
casos, houvéssemos abandonado o invólucro material sob o assédio de
doenças análogas. Isto considerando, e por desejar conhecer a Divina
Lei, que não concede paraísos de favor, nem estabelece infernos eternais,
confrangia-me o contemplar as imensas fileiras de infortunados.
20 Efetivamente, identificara
numerosos deles em câmaras retificadoras, através de múltiplas instituições
de beneficência; todavia, esses, situados na zona de amparo fraterno,
apresentavam a seu favor sintomas de melhora quanto ao reconhecimento
das próprias falhas ou aos créditos espirituais de que gozavam, mercê
de certas forças intercessoras.
21 Os infelizes, a que aludimos,
provinham, porém, de outras origens. Eram os ignorantes, os revoltados,
os perturbadores e os impenitentes, de alma impermeável às advertências
edificantes, os enfatuados e os vaidosos dos mais vários matizes, perseverantes
no mal, dissipadores da energia anímica, em atitudes perversas diante
da vida.
22 Meu contato com eles, em
diversas ocasiões, fora simples encontro fortuito, sem maior significação
para meu esclarecimento.
23 Por que motivo
se demoravam tanto no hemisfério obscuro da incompreensão? Adiavam,
deliberadamente, a recepção da luz? Não lhes doeria a condição de seres
condenados, por si mesmos, a longas penas? Não experimentariam vergonha
pela perda voluntária de tempo? 24
Muita vez, surpreendia-me a contemplá-los… Os traços fisionômicos de
muitos desses desventurados pareciam monstruoso desenho, provocando
ironia e piedade. Que lei regeria a estereotipação de suas formas? Tê-los-ia
olvidado a mãe-natureza, pródiga de bênçãos em todos os Planos, ou recebiam
eles esses traços de apresentação pessoal como castigo imposto por superiores
desígnios?
25 Tais interrogações que me
esfervilhavam no cérebro me punham aflito por viver a possibilidade
que se me oferecia.
Aproximei-me de Calderaro, naquela manhã, sedento de saber. Expus-lhe minhas indagações íntimas, relatei-lhe aos ouvidos tolerantes minha expectativa ansiosa, longamente sofreada; pretendia conhecer os que se entretinham na maldade, no crime, na inconformação.
26 Meu amigo escutou calmo,
sorriu benevolamente e começou por esclarecer:
— Antes de mais nada, André, modifiquemos o conceito. Para transformar-nos em legítimos elementos de auxílio aos Espíritos sofredores, desencarnados ou não, é-nos imprescindível compreender a perversidade como loucura, a revolta como ignorância e o desespero como enfermidade.
27 Ante a minha perplexidade,
acrescentou, fraternal:
— Entendeste? Estas definições, em verdade, não são minhas. Aprendemo-las do Cristo, em seu trato divino com a nossa posição de inferioridade, na Crosta Terrestre.
28 Julguei que o Instrutor
se estendesse em longa exposição verbalista, relativa ao assunto, trazendo
referências preciosas e comentando experiências pessoais. Nada disto;
Calderaro informou-me simplesmente:
29 — A cegueira
do espírito é fruto da espessa ignorância em manifestações primárias
ou do obnubilamento da razão nos estados de aviltamento do ser. 30
Nosso interesse, no socorro à mente desequilibrada, é analisar este
último aspecto da sombra que pesa sobre as almas; assim sendo, faz-se
mister saberes alguma coisa da loucura no âmbito da civilização. 31
Para isto, convém estudarmos, mais detidamente, o cérebro do homem encarnado
e o do homem desencarnado em posição desarmônica, por situarmos aí o
órgão de manifestação da atividade espiritual.
32 Desejaria continuar ouvindo-o
nas explicações claras e convincentes, a lhe fluírem dos lábios, mas
Calderaro silenciou para afirmar, passados alguns instantes:
— Não disponho de muito tempo para discretear de matéria estranha aos meus serviços; todavia, lidaremos juntos, convictos de que, trabalhando nas boas obras, aprenderemos sempre a ciência da elevação.
33 Sorriu, fraternal, e rematou:
— O verbo gasto em serviços do bem é cimento divino para realizações imorredouras. Conversaremos, pois, servindo aos nossos semelhantes de modo substancial, e nosso lucro será crescente.
Calei-me, edificado.
2.
Daí a minutos, acompanhando-o, penetrei vasto hospital, detendo-nos
diante do leito de certo enfermo, que o Assistente deveria socorrer.
