1.
Para o domingo imediato à visita do clarim, prometeu o Governador a
realização do culto evangélico no Ministério da Regeneração. 2
O objetivo essencial da medida, esclareceu Narcisa, seria a preparação
de novas escolas de assistência no Auxílio e núcleos de adestramento
na Regeneração.
3 — Precisamos organizar, —
dizia ela, — determinados elementos para o serviço hospitalar urgente,
embora o conflito se tenha manifestado tão longe, bem como exercícios
adequados contra o medo.
4 — Contra o medo? — Acrescentei,
admirado.
— Como não? — Objetou a enfermeira, atenciosa. — Talvez estranhe, como acontece
a muita gente, a elevada percentagem de existências humanas estranguladas
simplesmente pelas vibrações destrutivas do terror, que é tão contagioso
como qualquer moléstia de perigosa propagação. 5
Classificamos o medo como dos piores inimigos da criatura, por alojar-se
na cidadela da alma, atacando as forças mais profundas.
6 Observando-me a estranheza,
continuou:
— Não tenha dúvida. A Governadoria, nas atuais emergências, coloca o treinamento
contra o medo muito acima das próprias lições de enfermagem. 7
A calma é garantia do êxito. Mais tarde, compreenderá tais imperativos
de serviço.
Não encontrei argumento de contestação para retrucar.
2.
Na véspera do grande acontecimento, tive a honra de integrar o quadro
de cooperadores numerosos, no trabalho de limpeza e ornamentação natural
do grande salão consagrado ao chefe maior da colônia.
2 Experimentava, então, ansiedade
justa. Ia ver, pela primeira vez, a meu lado, o nobre condutor que merecia
a veneração geral. Não me sentia sozinho em semelhante expectativa,
porque havia inúmeros companheiros nas minhas condições.
3 Tive a impressão
de que toda a vida social do nosso Ministério convergiu para o grande
salão natural, desde o raiar de domingo, quando verdadeiras caravanas
de todos os departamentos regeneradores chegavam ao local. 4
O Grande Coro do Templo da Governadoria, aliando-se aos meninos cantores
das escolas do Esclarecimento, iniciou a festividade com o maravilhoso
hino intitulado “Sempre Contigo, Senhor Jesus”, cantado por duas mil
vozes ao mesmo tempo. 5
Outras melodias de beleza singular encheram a amplidão. O murmúrio doce
do vento, canalizado em vagas de perfume, parecia responder às harmonias
suaves.
6 Havia permissão geral de
ingresso ao enorme recinto verde, para todos os servidores da Regeneração,
porque, conforme o programa estabelecido, o culto evangélico era dedicado
especialmente a eles, comparecendo os demais Ministérios, por numerosas
delegações.
7 Pela primeira vez, tive
à frente dos olhos alguns cooperadores dos Ministérios da Elevação e
União Divina, que me pareceram vestidos em claridades resplandecentes.
8 A festividade excedia a
tudo que eu pudesse sonhar em beleza e deslumbramento. Instrumentos
musicais de sublime poder vibratório embalavam de melodias a paisagem
odorante.
3.
Às dez horas, chegou o Governador acompanhado pelos doze Ministros da
Regeneração.
2 Nunca esquecerei
o vulto nobre e imponente daquele ancião de cabelos de neve, que parecia
estampar na fisionomia, ao mesmo tempo, a sabedoria do velho e a energia
do moço; a ternura do santo e a serenidade do administrador consciencioso
e justo. 3 Alto, magro,
envergando uma túnica muito alva, olhos penetrantes e maravilhosamente
lúcidos, apoiava-se num bordão, embora caminhasse com aprumo juvenil.
4 Satisfazendo-me a curiosidade,
Salústio informou:
— O Governador sempre estimou as atitudes patriarcais, considerando que se deve administrar com amor paterno.
5 Sentando-se ele na tribuna
suprema, levantaram-se as vozes infantis, seguidas de harpas cariciosas,
entoando o hino “A Ti, Senhor, Nossas Vidas”.
6 O velhinho enérgico
e amorável passeou o olhar pela assembleia compacta, constituída de
milhares de assistentes. Em seguida, abriu um livro luminoso que o companheiro
me informou ser o Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo. 7
Folheou-o atento e, depois, leu em voz pausada:
— “E ouvireis [falar] de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim.” — Palavras do Mestre em Mateus, capítulo 24, versículo 6.”
