1.
Intimamente, lamentei a interrupção da palestra.
Os esclarecimentos da senhora Laura fortaleciam-me o coração.
2 Lísias entrou em casa visivelmente
satisfeito.
— Olá! Ainda não se recolheu? — Perguntou, sorridente.
E, enquanto os jovens se despediam, convidava-me, solícito:
— Venha ao jardim, pois ainda não viu o luar destes sítios.
3 A dona da casa entrava em
conversação com as filhas, enquanto acompanhando Lísias nos fomos aos canteiros
em flor.
O espetáculo apresentava-se-me soberbo! Habituado à reclusão hospitalar, entre
grandes árvores, ainda não conhecia o quadro maravilhoso que a noite
clara apresentava, ali, nos vastos quarteirões do Ministério do Auxílio.
Glicínias de prodigiosa beleza enfeitavam a paisagem. Lírios de neve,
matizados de ligeiro azul ao fundo do cálice, pareciam taças vivas, de caricioso
aroma. 4 Respirei a
longos haustos, sentindo que ondas de energia nova me penetravam o ser.
Ao longe, as torres da Governadoria mostravam belos efeitos de luz.
Deslumbrado, não conseguia emitir impressões. Esforçando-me para exteriorizar
a admiração que me invadia a alma, falei comovidamente:
— Nunca presenciei tamanha paz! Que noite!…
5 O companheiro sorriu e acentuou:
— Há compromisso entre todos os habitantes equilibrados da colônia, no sentido de não se emitirem pensamentos contrários ao bem. Dessarte, o esforço da maioria se transforma numa prece quase perene. Daí nascerem as vibrações de paz que observamos.
2.
Após enlevar-me na contemplação do quadro prodigioso, como se estivesse
bebendo a luz e a calma da noite, voltamos ao interior onde Lísias se
aproximou de pequeno aparelho postado na sala, à maneira de nossos receptores
radiofônicos. Aguçou-se-me a curiosidade. 2
Que iríamos ouvir? Mensagens da Terra? Vindo ao encontro de minhas interrogações
íntimas, o amigo esclareceu:
— Não ouviremos vozes do planeta. Nossas transmissões baseiam-se em forças vibratórias mais sutis que as da Esfera da crosta.
3 — Mas não há recurso? — Indaguei,
— para recolher as emissões terrestres?
— Sem dúvida que temos elementos para faze-lo, em todos os Ministérios; 4
entretanto, no ambiente doméstico o problema de nossa atualidade é essencial.
A programação do serviço necessário, as notas da espiritualidade superior, os ensinamentos elevados vivem, agora, para nós outros, muito acima
de qualquer cogitação terrestre.
3.
A observação era justa; mas, habituado ao apego doméstico, inquiri,
de pronto:
— Será tanto assim? E os parentes que ficaram a distância? Nossos pais, nossos filhos?
2 — Já esperava essa
pergunta: Nos Círculos terrestres somos levados, muitas vezes, a viciar
as situações. A hipertrofia do sentimento é mal comum de quase todos
nós. Somos, por lá, velhos prisioneiros da condição exclusivista. 3
Em família, isolamo-nos frequentemente no cadinho do sangue e esquecemos
o resto das obrigações. Vivemos distraídos dos verdadeiros princípios
de fraternidade. Ensinamo-los a todo mundo, mas, em geral, chegado o
momento do testemunho, somos solidários apenas com os nossos. 4
Aqui, porém, meu amigo, a medalha da vida apresenta a outra face. É
preciso curar nossas velhas enfermidades e sanar injustiças. No início
da colônia, todas as moradias, ao que sabemos, ligavam-se com os núcleos
de evolução terrestre. Ninguém suportava a ausência de notícias da parentela
comum. 5 Do Ministério
da Regeneração ao da Elevação, vivia-se em constante guerra nervosa.
Boatos assustadores perturbavam as atividades em geral. 6
Mas, precisamente há dois séculos, um dos generosos Ministros da União
Divina compelia a Governadoria a melhorar a situação. O ex-Governador
era talvez demasiadamente tolerante. A bondade desviada provoca indisciplinas
e quedas. 7 E, de quando
em quando, as notícias dos afeiçoados terrestres punham muitas famílias
em polvorosa. Os desastres coletivos no mundo, quando interessassem
algumas entidades em “Nosso Lar” eram aqui verdadeiras calamidades públicas.
8 Segundo nosso arquivo,
a cidade era mais um departamento do Umbral, que propriamente zona de
refazimento e instrução. 9
Amparado pela União Divina, o Governador proibiu o intercâmbio generalizado.
Houve luta. Mas o Ministro generoso, que incrementou a medida, valeu-se
do ensinamento de Jesus que manda os mortos enterrarem seus mortos ( † )
e a inovação se tornou vitoriosa em pouco tempo.
10 — Entretanto, — objetei, — seria interessante colher notícias dos nossos amados em trânsito na
Terra. Não daria isso mais tranquilidade à alma?
Lísias, que permanecia junto ao receptor, sem ligá-lo, como interessado em me fornecer explicações mais amplas, acrescentou:
— Observe a si mesmo, a fim de ver se valeria a pena. 11
Está preparado, por exemplo, para saber que um filho de
seu coração está caluniado ou caluniando, mantendo a precisa serenidade, esperando
com fé e agindo com os preceitos divinos? Se alguém o informasse, agora,
que um dos irmãos consanguíneos foi hoje encarcerado como criminoso,
teria bastante força para conservar-se tranquilo?
12 Sorri, desapontado.
— Não devemos procurar notícias dos Planos Inferiores, — prosseguiu,
solícito, — senão para levar auxílios justos. Convenhamos, porém, que
criatura alguma auxiliará com justiça, experimentando desequilíbrios
do sentimento e do raciocínio. 13
Por isso, é indispensável a preparação conveniente, antes de novos contatos
com os parentes terrenos. Se eles oferecessem campo adequado ao amor
espiritual, o intercâmbio seria desejável; mas esmagadora porcentagem
de encarnados não alcançou, ainda, nem mesmo o domínio próprio e vive
às tontas, nos altos e baixos das flutuações de ordem material. Precisamos,
embora as dificuldades sentimentais, evitar a queda nos círculos vibratórios
inferiores.
14 Contudo, evidenciando minha
teimosia caprichosa, indaguei:
— Mas, Lísias, você que tem um amigo encarnado, qual seu pai, não gostaria de comunicar-se com ele?
— Sem dúvida; — respondeu bondosamente, — quando merecemos essa alegria, visitamo-lo em sua nova forma, verificando-se o mesmo, quando se trata de qualquer expressão de intercâmbio entre ele e nós.
4.
Não devemos esquecer, entretanto, que somos criaturas falíveis. Necessitamos,
pois, recorrer aos órgãos competentes, que determinem a oportunidade
ou o merecimento exigidos. 4
Para esse fim, temos o Ministério da Comunicação. Acresce notar que,
da Esfera superior, é possível descer à inferior com mais facilidade.
5 Existem, contudo,
certas leis que mandam compreender devidamente os que se encontram nas
zonas mais baixas. É tão importante saber falar como saber ouvir. “Nosso
Lar” vivia em perturbações porque, não sabendo ouvir, não podia auxiliar
com êxito e a colônia transformava-se, frequentemente, em campo de confusão.
6 Calei-me vencido pelo argumento
ponderoso. E, enquanto me conservava em silêncio, o enfermeiro amigo
abriu o controle de recepção sob meus olhos curiosos.
André Luiz