1.
Prosseguiram os serviços, incessantemente. Enfermos exigindo cuidado,
perturbados reclamando dedicação.
Ao cair da noite, já me sentia integrado no mecanismo dos passes, aplicando-os aos necessitados de toda sorte.
2 Pela manhã, regressou Tobias
às Câmaras e, mais por generosidade que por outro motivo, estimulou-me
com palavras animadoras.
— Muito bem, André! — Exclamou ele, contente, — vou recomendá-lo ao Ministro Genésio e, pelos serviços iniciais, receberá bônus em dobro.
3 Ensaiava palavras de reconhecimento,
quando a senhora Laura e Lísias chegaram e me abraçaram.
— Sentimo-nos profundamente satisfeitos, — disse a generosa senhora, sorrindo, — acompanhei-o em espírito, durante a noite, e sua estreia no trabalho é motivo de justa alegria em nosso círculo doméstico. Disputei a satisfação de levar a notícia ao Ministro Clarêncio, que me recomendou cumprimentar a você em nome dele.
4 Trocaram observações afetuosas
com Tobias e Narcisa. Pediram-me relatório verbal de impressões e eu
não cabia em mim de contente.
Minhas alegrias sublimes, porém, reservavam-se para depois.
5 Nada obstante o convite
generoso da progenitora de Lísias para que voltasse a casa por descansar,
Tobias pôs à minha disposição um apartamento de repouso, ao lado das
Câmaras de Retificação, e aconselhou-me algum descanso. De fato, sentia
grande necessidade do sono. Narcisa preparou-me o leito com desvelos
de irmã.
2.
Recolhido ao quarto confortável e espaçoso, orei ao Senhor da Vida agradecendo-lhe
a bênção de ter sido útil. A “proveitosa fadiga” dos que cumprem o dever
não me deu ensejo a qualquer vigília desagradável.
2 Daí a instantes,
sensações de leveza invadiram-me a alma toda e tive a impressão de ser
arrebatado em pequenino barco, rumando a regiões desconhecidas. Para
onde me dirigia? Impossível responder. 3
A meu lado, um homem silencioso sustinha o leme. E qual criança que
não pode enumerar nem definir as belezas do caminho, deixava-me conduzir
sem exclamações de qualquer natureza, extasiado embora com as magnificências
da paisagem. 4 Parecia-me
que a embarcação seguia célere, não obstante os movimentos de ascensão.
Decorridos minutos, vi-me à frente de um porto maravilhoso, onde alguém
me chamou com especial carinho:
— André!… André!…
5 Desembarquei com precipitação
verdadeiramente infantil. Reconheceria aquela voz entre milhares. Num
momento, abraçava minha mãe em transbordamentos de júbilo.
6 Fui conduzido, então,
por ela, a prodigioso bosque, onde as flores eram dotadas de singular
propriedade, — a de reter a luz, revelando a festa permanente do perfume
e da cor. Tapetes dourados e luminosos estendiam-se, dessa maneira,
sob as grandes árvores sussurrantes ao vento. Minhas impressões de felicidade
e paz eram inexcedíveis. 7
O sonho não era propriamente qual se verifica na Terra. Eu sabia, perfeitamente,
que deixara o veículo inferior no apartamento das Câmaras de Retificação,
em “Nosso Lar”, e tinha absoluta consciência daquela movimentação em
Plano diverso. 8 Minhas
noções de espaço e tempo eram exatas. A riqueza de emoções, por sua
vez, afirmava-se cada vez mais intensa.
3.
Após dirigir-me sagrados incentivos espirituais, minha mãe esclareceu
bondosamente:
2 — Muito roguei a
Jesus me permitisse a sublime satisfação de ter-te a meu lado, no teu
primeiro dia de serviço útil. Como vês, meu filho, o trabalho é tônico
divino para o coração. 3
Numerosos companheiros nossos, após deixarem a Terra, demoram em atitudes
contraproducentes, aguardando milagres que jamais se verificarão. Reduzem-se,
desse modo, formosas capacidades de [realização,] n a simples expressões parasitárias.
4 Alguns se dizem desencorajados
pela solidão, outros, como sucedia na Terra, declaram-se em desacordo
com o meio a que foram chamados para servir ao Senhor. É indispensável,
André, converter toda a oportunidade da vida em motivo de atenção a
Deus. 5 Nos Círculos
Inferiores, meu filho, o prato de sopa ao faminto, o bálsamo ao leproso,
o gesto de amor ao desiludido, são serviços divinos que nunca ficarão
deslembrados na Casa de Nosso Pai; 6
aqui, igualmente, o olhar de compreensão ao culpado, a promessa evangélica
aos que vivem no desespero, a esperança ao aflito, constituem bênçãos
de trabalho espiritual, que o Senhor observa e registra a nosso favor…
7 A fisionomia de minha progenitora
estava mais bela que nunca. Seus olhos de madona pareciam irradiar luminosidade
sublime, suas mãos transmitiam-me, nos gestos de ternura, fluidos criadores
de energias novas, a par de cariciosas emoções.
