O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Nosso Lar — André Luiz


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O Bônus-hora

(Sumário)

1. Notando que a senhora Laura entristecera subitamente ao recordar o marido, modifiquei o rumo da palestra, interrogando:

— Que me diz do bônus-hora? Trata-se de algum metal amoedado?

2 Minha interlocutora perdeu o aspecto cismarento, a que se recolhera, e replicou, atenciosa:

— Não é propriamente moeda, mas ficha de serviço individual, funcionando como valor aquisitivo.

3 — Aquisitivo? — Perguntei abruptamente.

— Explico-me: — Respondeu a bondosa senhora; — em “Nosso Lar” a produção de vestuário e alimentação elementares pertence a todos em comum. Há serviços centrais de distribuição na Governadoria e departamentos do mesmo trabalho nos Ministérios. O celeiro fundamental é propriedade coletiva.

4 Ante meu gesto silencioso de espanto, acentuou:

— Todos cooperam no engrandecimento do patrimônio comum e dele vivem. Os que trabalham, porém, adquirem direitos justos. 5 Cada habitante de “Nosso Lar” recebe provisões de pão e roupa, no que se refere ao estritamente necessário; mas os que se esforçam na obtenção do bônus-hora conseguem certas prerrogativas na comunidade social. 6 O espírito que ainda não trabalha, poderá ser abrigado aqui; no entanto, os que cooperem podem ter casa própria. O ocioso vestirá, sem dúvida; mas o operário dedicado vestirá o que melhor lhe pareça; compreendeu?  7 Os inativos podem permanecer nos campos de repouso, ou nos parques de tratamento, favorecidos pela intercessão de amigos; entretanto, as almas operosas conquistam o bônus-hora e podem gozar a companhia de irmãos queridos, nos lugares consagrados ao entretenimento, ou o contato de orientadores sábios, nas diversas escolas dos Ministérios em geral. 8 Precisamos conhecer o preço de cada nota de melhoria e elevação. Cada um de nós, os que trabalhamos, deve dar, no mínimo, oito horas de serviço útil, nas vinte e quatro de que o dia se constitui. 9 Os programas de trabalho, porém, são numerosos e a Governadoria permite quatro horas de esforço extraordinário, aos que desejem colaborar no trabalho comum, de boa vontade. Desse modo, há muita gente que consegue setenta e dois bônus-hora, por semana, sem falar dos serviços sacrificiais, cuja remuneração é duplicada e, às vezes, triplicada.


2. — Mas, é esse o único título de remuneração? — Perguntei.

— Sim, é o padrão de pagamento a todos os colaboradores da colônia, não só na administração, como na obediência.

2 Lembrando as organizações terrestres, indaguei, espantado:

— Todavia, como conciliar semelhante padrão com a natureza do serviço? O administrador ganhará oito bônus-hora na atividade normal do dia, e o operário do transporte receberá a mesma cousa? Não é o trabalho do primeiro mais elevado que o do segundo?

3 A senhora sorriu à pergunta e explicou:

— Tudo é relativo. Se, na orientação ou na subalternidade, o trabalho é de sacrifício pessoal, a expressão remunerativa é justamente multiplicada.  4 Examinando, porém, mais detidamente a sua pergunta, precisamos, antes de mais nada, esquecer determinados prejuízos da Terra. A natureza do serviço é problema dos mais importantes; contudo, na própria Esfera da crosta é que o assunto apresenta solução mais difícil. 5 A maioria dos homens encarnados está simplesmente ensaiando o espírito de serviço e aprendendo a trabalhar nos diversos setores da vida humana. Por isso mesmo, é imprescindível fixar as remunerações terrestres com maior atenção. 6 Todo o ganho externo do mundo é lucro transitório. Vemos trabalhadores obsidiados pela questão de ganhar, transmitindo fortunas vultosas à inconsciência e à dissipação; outros amontoam expressões bancárias que lhes servem de martírio pessoal e de ruína à família. 7 Por outro lado, é indispensável considerar que setenta por cento dos administradores terrenos não pesam os deveres morais que lhes competem, e que a mesma percentagem pede ser adjudicada a quantos foram chamados à subordinação. Vivem, quase todos, a confessar ausência do impulso vocacional, recebendo embora os proventos comuns aos cargos que ocupam.  8 Governos e empresas pagam a médicos que se entregam à exploração de interesses outros e a operários que matam o tempo. Onde, aí, a natureza do serviço? Há técnicos de indústria econômica, que nunca prezaram integralmente a obrigação que lhes assiste e valem-se de leis magnânimas, à maneira de moscas venenosas no pão sagrado, exigindo abonos, facilidades e aposentadorias. Creia, porém, que todos pagarão muito caro a displicência. 9 Parece ainda distante o tempo em que os institutos sociais poderão determinar a qualidade de serviço dos homens, porque, para o Plano Espiritual Superior, não se especificará teor de trabalho, sem a consideração dos valores morais despendidos.