2 Abatido e pálido,
mantinha-se ele unido a deplorável entidade de nosso Plano, em míseras
condições de inferioridade e de sofrimento. 3
O doente, embora quase imóvel, acusava forte tensão de nervos, sem perceber,
com os olhos físicos, a presença do companheiro de sinistro aspecto.
4 Pareciam visceralmente
jungidos um ao outro, tal a abundância de fios tenuíssimos que mutuamente
os entrelaçavam, desde o tórax à cabeça, pelo que se me afiguravam dois
prisioneiros de uma rede fluídica. 5
Pensamentos de um deles com certeza viveriam no cérebro do outro. Comoções
e sentimentos seriam permutados entre ambos com matemática precisão.
6 Espiritualmente,
estariam, de contínuo, perfeitamente identificados entre si. Observava-lhes,
admirado, o fluxo de comuns vibrações mentais.
7 Dispunha-me a comentar o
fenômeno, quando Calderaro, percebendo-me a intenção, se adiantou, recomendando:
— Examina o cérebro de nosso irmão encarnado.
8 Concentrei-me na contemplação
do delicado aparelho, centralizando toda a minha capacidade visual,
de modo a analisá-lo interiormente.
9 O envoltório craniano,
ante meus poderes visuais intensificados, não apresentava resistência.
Como reparara de outras vezes, ali estava o complicado departamento
da produção mental, semelhando-se a laboratório dos mais complexos e
menos acessíveis. 10
As circunvoluções separadas entre si, reunidas em lóbulos, igualmente
distanciados uns dos outros pelas cissuras, davam-me a ideia de um aparelho
elétrico, quase indevassado pelos homens. 11
Comparando os dois hemisférios, recordei as designações da terminologia
clássica, e demorei-me longos minutos reparando as especiais disposições
dos nervos e as características da substância cinzenta.
12 A voz do meu orientador
quebrou o silêncio, exclamando inopinadamente:
— Observa a sinalização.
13 Assombrado, notei,
pela primeira vez, que as irradiações emitidas pelo cérebro continham
diferenças essenciais. Cada centro motor assinalava-se com peculiaridades
diversas, através das forças radiantes. 14
Descobri, surpreso, que toda a província cerebral, pelos sinais luminosos,
se dividia em três regiões distintas. Nos lobos frontais, as zonas de
associação eram quase brilhantes. Do córtex motor, situado ao centro do crânio, até a extremidade
da medula espinhal, a claridade diminuía, para tornar-se ainda mais
fraca nos gânglios basais.
15 Já despendia alguns minutos
na contemplação das células nervosas, quando o Assistente me aconselhou:
— Examinaste o cérebro do companheiro que ainda se prende ao veículo denso; observa, agora, o mesmo órgão no amigo desencarnado que o influencia de modo direto.
16 A entidade, que não se dava
conta de nossa presença, em virtude do círculo de vibrações grosseiras
em que se mantinha, fixava toda a atenção no doente, lembrando a sagacidade
de um felino vigiando a presa.
17 Observei-lhe estranha ferida
na região torácica, e dispunha-me a investigar-lhe a causa, sondando
os pulmões; quando Calderaro me corrigiu sem afetação:
— Trataremos da chaga no trabalho de assistência. Concentra as possibilidades da visão no cérebro.
18 Decorridos alguns
momentos, concluí que, à parte a configuração das peças e o ritmo vibratório,
tinha sob os olhos dois cérebros quase idênticos. Diferia o campo mental
do desencarnado, revelando alguma superioridade no terreno da substância,
que, no corpo perispiritual, era mais leve e menos obscura. 19
Tive a impressão de que, se lavássemos, por dentro, o cérebro do amigo
estirado no leito, escoimando-o de certos corpúsculos mais pesados,
seria ele quase igual, em essência, ao da entidade que eu mantinha sob
exame. As divisões luminosas, porém, eram em tudo análogas. Mais luz
nos lobos frontais, menos luz no córtex motor e quase nenhuma na medula
espinhal, onde as irradiações se faziam difusas e opacas.
20 Interrompi o estudo comparativo,
depois de acurada perquirição, e fixei Calderaro em silenciosa interrogativa.
3.
