1.
Nos primeiros dias de setembro de 1939, “Nosso Lar” sofreu, igualmente,
o choque por que passaram diversas colônias espirituais, ligadas à civilização
americana. 2 Era a
guerra europeia, tão destruidora nos Círculos da carne, quão perturbadora
no Plano do Espírito. Entidades numerosas comentavam os empreendimentos
bélicos em perspectiva, sem disfarçarem o imenso terror de que se possuíam.
3 Sabia-se, desde
muito, que as Grandes Fraternidades do Oriente suportavam as vibrações
antagônicas da nação japonesa, experimentando dificuldades de vulto.
Anotava, porém, agora, fatos curiosos de alto padrão educativo.
Assim como os nobres Círculos espirituais da velha Ásia lutavam em silêncio,
preparava-se “Nosso Lar” para o mesmo gênero de serviço. 4
Além de valiosas recomendações, no campo da fraternidade e da simpatia,
determinou o Governador tivéssemos cuidado na esfera do pensamento,
preservando-nos de qualquer inclinação menos digna, de ordem sentimental.
2.
Reconheci que os Espíritos superiores, nessas circunstâncias, passam
a considerar as nações agressoras não como inimigas, mas como desordeiras
e cuja atividade criminosa é imprescindível reprimir.
2 — Infelizes dos
povos que se embriaguem com o vinho do mal, — disse-me Salústio; — ainda
que consigam vitórias temporárias, elas servirão somente para lhes agravar
a ruína, acentuando-lhes as derrotas fatais. 3
Quando um país toma a iniciativa da guerra, encabeça a desordem da Casa
do Pai, e pagará um preço terrível.
4 Observei, então,
que as zonas superiores da vida se voltam em defesa justa, contra os
empreendimentos da ignorância e da sombra, congregados para a anarquia
e, consequentemente, para a destruição. 5
Esclareceram-me os colegas de trabalho que, nos acontecimentos dessa
natureza, os países agressores convertem-se, naturalmente, em núcleos
poderosos de centralização das forças do mal. 6
Sem se precatarem dos perigos imensos, esses povos, com exceção dos
Espíritos nobres e sábios que lhes integram os quadros de serviço, embriagam-se
ao contato dos elementos de perversão, que invocam das camadas sombrias.
7 Coletividades operosas
convertem-se em autômatos do crime. Legiões infernais precipitam-se
sobre grandes oficinas do progresso comum, transformando-as em campos
de perversidade e horror. 8
Mas, enquanto os bandos escuros se apoderam da mente dos agressores,
os agrupamentos espirituais da vida nobre movimentam-se em auxílio dos
agredidos.
9 Se devemos lastimar a criatura
em oposição à lei do bem, com mais propriedade devemos lamentar o povo
que olvidou a justiça.
3.
Logo após os primeiros dias que assinalaram as primeiras bombas na terra
polonesa, encontrava-me, ao entardecer, nas Câmaras de Retificação,
junto de Tobias e Narcisa, quando inesquecível clarim se fez ouvir por
mais d’um quarto de hora. Profunda emoção nos invadira a todos.
2 É a convocação superior
aos serviços de socorro à Terra, — explicou-me Narcisa, bondosamente.
— Temos o sinal de que a guerra prosseguirá, com terríveis tormentos para o espírito humano, — exclamou Tobias, inquieto, — embora a distância, toda a vida psíquica americana teve na Europa a sua origem. Teremos grande trabalho em preservar o Novo Mundo.
3 A clarinada fazia-se ouvir
com modulações estranhas e imponentes. Notei que profundo silêncio caiu
sobre todo o Ministério da Regeneração.
4 Atento à minha atitude de
angustiosa expectativa, Tobias informou:
— Quando soa o clarim de alerta, em nome do Senhor, precisamos fazer calar os ruídos de baixo, para que o apelo se grave em nossos corações.
5 Quando o misterioso instrumento
desferiu a última nota, fomos ao grande parque, a fim de observar o
céu. Profundamente comovido, vi inúmeros pontos luminosos, parecendo
pequenos focos resplandecentes e longínquos, a librarem-se no firmamento.
— Esse clarim, — disse Tobias igualmente emocionado, — é utilizado por Espíritos Vigilantes, de elevada expressão hierárquica.
4.
Regressando ao interior das Câmaras, tive a atenção atraída para enormes
rumores provenientes das zonas mais altas da colônia, onde se localizavam
as vias públicas.
2 Tobias confiou a Narcisa
certas atividades de importância junto aos enfermos e convidou-me a
sair, para observar o movimento popular.
