1.
O Ministério da Regeneração continuou cheio de expressões festivas,
não obstante se haver retirado o Governador ao seu círculo mais íntimo.
2 Comentavam-se os acontecimentos.
Centenas de companheiros se ofereciam para os trabalhos árduos da defensiva,
assim correspondendo ao apelo do grande chefe espiritual.
3 Procurei Tobias, para consultá-lo
sobre a possibilidade do meu aproveitamento, mas o generoso irmão sorriu
da minha ingenuidade e falou:
— André, você está começando agora a tarefa nova. Não se precipite, solicitando
acréscimo de responsabilidade. Haverá serviço para todos, disse-nos,
ainda agora, o Governador. 4
Não se esqueça que as nossas Câmaras de Retificação constituem núcleos
de esforço ativo, dia e noite. Não se aflija. Recorde que trinta mil
servidores vão ser convocados para a vigilância permanente. Destarte,
na retaguarda, serão muito grandes os claros a preencher.
5 Identificando-me o desapontamento,
o bondoso companheiro, bem-humorado, acentuou depois de ligeira pausa:
— Contente-se com a matrícula na escola contra o medo. Creia que isso lhe fará enorme bem.
2.
Nesse ínterim, recebi grande abraço de Lísias, que integrara, na festa,
a deputação do Ministério do Auxílio. Com a licença de Tobias, retirei-me
em companhia de Lísias para gozar de palestra mais íntima.
2 — Conhece você, — indagou
ele, — o Ministro Benevenuto, aqui da Regeneração, o mesmo que chegou
anteontem da Polônia.
— Não tenho esse prazer.
— Vamos ao seu encontro, — replicou Lísias, envolvendo-me nas vibrações do seu imenso carinho fraterno, — há muito que tenho a honra de incluí-lo no círculo das minhas relações pessoais.
3 Daí a momentos, estávamos
no grande recinto verde, consagrado aos trabalhos desse Ministro da
Regeneração, que eu apenas conhecia de vista.
4 Numerosos grupos de visitantes
trocavam ideias sob a copa das grandes árvores. Lísias conduziu-me
ao núcleo maior, onde Benevenuto trocava impressões com diversos amigos,
apresentando-me com generosas palavras. O Ministro acolheu-me, cortês,
admitindo-me na sua roda com extrema bondade.
3.
A conversação continuou nos rumos naturais e notei que se discutia a
situação da Esfera Terrestre.
— Muito doloroso o quadro que vimos, — comentava Benevenuto em tom grave;
— habituados ao serviço da paz na América, nenhum de nós imaginava o
que fosse o trabalho de socorro espiritual nos campos da Polônia. 2
Tudo obscuro, tudo difícil. Não se podem, ali, esperar claridades de
fé nos agressores nem, tampouco, na maioria das vítimas, que se entregam
totalmente a pavorosas impressões. 3
Os encarnados não nos ajudam, apenas consomem nossas forças. Desde o
começo do meu Ministério, nunca vi tamanhos sofrimentos coletivos.
4 — E a comissão demorou-se
muito por lá? — Perguntou um dos companheiros com interesse.
— Todo o tempo disponível, — ajuntou o Ministro. — O chefe da expedição,
nosso colega do Auxílio, julgou conveniente permanecermos exclusivamente
atidos à tarefa, para enriquecermos observações e melhor aproveitar
a experiência. 5 Com
efeito, as condições não poderiam ser melhores. Acredito que nossa posição
está muito distante da extraordinária capacidade de resistência dos
abnegados servidores espirituais que ali se encontram de serviço. 6
Todas as tarefas de assistência imediata funcionam perfeitamente, a
despeito do ar asfixiante, saturado de vibrações destruidoras. O campo
de batalha, invisível aos nossos irmãos terrestres, é verdadeiro inferno
de indescritíveis proporções. 7
Nunca, como na guerra, evidencia o espírito humano a condição de alma
decaída, apresentando características essencialmente diabólicas. 8
Vi homens inteligentes e instruídos localizarem, com minuciosa atenção,
determinados setores de atividade pacífica, para o a que chamam “impactos
diretos”. Bombas de alto poder explosivo destroem edifícios pacientemente
edificados. 9 Aos fluidos
venenosos da metralha, casam-se as emanações pestilentas do ódio e tornam
quase impossível qualquer auxílio. 10
O que mais nos contristou, porém, foi a triste condição dos militares
agressores, quando algum deles abandonava as vestes carnais, compelido
pelas circunstâncias. Dominados, na maioria, por forças tenebrosas,
fugiam dos Espíritos missionários, chamando-lhes a todos “fantasmas
da cruz”.