O prestimoso mentor argumentou, sorridente:
— Depois da morte física, o que há de mais surpreendente para nós é
o reencontro da vida. 2
Aqui aprendemos que o organismo perispirítico que nos condiciona em
matéria mais leve e mais plástica, após o sepulcro, é fruto igualmente
do processo evolutivo. 3
Não somos criações milagrosas, destinadas ao adorno de um paraíso de
papelão. Somos filhos de Deus e herdeiros dos séculos, conquistando
valores, de experiência em experiência, de milênio a milênio. 4
Não há favoritismo no Templo Universal do Eterno, e todas as forças
da Criação aperfeiçoam-se no Infinito. A crisálida de consciência, que
reside no cristal a rolar na corrente do rio, aí se acha em processo
liberatório; as árvores que por vezes se aprumam centenas de anos, a
suportar os golpes do Inverno e acalentadas pelas carícias da Primavera,
estão conquistando a memória; a fêmea do tigre, lambendo os filhinhos
recém-natos, aprende rudimentos do amor; o símio, guinchando, organiza
a faculdade da palavra. 5
Em verdade, Deus criou o mundo, mas nós nos conservamos ainda longe
da obra completa. Os seres que habitam o Universo ressumbrarão suor
por muito tempo, a aprimorá-lo. Assim também a individualidade. Somos
criação do Autor Divino, e devemos aperfeiçoar-nos integralmente. O
Eterno Pai estabeleceu como lei universal que seja a perfeição obra
de cooperativismo entre Ele e nós, os seus filhos.
6 O mentor silenciou por instantes,
sem que me acudisse ânimo suficiente para trazer qualquer comentário
aos seus elevados conceitos.
Logo após, indicou-me a medula espinhal e continuou:
— Creio ociosa qualquer alusão aos trabalhos primordiais do nosso longo
drama de vida evolutiva. 7
Desde a ameba, na tépida água do mar, até o homem, vimos lutando, aprendendo
e selecionando invariavelmente. Para adquirir movimento e músculos,
faculdades e raciocínios, experimentamos a vida e por ela fomos experimentados,
milhares de anos. 8
As páginas da sabedoria hinduísta são escritos de ontem, e a Boa-Nova
de Jesus-Cristo é matéria de hoje, comparadas aos milênios vividos por
nós, na jornada progressiva.
4.
Depois de fazer com a destra significativo gesto, prosseguiu:
— No sistema nervoso, temos o cérebro inicial, repositório dos movimentos
instintivos e sede das atividades subconscientes; figuremo-lo como sendo
o porão da individualidade, onde arquivamos todas as experiências e registamos os menores fatos da vida. 2
Na região do córtex motor, zona intermediária entre os lobos frontais
e os nervos, temos o cérebro desenvolvido, consubstanciando as energias
motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações imprescindíveis
no atual momento evolutivo do nosso modo de ser. 3
Nos planos dos lobos frontais, silenciosos ainda para a investigação
científica do mundo, jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos
gradualmente, no esforço de ascensão, representando a parte mais nobre
de nosso organismo divino em evolução.
4 Os esclarecimentos singelos
e admiráveis empolgavam-me. Calderaro era educador da mais elevada estirpe.
Ensinava sem cansar, sabia conduzir o aprendiz a conhecimentos profundos
sem nenhum sacrifício da parte do aluno.
5 Apreciava-lhe eu a nobreza,
quando prosseguiu, findo breve intervalo:
— Não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos
apenas um que, porém, se divide em três regiões distintas. 6
Tomemo-lo como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos
a “residência de nossos impulsos automáticos”, simbolizando o sumário
vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o “domicílio das
conquistas atuais”, onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres
que estamos edificando; no terceiro, temos a “casa das noções superiores”,
indicando as eminências que nos cumpre atingir. 7
Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço
e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada.
Distribuímos, deste modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente
e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado,
o presente e o futuro.
5.
Verificando-se pausa mais longa, dei curso às ponderações íntimas, segundo
antigo vezo de inquirir.
2 As preciosas explicações
que ouvira não poderiam ser mais simples, nem mais lógicas. Entretanto,
perquiria a mim mesmo: o cérebro de um desencarnado seria também suscetível
de adoecer? Sabia eu que a substância cinzenta, no mundo carnal, podia
ser acometida pelos tumores, pelo amolecimento, pela hemorragia; mas
na Esfera nova, a que a morte me conduzira, que fenômenos mórbidos assediariam
a mente?
