1.
Enriquecendo as alegrias da reunião, Lísias deu-me a conhecer novos
valores da sua cultura e sensibilidade. Dedilhando com maestria as cordas
da cítara, nos fez lembrar velhas canções e melodias da Terra.
2 Dia verdadeiramente maravilhoso!
Sucediam-se júbilos espirituais, como se estivéssemos em pleno paraíso.
Quando me vi a sós com o bondoso enfermeiro do Auxílio, procurei transmitir-lhe minhas sublimes impressões.
3 — Não tenha dúvida!
— Disse, sorrindo, — quando nos reunimos àqueles a quem amamos, ocorre
algo de confortador e construtivo em nosso íntimo. É o alimento do amor,
André. 4 Quando numerosas
almas se congregam no círculo de tal ou qual atividade, seus pensamentos
se entrelaçam, formando núcleos de força viva, através dos quais cada
um recebe seu quinhão de alegria ou sofrimento, da vibração geral. 5
É por essa razão que, no planeta, o problema do ambiente é sempre fator
ponderável no caminho de cada homem. Cada criatura viverá daquilo que
cultiva. Quem se oferece diariamente à tristeza, nela se movimentará;
quem enaltece a enfermidade, lhe sofrerá o dano.
6 Observando-me a estranheza,
concluiu:
— Não há nisto mistério. É lei da vida, tanto nos esforços do bem, como nos
movimentos do mal. 7
Das reuniões de fraternidade, de esperança, de amor e de alegria, sairemos
com a fraternidade, a esperança, o amor e a alegria de todos; mas, de
toda assembleia de tendências inferiores, em que predominam o egoísmo,
a vaidade ou o crime, sairemos envenenados com as vibrações destrutivas
desses sentimentos.
8 — Tem razão! — Exclamei,
comovido; — vejo nisso, igualmente, os princípios que regem a vida nos
lares humanos. Quando há compreensão recíproca, vivemos na antecâmara
da ventura celeste, e, se permanecemos em desentendimento e maldade,
temos o inferno vivo.
Lísias teve uma expressão de bom humor, confirmando a sorrir.
2.
Foi, então, que me lembrei de interpelá-lo sobre uma cousa que, de algumas
horas, me torturava a mente. 2
Referira-se o Governador, quando nos dirigiu a palavra, aos Círculos
da Terra, do Umbral e das Trevas, mas, francamente, não tinha eu, até
então, qualquer notícia deste último Plano. 3
Não seria região trevosa o próprio Umbral, onde vivera, por minha vez,
em sombras densas, durante anos consecutivos? Não via, nas Câmaras,
numerosos desequilibrados e doentes de toda espécie, procedentes das
zonas umbralinas? 4
Recordando que Lísias me dera esclarecimentos tão valiosos da minha
própria situação, no início da minha experiência em “Nosso Lar”, confiei-lhe
minhas dúvidas íntimas, expondo-lhe a perplexidade em que me encontrava.
5 Ele esboçou uma fisionomia
bastante significativa, e falou:
— Chamamos Trevas às regiões mais inferiores que conhecemos. 6
Considere as criaturas como itinerantes da vida. Alguns poucos seguem
resolutos, visando ao objetivo essencial da jornada. São os Espíritos
nobilíssimos, que descobriram a essência divina em si mesmos, marchando
para o alvo sublime, sem vacilações. 7
A maioria, no entanto, estaciona. Temos então a multidão de almas que
demoram séculos e séculos, recapitulando experiências. 8
Os primeiros seguem por linhas retas. Os segundos caminham descrevendo
grandes curvas. 9 Nessa
movimentação, repetindo marchas e refazendo velhos esforços, ficam à
mercê de inúmeras vicissitudes. Assim é que muitos costumam perder-se
em plena floresta da vida, perturbados no labirinto que tracejam para
os próprios pés. Classificam-se, aí, os milhões de seres que perambulam
no Umbral. 10 Outros,
preferindo caminhar às escuras, pela preocupação egoística que os absorve,
costumam cair em precipícios, estacionando no fundo do abismo por tempo
indeterminado. Compreendeu?
3.
As elucidações não poderiam ser mais claras. Sensibilizado, porém, com
a extensão e complexidade do assunto, ponderei:
— Entretanto, que me diz dessas quedas? Verificam-se apenas na Terra? Somente os encarnados são suscetíveis de precipitação no despenhadeiro?