— O Evangelho de Jesus, meu André, — continuou amorosamente, — lembra-nos que
há maior alegria em dar que em receber. ( † )
8 Aprendamos a concretizar
semelhante princípio, no esforço diário a que formos conduzidos pela
nossa própria felicidade. Dá sempre, filho meu. Sobretudo, jamais esqueças
dar de ti mesmo, em tolerância construtiva, em amor fraternal e divina
compreensão. 9 A prática
do bem exterior é um ensinamento e um apelo, para que cheguemos à prática
do bem interior. Jesus deu mais de si para o engrandecimento dos homens,
que todos os milionários da Terra congregados no serviço, sublime embora,
da caridade material. 10
Não te envergonhes de amparar os chaguentos e esclarecer os loucos que
penetrem as Câmaras de Retificação, onde identifiquei, espiritualmente,
teus serviços, à noite passada. Trabalha, meu filho, fazendo o bem.
11 Em todas as nossas
colônias espirituais, como nas Esferas do globo, vivem almas inquietas,
ansiosas de novidade e distração. Sempre que possas, porém, olvida
o entretenimento e busca o serviço útil. 12
Assim como eu, indigente como sou, posso ver, em espírito, teus esforços
em “Nosso Lar” e seguir as mágoas de teu pai nas zonas umbralinas, Deus
nos vê e acompanha a todos, desde o mais lúcido embaixador de sua bondade,
aos últimos seres da Criação, muito abaixo dos vermes da Terra.
4.
Minha mãe fez uma pausa, que desejei aproveitar para dizer alguma coisa,
mas não pude. Lágrimas de emoção embargavam-me a voz. Ela endereçou-me
carinhoso olhar, compreendendo a situação e continuou:
3 — Conhecemos, aqui,
na maioria das colônias espirituais, a remuneração de serviço do bônus-hora.
Nossa base de compensação une dois fatores essenciais. 4
O bônus representa a possibilidade de receber alguma coisa de nossos
irmãos em luta, ou de remunerar alguém que se encontre em nossas realizações;
mas o critério quanto ao valor da hora pertence exclusivamente a Deus.
5 Na bonificação exterior
pode haver muitos erros de nossa personalidade falível, considerando
nossa posição de criaturas em labores de evolução, como acontece na
Terra; mas, no concernente ao conteúdo espiritual da hora, há correspondência
direta entre o Servidor e as Forças Divinas da Criação. 6
É por isso, André, que nossas atividades experimentais, no progresso
comum, a partir da Esfera carnal, sofrem contínuas modificações todos
os dias. 7 Tabelas,
quadros, pagamentos, são modalidades de experimentação dos administradores,
a que o Senhor concedeu a oportunidade de cooperar nas Obras Divinas
da Vida, assim como concede à criatura o privilégio de ser pai ou mãe,
por algum tempo, na Terra e noutros mundos. 8
Todo administrador sincero é cioso dos serviços que lhe competem; todo
pai consciente está cheio de amor desvelado. Deus também, meu filho,
é Administrador vigilante e Pai devotadíssimo. A ninguém esquece e reserva-se
o direito de entender-se com o trabalhador, quanto ao verdadeiro proveito
no tempo de serviço. 9
Toda compensação exterior afeta a personalidade em experiência; mas,
todo valor de tempo interessa à personalidade eterna, aquela que permanecerá
sempre em nossos Círculos de vida, em marcha para a glória de Deus.
10 É por essa razão
que o Altíssimo concede sabedoria ao que gasta tempo em aprender e dá
mais vida e mais alegria aos que sabem renunciar!…
5.
Minha mãe calou-se enquanto eu enxugava os olhos. Foi então que ela
me tomou nos braços, acariciando-me desveladamente. Qual o menino que
adormece após a lição, perdi a consciência de mim mesmo, para despertar
mais tarde nas Câmaras de Retificação, experimentando vigorosas sensações
de alegria.
André Luiz
[1] [O texto original no livro impresso é: “Reduzem-se,
desse modo, formosas capacidades de simples a simples expressões parasitárias.” A nosso ver houve falha na composição gráfica, não na psicografia.]