3 Calderaro registou-me as
indagações e esclareceu:
— Não discutiremos aqui as moléstias físicas propriamente ditas. Quem
acompanha, como nós, desde muito tempo, o ministério dos psiquiatras
verdadeiramente consagrados ao bem do próximo, conhece, à saciedade,
que todos os títulos de gratidão humana permanecem inexpressivos ante
o apostolado de um Paul Broca, ( † ) n que identificou a enfermidade do centro
da palavra, ou de um Wagner Jauregg, ( † ) que se dedicou à cura da paralisia,
em perseguição ao espiroqueta da sífilis, até encontrá-lo no recesso
da matéria cinzenta, perturbando as zonas motoras. 4
Diante de fenômenos como estes, é compreensível a quebra da harmonia
cerebral em consequência de compulsoriamente se arredarem das aglutinações
celulares do campo fisiológico os princípios do corpo perispiritual;
essas aglutinações ficam, então, desordenadas em sua estrutura e atividades
normais, qual acontece ao violino incapacitado para a execução perfeita
dum trecho melódico, por trazer uma ou duas cordas desafinadas. 5
Não devemos, nem podemos ignorar as leis que regem os domínios da forma…
Daí a impossibilidade de querermos “psicologia equilibrada” sem “fisiologia
harmoniosa”, na esfera da ciência humana: isto é caso pacífico. Referir-nos-emos
tão só às manifestações espirituais em sua essência. 6
Indagas se a mente desencarnada pode adoecer… Que pergunta! Cuidas que
a maldade deliberada não seja moléstia da alma? Que o ódio não constitua
morbo terrível? Supões, porventura, não haja “vermes mentais” da tristeza
e da inconformação? 7
Embora tenhamos a felicidade de agir num corpo mais sutil e mais leve,
graças à natureza de nossos pensamentos e aspirações, já distantes das
zonas grosseiras da vida que deixamos, não possuímos ainda o cérebro
dos anjos. 8 Constitui-nos
incessante trabalho a conservação de nossa forma atual, a caminho de
conquistas mais alcandoradas; não podemos descansar nos processos iluminativos;
cumpre-nos purificar sempre, selecionar pendores e joeirar concepções,
de molde a não interromper a marcha. 9
Milhões vivem aqui, na posição em que nos achamos, mas outros milhões
permanecem na carne ou em nossas linhas mais baixas de evolução, sob
o guante de atroz demência. 10
É para esses que devemos cogitar da patologia do espírito, socorrendo
os mais infelizes e interferindo fraternal e indiretamente na solução
de problemas escabrosos em cujos fios negros se enredam. São duendes
em desespero, vítimas de si mesmos, em terrível colheita de espinhos
e desilusões. 11
O corpo perispiritual humano, vaso de nossas manifestações, é, por ora,
a nossa mais alta conquista na Terra, no capítulo das formas. 12
Para as almas esclarecidas, já iluminadas de redentora luz, representa
ele uma ponte para o campo superior da vida eterna, ainda não atingido
por nós mesmos; para os Espíritos vulgares, é a restrição indispensável
e justa; para as consciências culpadas, é cadeia intraduzível, pois,
além do mais, regista os erros cometidos, guardando-os com todas as
particularidades vivas dos negros momentos da queda. 13
O gênero de vida de cada um, no invólucro carnal, determina a densidade
do organismo perispirítico após a perda do corpo denso. 14
Ora, o cérebro é o instrumento que traduz a mente, manancial de nossos
pensamentos. Através dele, pois, unimo-nos à luz ou à treva, ao bem
ou ao mal.
15 Percebendo a
atenção com que lhe seguia os preciosos esclarecimentos, Calderaro sorriu
significativamente e perguntou:
— Compreendeste?
16 Indicando os dois sofredores,
ao nosso lado, prosseguiu:
— Examinamos aqui dois enfermos: um, na carne; outro, fora dela. Ambos
trazem o cérebro intoxicado, sintonizando-se absolutamente um com o
outro. 17 Espiritualmente,
rolaram do terceiro andar, n onde situamos as concepções superiores, e,
entregando-se ao relaxamento da vontade, deixaram de acolher-se no segundo
andar, sede do esforço próprio, perdendo valiosa oportunidade de reerguer-se;
caíram, destarte, na esfera dos impulsos instintivos, onde se arquivam
todas as experiências da animalidade anterior. 18
Ambos detestam a vida, odeiam-se reciprocamente, desesperam-se, asilam
ideias de tormento, de aflição, de vingança. Em suma, estão loucos,
embora o mundo lhes não vislumbre o supremo desequilíbrio, que se verifica
no íntimo da organização perispiritual.
19 Dispunha-me a desfiar longa
lista de perguntas alusivas às duas personagens em foco, mas o interlocutor
iniciou o serviço de assistência direta, e, impondo a destra no lobo
frontal esquerdo do doente encarnado, falou-me, afável:
— Cala, meu amigo, tuas ansiosas indagações. Acalma-te. No transcurso
de nossos trabalhos explicar-te-ei quanto estiver ao alcance de meus
conhecimentos.
André Luiz
[1] [No original: “Júlio Brocá,”]
[2] [No original: “rolaram do primeiro andar,” vide item 4, indicador 6.]