10 Essas palavras despertavam-me para concepções novas. Percebendo-me a sede de instrução, a interlocutora continuou:

— O verdadeiro ganho da criatura é de natureza espiritual e o bônus-hora, em nossa organização, modifica-se em valor substancial, segundo a natureza dos nossos serviços. 11 No Ministério da Regeneração, temos o Bônus-Hora-Regeneração; 12 no Ministério do Esclarecimento, o Bônus-Hora-Esclarecimento, e assim por diante. 13 Ora, examinando o provento espiritual, é razoável que a documentação de trabalho revele a essência do serviço. As aquisições fundamentais constituem-se de experiência: educação, enriquecimento de bênçãos divinas, extensão de possibilidades. 14 Nesse prisma, os fatores assiduidade e dedicação representam, aqui, quase tudo. Em geral, em nossa cidade de transição, a maioria prepara-se com vistas à necessidade de regresso aos Círculos carnais. 15 Examinando esse princípio, é natural que o homem que empregou cinco mil horas, em serviços regeneradores, tenha efetuado esforço sublime, a benefício de si mesmo; o que despendeu seis mil horas de atividade, no Ministério do Esclarecimento, estará mais sábio. 16 Poderemos gastar os bônus-hora conquistados; entretanto, é mais valioso ainda o registro individual da contagem de tempo de serviço útil, que nos confere direito a preciosos títulos.


3. Semelhantes instruções interessavam-me profundamente.

— Poderemos, porém, gastar nossos bônus-hora a favor dos amigos? n — Indaguei curioso.

— Perfeitamente, — disse ela; — poderemos repartir as bênçãos de nosso esforço com quem nos aprouver. Isto é direito inalienável do trabalhador fiel. Contam-se por milhares as pessoas favorecidas em “Nosso Lar”, pela movimentação da amizade e do estímulo fraternal.

2 A essa altura, a progenitora de Lísias sorriu e observou:

— Quanto maior a contagem do nosso tempo de trabalho, maiores intercessões podemos fazer. 3 Compreendemos, aqui, que nada existe sem preço e que para receber é indispensável dar alguma coisa. 4 Pedir, portanto, é ocorrência muito significativa na existência de cada um. Somente poderão rogar providências e dispensar obséquio os portadores de títulos adequados, entendeu?


4. — E o problema da herança? — Inquiri de repente.

— Não temos aqui demasiadas complicações, — respondeu a senhora Laura, sorrindo. — Vejamos, por exemplo, o meu caso. 2 Aproxima-se o tempo do meu regresso aos Planos da crosta. Tenho comigo três mil Bônus-Hora-Auxílio, no meu quadro de economia pessoal. 3 Não posso legá-los a minha filha que está a chegar, porque esses valores serão revertidos ao patrimônio comum, permanecendo minha família apenas com o direito de herança ao lar; 4 no entanto, minha ficha de serviço autoriza-me a interceder por ela, organizando-lhe aqui trabalho e concurso amigo, assegurando-me, igualmente, o valioso auxílio das organizações de nossa colônia espiritual, durante minha permanência nos Círculos carnais. 5 Nesse cômputo, deixo de referir-me ao lucro maravilhoso que adquiri no capítulo da experiência, nos anos de cooperação no Ministério do Auxílio. Volto à Terra, investida de valores mais altos e demonstrando qualidades mais nobres de preparação ao êxito desejado.

6 Ia prorromper em exclamações admirativas, referentes ao processo simples de ganhar, aproveitar, cooperar e servir, confrontando aquelas soluções com os princípios imperantes no planeta, mas um vozerio brando aproximou-se da casa. Antes que pudesse emitir qualquer observação, a senhora Laura murmurou, satisfeita:

— Nossos queridos estão de volta.

E levantou-se para atender.


André Luiz



[1] [No item 3 do capítulo 45 há um exemplo onde Lísias  gentilmente paga o ingresso dele, de Lascínia e de André Luiz no Campo da Música.]


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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