1.
No curso de trabalhos do dia imediato, grande era o meu interesse pela
conferência da Ministra Veneranda. Ciente de que necessitaria permissão,
entendi-me com Tobias a respeito.
2 — Essas aulas, — disse ele,
— são ouvidas somente pelos Espíritos sinceramente interessados. Os
instrutores, aqui, não podem perder tempo. Fica você, desse modo, autorizado
a comparecer entre os ouvintes, que se contam por centenas, dos servidores
e abrigados dos Ministérios da Regeneração e do Auxílio.
Num gesto afetuoso de estímulo, rematou:
— Desejo-lhe excelente proveito.
3 Transcorreu o novo dia em
serviço ativo. O contato de minha mãe, suas belas observações relativas
à prática do bem, enchiam-me o espírito de sublime conforto.
4 A princípio, logo
após o despertar, aqueles esclarecimentos sobre o bônus-hora me haviam
suscitado certas interrogações de vulto. Como poderia estar a compensação
da hora afeta a Deus? Não era atribuição do administrador espiritual,
ou humano, a contagem do tempo? Tobias, porém, esclarecera-me a inteligência
faminta de luz. 5 Aos
administradores, em geral, impende a obrigação de contar o tempo de
serviço, sendo justo, igualmente, instituírem elementos de respeito
e consideração ao mérito do trabalhador; mas, quanto ao valor essencial
do aproveitamento justo, só mesmo as Forças Divinas podem determinar
com exatidão. 6 Há
servidores que, depois de quarenta anos de atividade especial, dela
se retiram com a mesma incipiência da primeira hora, provando que gastaram
tempo sem empregar dedicação espiritual, assim como existem homens que,
atingindo cem anos de existência, dela saem com a mesma ignorância da
idade infantil. 7 Tanto
é precioso o conceito de sua mamãe, — disse Tobias, — que basta lembrar
as horas dos homens bons e dos maus. Nos primeiros, transformam-se em
celeiros de bênçãos do Eterno; nos segundos, em látegos de tormento
e remorso, como se fossem entes malditos. Cada filho acerta contas com
o Pai, conforme o emprego da oportunidade, ou segundo suas obras.
8 Essa contribuição de esclarecimento
auxiliou-me a ponderar o valor do tempo, em todos os sentidos.
2.
Chegada a hora, destinada à preleção da Ministra, que se realizou após
a oração vespertina, dirigi-me, em companhia de Narcisa e Salústio,
para o grande salão em plena natureza.
2 Verdadeira maravilha o recinto
verde, onde grandes bancos de relva nos acolheram generosamente.
Flores variadas, brilhando à luz de belos candelabros, exalavam delicado
perfume.
3 Calculei a assistência em
mais de mil pessoas. Na disposição comum da grande assembleia, notei
que vinte entidades se assentavam em local destacado entre nós outros
e a eminência florida onde se via a poltrona da instrutora.
4 A uma pergunta minha, Narcisa
explicou:
— Estamos na assembleia de ouvintes. Aqueles irmãos, que se conservam em lugar de realce, são os mais adiantados na matéria de hoje, companheiros que podem interpelar a Ministra. Adquiriram esse direito pela aplicação ao assunto, condição que poderemos alcançar também, por nossa vez.
5 — Não pode você figurar
entre eles? — Indaguei.
— Não. Por enquanto, posso sentar-me ali somente nas noites que a instrutora verse o tratamento dos Espíritos perturbados. Há, porém, irmãos que ali permanecem no trato de várias teses, conforme a cultura já adquirida.
— Muito curioso o processo, — aduzi.
6 — O Governador, — prosseguiu
a enfermeira explicando, — determinou essa medida, nas aulas e palestras
de todos os Ministros, a fim de que os trabalhos não se convertessem
em desregramento da opinião pessoal, sem base justa, com grave perda
de tempo para o conjunto. Quaisquer dúvidas, quaisquer pontos de vista,
verdadeiramente úteis, poderão ser esclarecidos ou aproveitados, mas,
tendo em vista o momento adequado.
7 Mal acabara de ouvir, quando a Ministra Veneranda penetrou no recinto em companhia de duas senhoras
de porte distinto, que Narcisa informou serem Ministras da Comunicação.
8 Veneranda espalhou, com
a simples presença, enorme alegria em todos os semblantes. Não mostrava
a fisionomia de uma velha, o que contrastava com o nome; sim, o semblante
de nobre senhora na idade madura, cheia de simplicidade, sem afetação.
9 Depois de palestrar ligeiramente
com os vinte companheiros, como a informar-se das necessidades dominantes
na assembleia, em geral, com relação ao tema da noite, começou por dizer:
10 — “Como sempre, não posso
aproveitar a nossa reunião para discursos de longa tiragem verbal, mas
aqui estou para conversar com vocês, relacionando algumas observações
sobre o pensamento.
11 “Encontram-se,
entre nós, no momento, algumas centenas de ouvintes que se surpreendem
com a nossa Esfera cheia de formas análogas às do planeta. Não haviam
aprendido que o pensamento é a linguagem universal? Não foram informados
de que a criação mental é quase tudo em nossa vida? São numerosos os
irmãos que formulam semelhantes perguntas. 12
Todavia, encontraram aqui a habitação, o utensílio e a linguagem terrestres.