3 Chegados aos pavimentos
superiores, de onde nos poderíamos encaminhar à Praça da Governadoria,
notamos intenso movimento em todos os setores. Identificando-me o espanto
natural, o companheiro explicou:
4 — Estes grupos enormes dirigem-se
ao Ministério da Comunicação, à procura de notícias. O clarim que acaba
de soar, só vem até nós em circunstâncias muito graves. Todos sabemos
que se trata da guerra, mas é possível que a Comunicação nos forneça
algum detalhe essencial. Observe os transeuntes.
5 Ao nosso lado, vinham dois
senhores e quatro senhoras, em conversação animada.
— Imagine! — Dizia uma, — o que será de nós no Auxílio. Há muitos meses consecutivos, o movimento de súplicas tem sido extraordinário. Experimentamos justa dificuldade para atender a todos os deveres.
6 — E nós, com a Regeneração?
— Objetava o cavalheiro mais idoso, — os serviços prosseguem consideravelmente
aumentados. No meu setor, a vigilância contra as vibrações umbralinas
reclama esforços incessantes. Estou avaliando o que virá sobre nós…
7 Tobias segurou-me o braço,
de leve, e exclamou:
— Adiantemo-nos um pouco. Ouçamos o que dizem outros grupos.
Aproximando-nos de dois homens, ouvi um deles perguntando:
— Será crível que a calamidade nos atinja a todos?
8 O interpelado, que parecia
portador de grande equilíbrio espiritual, replicou, sereno:
— De qualquer modo, não vejo motivo para precipitações. A única novidade é
o acréscimo de serviço que, no fundo, constituirá uma bênção. 9
Quanto ao mais, tudo é natural, a meu ver. A doença é mestra da saúde,
o desastre dá ponderação. A China está sob a metralha, há muito tempo,
e não mostrou você, ainda, qualquer demonstração de assombro.
— Mas agora, — objetou o companheiro, desapontado, — parece que serei
compelido a modificar meu programa de trabalho.
10 O outro sorriu e obtemperou:
— Helvécio, Helvécio, esqueçamos o “meu programa” para pensar em “nossos programas”.
11 Atendendo a novo gesto de
Tobias, que me reclamava atenção, observei três senhoras que iam na
mesma direção à nossa esquerda, verificando que o pitoresco não faltava,
igualmente ali, naquele crepúsculo de inquietação.
12 — A questão impressiona-me
sobremaneira, — dizia a mais moça, — porque Everardo não deve regressar
do mundo agora.
— Mas a guerra, — disse uma das companheiras, — ao que parece, não alcançará a Península. Portugal está muito longe do teatro dos acontecimentos.
13 — Entretanto, — indagou a
outra componente do trio, — por que semelhante preocupação? Se Everardo
viesse, que aconteceria?
— Receio — esclareceu a mais jovem, — que ele me procure na qualidade de esposa. Não o poderia suportar. É muito ignorante e, de modo algum, me submeteria a novas crueldades.
14 — Tola que és! — Comentou
a companheira, — olvidaste que Everardo será barrado pelo Umbral, ou
cousa pior?
Tobias, sorrindo, informou:
— Ela teme a libertação de um marido imprudente e perverso.
5.
Decorridos longos minutos, em que observávamos a multidão espiritual,
atingimos o Ministério da Comunicação, detendo-nos ante os enormes edifícios
consagrados ao trabalho informativo.
2 Milhares de entidades
acotovelavam-se, aflitamente. Todos queriam informações e esclarecimentos.
Impossível, porém, um acordo geral. 3
Extremamente surpreendido com o vozerio enorme, vi que alguém subira
a uma sacada de grande altura, reclamando a atenção popular. Era um
velho de aspecto imponente, anunciando que, dentro de dez minutos, far-se-ia
ouvir um apelo do Governador.
— É o Ministro Esperidião, — informou Tobias, atendendo-me a curiosidade.
4 Serenado o barulho, daí
a momentos ouviu-se a voz do próprio Governador, através de numerosos
alto-falantes:
— “Irmãos de “Nosso Lar”, não vos entregueis a distúrbios do pensamento ou da palavra. A aflição não constrói, a ansiedade não edifica. Saibamos ser dignos do clarim do Senhor, atendendo-Lhe a Vontade Divina no trabalho silencioso, em nossos postos.”
5 Aquela voz clara e veemente,
de quem falava com autoridade e amor, operou singular efeito na multidão.
No curto espaço de uma hora, toda a colônia regressava à serenidade
habitual.
André Luiz