O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Nosso Lar — André Luiz


23

Saber ouvir

(Sumário)

1. Intimamente, lamentei a interrupção da palestra.

Os esclarecimentos da senhora Laura fortaleciam-me o coração.

2 Lísias entrou em casa visivelmente satisfeito.

— Olá! Ainda não se recolheu? — Perguntou, sorridente.

E, enquanto os jovens se despediam, convidava-me, solícito:

— Venha ao jardim, pois ainda não viu o luar destes sítios.

3 A dona da casa entrava em conversação com as filhas, enquanto acompanhando Lísias nos fomos aos canteiros em flor.

O espetáculo apresentava-se-me soberbo! Habituado à reclusão hospitalar, entre grandes árvores, ainda não conhecia o quadro maravilhoso que a noite clara apresentava, ali, nos vastos quarteirões do Ministério do Auxílio. Glicínias de prodigiosa beleza enfeitavam a paisagem. Lírios de neve, matizados de ligeiro azul ao fundo do cálice, pareciam taças vivas, de caricioso aroma. 4 Respirei a longos haustos, sentindo que ondas de energia nova me penetravam o ser. Ao longe, as torres da Governadoria mostravam belos efeitos de luz. Deslumbrado, não conseguia emitir impressões. Esforçando-me para exteriorizar a admiração que me invadia a alma, falei comovidamente:

— Nunca presenciei tamanha paz! Que noite!…

5 O companheiro sorriu e acentuou:

— Há compromisso entre todos os habitantes equilibrados da colônia, no sentido de não se emitirem pensamentos contrários ao bem. Dessarte, o esforço da maioria se transforma numa prece quase perene. Daí nascerem as vibrações de paz que observamos.


2. Após enlevar-me na contemplação do quadro prodigioso, como se estivesse bebendo a luz e a calma da noite, voltamos ao interior onde Lísias se aproximou de pequeno aparelho postado na sala, à maneira de nossos receptores radiofônicos. Aguçou-se-me a curiosidade. 2 Que iríamos ouvir? Mensagens da Terra? Vindo ao encontro de minhas interrogações íntimas, o amigo esclareceu:

— Não ouviremos vozes do planeta. Nossas transmissões baseiam-se em forças vibratórias mais sutis que as da Esfera da crosta.

3 — Mas não há recurso? — Indaguei, — para recolher as emissões terrestres?

— Sem dúvida que temos elementos para faze-lo, em todos os Ministérios; 4 entretanto, no ambiente doméstico o problema de nossa atualidade é essencial. A programação do serviço necessário, as notas da espiritualidade superior, os ensinamentos elevados vivem, agora, para nós outros, muito acima de qualquer cogitação terrestre.


3. A observação era justa; mas, habituado ao apego doméstico, inquiri, de pronto:

— Será tanto assim? E os parentes que ficaram a distância? Nossos pais, nossos filhos?

2 — Já esperava essa pergunta: Nos Círculos terrestres somos levados, muitas vezes, a viciar as situações. A hipertrofia do sentimento é mal comum de quase todos nós. Somos, por lá, velhos prisioneiros da condição exclusivista. 3 Em família, isolamo-nos frequentemente no cadinho do sangue e esquecemos o resto das obrigações. Vivemos distraídos dos verdadeiros princípios de fraternidade. Ensinamo-los a todo mundo, mas, em geral, chegado o momento do testemunho, somos solidários apenas com os nossos. 4 Aqui, porém, meu amigo, a medalha da vida apresenta a outra face. É preciso curar nossas velhas enfermidades e sanar injustiças. No início da colônia, todas as moradias, ao que sabemos, ligavam-se com os núcleos de evolução terrestre. Ninguém suportava a ausência de notícias da parentela comum. 5 Do Ministério da Regeneração ao da Elevação, vivia-se em constante guerra nervosa. Boatos assustadores perturbavam as atividades em geral. 6 Mas, precisamente há dois séculos, um dos generosos Ministros da União Divina compelia a Governadoria a melhorar a situação. O ex-Governador era talvez demasiadamente tolerante. A bondade desviada provoca indisciplinas e quedas. 7 E, de quando em quando, as notícias dos afeiçoados terrestres punham muitas famílias em polvorosa. Os desastres coletivos no mundo, quando interessassem algumas entidades em “Nosso Lar” eram aqui verdadeiras calamidades públicas.  8 Segundo nosso arquivo, a cidade era mais um departamento do Umbral, que propriamente zona de refazimento e instrução. 9 Amparado pela União Divina, o Governador proibiu o intercâmbio generalizado. Houve luta. Mas o Ministro generoso, que incrementou a medida, valeu-se do ensinamento de Jesus que manda os mortos enterrarem seus mortos ( † ) e a inovação se tornou vitoriosa em pouco tempo.

10 — Entretanto, — objetei, — seria interessante colher notícias dos nossos amados em trânsito na Terra. Não daria isso mais tranquilidade à alma?

Lísias, que permanecia junto ao receptor, sem ligá-lo, como interessado em me fornecer explicações mais amplas, acrescentou:

— Observe a si mesmo, a fim de ver se valeria a pena. 11 Está preparado, por exemplo, para saber que um filho de seu coração está caluniado ou caluniando, mantendo a precisa serenidade, esperando com fé e agindo com os preceitos divinos? Se alguém o informasse, agora, que um dos irmãos consanguíneos foi hoje encarcerado como criminoso, teria bastante força para conservar-se tranquilo?

12 Sorri, desapontado.

— Não devemos procurar notícias dos Planos Inferiores, — prosseguiu, solícito, — senão para levar auxílios justos. Convenhamos, porém, que criatura alguma auxiliará com justiça, experimentando desequilíbrios do sentimento e do raciocínio. 13 Por isso, é indispensável a preparação conveniente, antes de novos contatos com os parentes terrenos. Se eles oferecessem campo adequado ao amor espiritual, o intercâmbio seria desejável; mas esmagadora porcentagem de encarnados não alcançou, ainda, nem mesmo o domínio próprio e vive às tontas, nos altos e baixos das flutuações de ordem material. Precisamos, embora as dificuldades sentimentais, evitar a queda nos círculos vibratórios inferiores.

14 Contudo, evidenciando minha teimosia caprichosa, indaguei:

— Mas, Lísias, você que tem um amigo encarnado, qual seu pai, não gostaria de comunicar-se com ele?

— Sem dúvida; — respondeu bondosamente, — quando merecemos essa alegria, visitamo-lo em sua nova forma, verificando-se o mesmo, quando se trata de qualquer expressão de intercâmbio entre ele e nós.


4. Não devemos esquecer, entretanto, que somos criaturas falíveis. Necessitamos, pois, recorrer aos órgãos competentes, que determinem a oportunidade ou o merecimento exigidos. 4 Para esse fim, temos o Ministério da Comunicação. Acresce notar que, da Esfera superior, é possível descer à inferior com mais facilidade.  5 Existem, contudo, certas leis que mandam compreender devidamente os que se encontram nas zonas mais baixas. É tão importante saber falar como saber ouvir. “Nosso Lar” vivia em perturbações porque, não sabendo ouvir, não podia auxiliar com êxito e a colônia transformava-se, frequentemente, em campo de confusão.

6 Calei-me vencido pelo argumento ponderoso. E, enquanto me conservava em silêncio, o enfermeiro amigo abriu o controle de recepção sob meus olhos curiosos.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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