11 — E não eram recolhidos
para esclarecimento justo? — Inquiriu alguém, interrompendo o narrador.
Benevenuto esboçou um gesto significativo e respondeu:
— Será sempre possível atender aos loucos pacíficos, no lar; mas que
remédio se reservará aos loucos furiosos, senão o hospício? 12
Não havia outro recurso para tais criaturas, senão deixá-las nos precipícios
das trevas, onde serão naturalmente compelidas a reajustar-se, dando
ensejo a pensamentos dignos. 13
É razoável, portanto, que as missões de auxílio recolham apenas os predispostos
a receber o socorro elevado. Os espetáculos entrevistos foram, portanto,
demasiadamente dolorosos, por muitas razões.
4.
Valendo-se de ligeiro intervalo, outro companheiro opinou:
— É quase incrível que a Europa, com tantos patrimônios culturais, se tenha abalançado a semelhante calamidade.
2 — Falta de preparação
religiosa, meus amigos, — definiu o Ministro com expressiva inflexão
de voz, — não basta ao homem a inteligência apurada, é-lhe necessário
iluminar raciocínios para a vida eterna. 3
As igrejas são sempre santas em seus fundamentos e o sacerdócio será
sempre divino, quando cuide essencialmente da Verdade de Deus; mas o
sacerdócio político jamais atenderá a sede espiritual da civilização.
4 Sem o sopro divino,
as personalidades religiosas poderão inspirar respeito e admiração,
menos a fé e a confiança.
5 — Mas, o Espiritismo? —
Perguntou abruptamente um dos circunstantes. Não surgiram as primeiras
florações doutrinárias na América e na Europa, há mais de cinquenta
anos? Não continua esse movimento novo a serviço das verdades eternas?
6 Benevenuto sorriu, esboçou
um gesto extremamente significativo e acrescentou:
— O Espiritismo é a nossa grande esperança e, por todos os títulos,
é o Consolador da humanidade encarnada; mas a nossa marcha é ainda muito
lenta. Trata-se de uma dádiva sublime, para a qual a maioria dos homens
ainda não possui “olhos de ver”. 7
Esmagadora percentagem dos aprendizes novos aproxima-se dessa fonte
divina a copiar antigos vícios religiosos. Querem receber proveitos,
mas não se dispõem a dar cousa alguma de si próprios. Invocam a verdade,
mas não caminham ao encontro dela. 8
Enquanto muitos estudiosos reduzem os médiuns a cobaias humanas, numerosos
crentes procedem à maneira de certos enfermos que, embora curados, creem
mais na doença que na saúde, e nunca utilizam os próprios pés. 9
Enfim, procuram-se, por lá, os Espíritos materializados para o fenomenismo
passageiro, ao passo que nós outros vivemos à procura de homens espiritualizados
para o trabalho sério.
10 O trocadilho arrancou expressões
de bom humor geral, acrescentando o Ministro, gravemente:
— Nossos serviços são astronômicos. Não esqueçamos, porém, que todo homem é semente da divindade. Ataquemos a execução de nossos deveres com esperança e otimismo, e estejamos sempre convictos de que, se bem fizermos a nossa parte, podemos permanecer em paz, porque o Senhor fará o resto.
André Luiz