1.
No dia imediato, muito cedo, fiz leve refeição em companhia de Lísias
e familiares.
Antes que os filhos se despedissem, rumo ao trabalho no Auxílio, a senhora Laura encorajou-me o espírito hesitante, dizendo, bem-humorada:
2 — Já lhe arranjei companhia
para hoje. Nosso amigo Rafael, funcionário da Regeneração, passará por
aqui, a meu pedido. Poderá aceitar-lhe a companhia em direção ao novo
Ministério. Rafael é antiga relação de nossa família e apresentá-lo-á,
em meu nome, ao Ministro Genésio.
3 Não poderia explicar o contentamento
que me dominou a alma. Estava radiante. Agradeci, comovido, sem encontrar
palavras que definissem meu júbilo. Lísias, por sua vez, demonstrou
grande alegria. Abraçou-me efusivamente antes de sair, sensibilizando-me
o coração. Ao beijar o filho, a senhora Laura recomendou:
— Você, Lísias, avise ao Ministro Clarêncio que comparecerei ao expediente,
logo que entregue nosso amigo aos cuidados de Rafael.
4 Comovidíssimo, não conseguia
agradecer tamanha dedicação.
Ficando a sós, a desvelada progenitora do meu amigo dirigiu-me a palavra carinhosa:
— Meu irmão, permita-me algumas indicações para os seus novos caminhos. Creia que a colaboração maternal sempre vale alguma cousa e, já que sua mãezinha não reside em “Nosso Lar”, reivindico a satisfação de orientá-lo neste momento.
— Gratíssimo! — Respondi, sensibilizado; — nunca saberei traduzir meu reconhecimento
à sua atenção.
5 Sorriu a bondosa senhora,
acrescentando:
— Estou informada de que pediu trabalho há algum tempo…
— Sim, sim… — Esclareci, relembrando as elucidações de Clarêncio.
— Sei, igualmente, que não o obteve de pronto, recebendo, mais tarde, a necessária autorização para visitar os Ministérios que nos ligam mais fortemente à Terra.
6 Esboçando significativa
expressão fisionômica, a boa senhora acrescentou:
— É justamente neste sentido que lhe ofereço minhas sugestões humildes.
Falo com o direito de experiência maior. Detendo, agora, essa autorização,
abandone, quanto lhe seja possível, os propósitos de mera curiosidade.
Não deseje personificar a mariposa, de lâmpada em lâmpada. 7
Sei que seu espírito de pesquisa intelectual é muito forte. Médico estudioso,
apaixonado de novidades e enigmas, ser-lhe-á muito fácil deslizar na
posição nova. Não esqueça que poderá obter valores mais preciosos e
dignos que a simples análise das cousas. 8
A curiosidade, mesmo sadia, pode ser zona mental muito interessante,
mas perigosa, por vezes. Dentro dela, o espírito desassombrado e leal
consegue movimentar-se em atividades nobilitantes; mas os indecisos
e inexperientes podem conhecer dores amargas, sem necessidade justa.
9 Clarêncio ofereceu-lhe
ingresso nos Ministérios, começando pela Regeneração. Pois bem: não
se limite a observar. Ao invés de albergar a curiosidade, medite no
trabalho e atire-se a ele na primeira ocasião que se ofereça. Surgindo
ensejo nas tarefas da Regeneração, não se preocupe em alcançar o espetáculo
dos serviços nos demais Ministérios. 10
Aprenda a construir o seu círculo de simpatias e não olvide que o espírito
de investigação deve manifestar-se após o espírito de serviço. Pesquisar
atividades alheias, sem testemunhos no bem, pode ser criminoso atrevimento.
11 Muitos fracassos,
nas edificações do mundo, originam-se de semelhante anomalia. Todos
querem observar, raros se dispõem a realizar. Somente o trabalho digno
confere ao espírito o merecimento indispensável a quaisquer direitos
novos. 12 O Ministério
da Regeneração está repleto de lutas pesadas, localizando-se ali a região
mais baixa de nossa colônia espiritual. Saem de lá todas as turmas destinadas
aos serviços mais árduos. 13
Não se considere, porém, humilhado por atender às tarefas humildes.
Lembre que em todas as nossas Esferas, desde o planeta aos núcleos
mais elevados das zonas superiores, em nos referindo à Terra, o Maior
Trabalhador é o próprio Cristo e que Ele não desdenhou o serrote pesado
de uma carpintaria. 14
O Ministro Clarêncio autorizou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e
analisar; mas pode, como servidor de bom senso, converter observações
em tarefa útil. 15 É
possível receber alguém negativa justa dos que administram, quando peça
determinado gênero de atividade reservado, com justiça, aos que muito
hão lutado e sofrido no capítulo da especialização; mas ninguém se recusará
a aceitar o concurso do espírito de boa vontade, que ama o trabalho
pelo prazer de servir.
16 Meus olhos estavam úmidos.
Aquelas palavras, pronunciadas com meiguice maternal, caíam-me no coração
como bálsamos preciosos. Poucas vezes sentira na vida tanto interesse
fraternal pela minha sorte. Semelhante conselho calava-me no fundo dalma
e, como se desejasse temperar com amor os criteriosos conceitos, a senhora
Laura acrescentou com inflexão carinhosa:
17 — A ciência de
recomeçar é das mais nobres que nosso espírito pode aprender. São mui
raros os que a compreendem nas Esferas da crosta. Temos escassos exemplos
humanos, nesse sentido. 18
Lembremos, contudo, o de Paulo de Tarso, Doutor do Sinédrio, esperança
de uma raça, pela cultura e pela mocidade, alvo de geral atenção em
Jerusalém, voltou, um dia, ao deserto para recomeçar a experiência
humana, como tecelão rústico e pobre.
19 Não pude mais. Tomei-lhe
as mãos como filho agradecido, e cobri-as do pranto jubiloso que me
inundava o coração.
A genitora de Lísias, agora de olhos fixos no horizonte, murmurou:
— Muito grata, meu irmão. Creio que você não veio a esta casa atendendo ao
mecanismo da casualidade. 20
Estamos todos entrelaçados em teia de amizade secular. Brevemente voltarei
ao Círculo da carne; entretanto, continuaremos sempre unidos pelo coração.
Espero vê-lo animado e feliz, antes de minha partida. Faça desta casa
a sua habitação. Trabalhe e anime-se, confiando em Deus.
21 Levantei os olhos
rasos d’água, fixei-lhe a expressão carinhosa, experimentei a felicidade
que nasce dos afetos puros e tive impressão de conhecer minha interlocutora,
de velhos tempos, embora tentasse, debalde, identificar-lhe o carinho
nas reminiscências mais distantes. Quis beijá-la muitas vezes, com o
enternecimento filial do coração, mas, nesse instante, alguém bateu
à porta.
22 Fitou-me a senhora
Laura, mostrando indefinível ternura maternal e falou:
— É Rafael que vem buscá-lo. Vá, meu amigo, pensando em Jesus. Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar seu próprio bem.
André Luiz