Esta realidade, contudo, não deve causar surpresa a ninguém. Não podemos
esquecer que temos vivido, até agora (referindo-nos à existência humana),
em velhos círculos de antagonismo vibratório. 13
O pensamento é a base das relações espirituais dos seres entre si, mas
não olvidemos que somos milhões de almas dentro do Universo, algo insubmissas
ainda às leis universais. Não somos, por enquanto, comparáveis aos irmãos
mais velhos e mais sábios, próximos do Divino, mas milhões de entidades
a viverem nos caprichosos “mundos inferiores” do nosso Eu. 14
Os grandes instrutores da humanidade carnal ensinam princípios divinos,
expõem verdades eternas e profundas, nos Círculos do globo. Em geral,
porém, nas atividades terrenas, recebemos notícias dessas leis sem nos
submetermos a elas, e tomamos conhecimento dessas verdades sem lhes
consagrarmos nossas vidas.
15 “Será crível que, somente
por admitir o poder do pensamento, ficasse o homem liberto de toda a
condição inferior? Impossível!
“Uma existência secular, na carne terrestre, representa período demasiadamente
curto para aspirarmos à posição de cooperadores essencialmente divinos.
16 Informamo-nos a respeito
da força mental no aprendizado mundano, mas esquecemos que toda a nossa
energia, nesse particular, tem sido empregada por nós, em milênios sucessivos,
nas criações mentais destrutivas ou prejudiciais a nós mesmos.
17 “Somos admitidos aos cursos
de espiritualização nas diversas escolas religiosas do mundo, mas habitualmente agimos exclusivamente no terreno das afirmativas verbais.
Ninguém, todavia, atenderá ao dever apenas com palavras. Ensina a Bíblia
que o próprio Senhor da Vida não estacionou no Verbo e continuou o trabalho
criativo na Ação. ( † )
18 “Todos sabemos que o pensamento
é força essencial mas não admitimos nossa milenária viciação no desvio
dessa força.
19 “Ora, é coisa
sabida que um homem é obrigado a alimentar os próprios filhos; nas mesmas
condições, cada Espírito é compelido a manter e nutrir as criações que
lhe são peculiares. Uma ideia criminosa produzirá gerações mentais da
mesma natureza; um princípio elevado obedecerá à mesma lei. 20
Recorramos a símbolo mais simples. Após elevar-se às alturas, a água
volta purificada, veiculando vigorosos fluidos vitais, no orvalho protetor
ou na chuva benéfica; conservemo-la com os detritos da terra e faremos
habitação de micróbios destruidores.
21 “O pensamento é força viva,
em toda parte; é atmosfera criadora que envolve o Pai e os filhos, a
Causa e os Efeitos, no Lar Universal. Nele, transformam-se homens em
anjos, a caminho do Céu ou se fazem gênios diabólicos, a caminho do
inferno.
22 “Apreendem vocês
a importância disso? Certo, nas mentes evolvidas, entre os desencarnados
e encarnados, basta o intercâmbio mental sem necessidade das formas,
23 e é justo destacar
que o pensamento em si é a base de todas as mensagens silenciosas da
ideia, nos maravilhosos planos da intuição, entre os seres de toda espécie.
24 Dentro desse princípio,
o Espírito que haja vivido exclusivamente em França poderá comunicar-se
no Brasil, pensamento a pensamento, prescindindo de forma verbalista
especial, que, nesse caso, será sempre a do receptor; mas isso também
exige a afinidade pura. 25
Não estamos, porém, nas Esferas de absoluta pureza mental, onde todas
as criaturas têm afinidades entre si. Afinamo-nos uns com os outros,
em núcleos insulados, e somos compelidos a prosseguir nas construções
transitórias da Terra, a fim de regressar aos Círculos planetários com
maior bagagem evolutiva.
26 “Nosso Lar”, portanto, como
cidade espiritual de transição, é uma bênção a nós concedida por “acréscimo
de misericórdia”, para que alguns poucos se preparem à ascensão, e para
que a maioria volte à Terra em serviços redentores. Compreendamos a
grandiosidade das leis do pensamento e submetamo-nos a elas, desde hoje.”
27 Depois de longa pausa, a
Ministra sorriu para o auditório e perguntou:
— Quem deseja aproveitar?
Logo após, a música suave encheu o recinto de cariciosas melodias.
28 Veneranda conversou ainda
por muito tempo, revelando amor e compreensão, delicadeza e sabedoria.
Sem qualquer solenidade nos gestos para evidenciar o término da conversação,
findou a palestra com uma pergunta graciosa.
29 Quando vi os companheiros
se levantarem para despedir-se, ao som da música habitual, indaguei
de Narcisa, surpreendido:
— Que é isso? Acabou a reunião?
30 A enfermeira bondosa esclareceu,
sorridente:
— A Ministra Veneranda é sempre assim. Finaliza a conversação em meio do nosso maior interesse. Ela costuma afirmar que as preleções evangélicas começaram com Jesus, mas ninguém pode saber quando e como terminarão.
André Luiz