2 Lísias pensou um minuto
e respondeu:
— Sua observação é oportuna. Em qualquer lugar, o Espírito pode precipitar-se nas furnas do mal, salientando-se, porém, que nas Esferas superiores as defesas são mais fortes, imprimindo-se, consequentemente, mais intensidade de culpa na falta cometida.
3 — Entretanto, — objetei,
— a queda sempre me pareceu impossível nas regiões estranhas ao corpo
terreno. O ambiente divino, o conhecimento da verdade, o auxílio superior
figuravam-se-me antídotos infalíveis ao veneno da vaidade e da tentação.
4 O companheiro sorriu e obtemperou:
— O problema da tentação é mais complexo. As paisagens do planeta terrestre
estão cheias de ambiente divino, conhecimento da verdade e auxílio superior.
5 Não são poucos os
que compartem, ali, de batalhas destruidoras entre as árvores acolhedoras
e os campos primaveris; muitos cometem homicídios ao luar, insensíveis
à profunda sugestão das estrelas; outros exploram os mais fracos, ouvindo
elevadas revelações da verdade superior. 6
Não faltam, na Terra, paisagens e expressões essencialmente divinas.
7 As palavras do enfermeiro
calavam-me fundo no espírito. De fato, em geral, os guerreiros estimam
a destruição na primavera e no estio, quando a Natureza estende no solo
e no firmamento maravilhas de cor, perfume e luz; os latrocínios e homicídios
são praticados, de preferência, à noite, quando a Lua e as estrelas
enchem o planeta de poesia divina.
8 A maioria dos verdugos da Humanidade constitui-se de homens eminentemente
cultos, que desprezam a inspiração divina.
4.
Renovando minha concepção referente à queda espiritual, acrescentei:
— Contudo, Lísias, poderá você dar-me uma ideia da localização dessa zona de
Trevas? Se o Umbral está ligado à mente humana, onde ficará semelhante
lugar de sofrimento e pavor?
2 — Há Esferas de vida em
toda parte, — disse ele, solícito, — o vácuo sempre há de ser mera imagem
literária. Em tudo há energias viventes e cada espécie de seres funciona
em determinada zona da vida.
3 Depois de pequeno intervalo,
em que me pareceu meditar profundamente, continuou:
— Naturalmente, como aconteceu a nós outros, você situou como região
de existência, além da morte do corpo, apenas os Círculos a se iniciarem
da superfície do globo para cima, esquecido do nível para baixo. 4
A vida, contudo, palpita na profundeza dos mares e no âmago da terra.
Além disso, há princípios de gravitação para o Espírito, como se dá
com os corpos materiais. 5
A Terra não é somente o campo que podemos ferir ou menosprezar, a nosso
bel-prazer. É organização viva, possuidora de certas leis que nos escravizarão
ou libertarão, segundo nossas obras. 6
É, claro que a alma esmagada de culpas não poderá subir à tona do lago
maravilhoso da vida. 7
Resumindo, devo lembrar que as aves livres ascendem às alturas; as que
se embaraçam no cipoal sentem-se tolhidas no voo, e as que se prendem
a peso considerável são meras escravas do desconhecido. Percebe?
8 Lísias, porém, não precisaria
fazer-me essa pergunta. Avaliei, de pronto, o quadro imenso de lutas
purificadoras, a desenhar-se ante meus olhos espirituais, nas zonas
mais baixas da existência.
Como alguém que precisa ponderar bastante, para exprimir-se, o companheiro pensou, pensou… e concluiu:
9 — Qual acontece
a nós outros, que trazemos em nosso íntimo o superior e o inferior,
também o planeta traz em si expressões altas e baixas, com que corrige
o culpado e dá passagem ao triunfador para a vida eterna. 10
Você sabe, como médico humano, que há elementos no cérebro do homem
que lhe presidem o senso diretivo. Hoje, porém, reconhece que esses
elementos não são propriamente físicos e sim espirituais, na essência.
11 Quem estime viver
exclusivamente nas sombras, embotará o sentido divino da direção. Não
será demais, portanto, que se precipite nas Trevas, porque o abismo
atrai o abismo e cada um de nós chegará ao local para onde esteja dirigindo
os próprios passos.
André Luiz