8 Volume de voz consideravelmente
aumentado pelas vibrações elétricas, n o chefe da cidade orou comovidamente,
invocando as bênçãos do Cristo, saudando em seguida, os representantes
da União Divina, da Elevação, do Esclarecimento, da Comunicação e do
Auxílio, dirigindo-se, com especial atenção, a todos os colaboradores
dos trabalhos de nosso Ministério.
9 Impossível descrever a entonação
doce e enérgica, amorosa e convincente, daquela voz inesquecível, bem
como traduzir no papel humano as considerações divinas do comentário
evangélico, vazado em profundo sentimento de veneração pelas cousas
sagradas.
4.
Finalizando, em meio ao respeitoso silêncio, dirigiu-se o Governador,
de maneira particular, aos servidores da Regeneração, exclamando, mais
ou menos nestes termos:
2 — É para vós, irmãos
meus, cujos labores se aproximam das atividades terrestres, com mais
propriedade, que dirijo meu apelo pessoal, muito esperando da vossa
nobre dedicação. 3
Elevemos ao máximo nosso padrão de coragem e de espírito de serviço.
Quando as forças da sombra agravam as dificuldades das Esferas inferiores,
é imprescindível acender novas luzes que dissipem, na Terra, as trevas
densas. 4 Consagrei
o culto de hoje a todos os servidores deste Ministério, votando-lhes
de modo particular a confiança do meu coração. 5
Não me dirijo, pois, neste momento, aos nossos irmãos cujas mentes já
funcionam em zonas mais altas da vida, mas a vós outros, que trazeis
nas sandálias da recordação os sinais da poeira do mundo, para exalçar
a tarefa gigantesca. 6
“Nosso Lar” precisa de trinta mil servidores adestrados no serviço defensivo,
trinta mil trabalhadores que não meçam necessidade de repouso, nem conveniências
pessoais, enquanto perdurar nossa batalha com as forças desencadeadas
do crime e da ignorância. 7
Haverá serviço para todos, nas regiões de limite vibratório, entre nós
e os Planos inferiores, porque não podemos esperar o adversário em nossa
morada espiritual. 8
Nas organizações coletivas, é forçoso considerar a medicina preventiva
como medida primordial na preservação da paz interna. 9
Somos, em “Nosso Lar”, mais de um milhão de criaturas devotadas aos
desígnios superiores e ao melhoramento moral de nós mesmos. 10
Seria caridade permitir a invasão de vários milhões de Espíritos desordeiros?
Não podemos, portanto, hesitar no que se refere à defesa do bem. 11
Sei que muitos de vós recordais, neste instante, o Grande Crucificado.
Sim, Jesus entregou-se à turba de amotinados e criminosos, por amor
à redenção de todos nós, mas não entregou o mundo à desordem e ao aniquilamento.
12 Todos devemos
estar prontos para o sacrifício individual, mas não podemos entregar
nossa morada aos malfeitores. 13
Lógico que a nossa tarefa essencial é de confraternização e paz, de
amor e alívio aos que sofrem; 14
claro que interpretaremos todo mal como desperdício de energia, e todo
crime como enfermidade d’alma; 15
entretanto, “Nosso Lar” é um patrimônio divino, que precisamos defender
com todas as energias do coração. Quem não sabe preservar, não é digno
de usufruir. 16 Preparemos,
pois, legiões de trabalhadores que operem esclarecendo e consolando,
na Terra, no Umbral e nas Trevas, em missões de amor fraternal; 17
mas precisamos organizar, neste Ministério, antes de tudo, uma legião
especial de defesa, que nos garanta as realizações espirituais, em nossas
fronteiras vibratórias.
18 Assim continuou a discorrer,
por longo tempo, encarecendo providências de caráter fundamental, tecendo
considerações que jamais conseguiria aqui descrever. Ultimando os comentários,
repetiu a leitura do versículo de Mateus, ( † )
invocando, de novo, as bênçãos de Jesus e as energias dos ouvintes,
para que nenhum de nós recebesse dádivas em vão.
19 Comovido e deslumbrado,
ouvi as crianças entoarem o hino que a Ministra Veneranda intitulara
“A Grande Jerusalém”. O Governador desceu da tribuna sob vibrações de
imensa esperança e foi então que brisas cariciosas começaram a soprar
sobre as árvores, trazendo, talvez de muito longe, pétalas de rosas
diferentes, em maravilhoso azul, que se desfaziam, de leve, ao tocar
nossas frontes, enchendo-nos o coração de intenso júbilo.
André Luiz
[1] [Vide: Algumas referências ao uso de itens materiais no Mundo Invisível do Plano Espiritual, como edificações providas dos mais diversos objetos, aparelhos, veículos de transporte, etc.]