1.
Notando que a senhora Laura entristecera subitamente ao recordar o marido,
modifiquei o rumo da palestra, interrogando:
— Que me diz do bônus-hora? Trata-se de algum metal amoedado?
2 Minha interlocutora perdeu
o aspecto cismarento, a que se recolhera, e replicou, atenciosa:
— Não é propriamente moeda, mas ficha de serviço individual, funcionando como valor aquisitivo.
3 — Aquisitivo? — Perguntei
abruptamente.
— Explico-me: — Respondeu a bondosa senhora; — em “Nosso Lar” a produção de vestuário e alimentação elementares pertence a todos em comum. Há serviços centrais de distribuição na Governadoria e departamentos do mesmo trabalho nos Ministérios. O celeiro fundamental é propriedade coletiva.
4 Ante meu gesto silencioso
de espanto, acentuou:
— Todos cooperam no engrandecimento do patrimônio comum e dele vivem.
Os que trabalham, porém, adquirem direitos justos. 5
Cada habitante de “Nosso Lar” recebe provisões de pão e roupa, no que
se refere ao estritamente necessário; mas os que se esforçam na obtenção
do bônus-hora conseguem certas prerrogativas na comunidade social. 6
O espírito que ainda não trabalha, poderá ser abrigado aqui; no entanto,
os que cooperem podem ter casa própria. O ocioso vestirá, sem dúvida;
mas o operário dedicado vestirá o que melhor lhe pareça; compreendeu?
7 Os inativos podem
permanecer nos campos de repouso, ou nos parques de tratamento, favorecidos
pela intercessão de amigos; entretanto, as almas operosas conquistam
o bônus-hora e podem gozar a companhia de irmãos queridos, nos lugares
consagrados ao entretenimento, ou o contato de orientadores sábios,
nas diversas escolas dos Ministérios em geral. 8
Precisamos conhecer o preço de cada nota de melhoria e elevação. Cada
um de nós, os que trabalhamos, deve dar, no mínimo, oito horas de serviço
útil, nas vinte e quatro de que o dia se constitui. 9
Os programas de trabalho, porém, são numerosos e a Governadoria permite
quatro horas de esforço extraordinário, aos que desejem colaborar no
trabalho comum, de boa vontade. Desse modo, há muita gente que consegue
setenta e dois bônus-hora, por semana, sem falar dos serviços sacrificiais,
cuja remuneração é duplicada e, às vezes, triplicada.
2.
— Mas, é esse o único título de remuneração? — Perguntei.
— Sim, é o padrão de pagamento a todos os colaboradores da colônia, não só na administração, como na obediência.
2 Lembrando as organizações
terrestres, indaguei, espantado:
— Todavia, como conciliar semelhante padrão com a natureza do serviço? O administrador ganhará oito bônus-hora na atividade normal do dia, e o operário do transporte receberá a mesma cousa? Não é o trabalho do primeiro mais elevado que o do segundo?
3 A senhora sorriu à pergunta
e explicou:
— Tudo é relativo. Se, na orientação ou na subalternidade, o trabalho
é de sacrifício pessoal, a expressão remunerativa é justamente multiplicada.
4 Examinando, porém,
mais detidamente a sua pergunta, precisamos, antes de mais nada, esquecer
determinados prejuízos da Terra. A natureza do serviço é problema dos
mais importantes; contudo, na própria Esfera da crosta é que o assunto
apresenta solução mais difícil. 5
A maioria dos homens encarnados está simplesmente ensaiando o espírito
de serviço e aprendendo a trabalhar nos diversos setores da vida humana.
Por isso mesmo, é imprescindível fixar as remunerações terrestres com
maior atenção. 6 Todo
o ganho externo do mundo é lucro transitório. Vemos trabalhadores obsidiados
pela questão de ganhar, transmitindo fortunas vultosas à inconsciência
e à dissipação; outros amontoam expressões bancárias que lhes servem
de martírio pessoal e de ruína à família. 7
Por outro lado, é indispensável considerar que setenta por cento dos
administradores terrenos não pesam os deveres morais que lhes competem,
e que a mesma percentagem pede ser adjudicada a quantos foram chamados
à subordinação. Vivem, quase todos, a confessar ausência do impulso
vocacional, recebendo embora os proventos comuns aos cargos que ocupam.
8 Governos e empresas
pagam a médicos que se entregam à exploração de interesses outros e
a operários que matam o tempo. Onde, aí, a natureza do serviço?
Há técnicos de indústria econômica, que nunca prezaram integralmente
a obrigação que lhes assiste e valem-se de leis magnânimas, à maneira
de moscas venenosas no pão sagrado, exigindo abonos, facilidades e aposentadorias.
Creia, porém, que todos pagarão muito caro a displicência. 9
Parece ainda distante o tempo em que os institutos sociais poderão determinar
a qualidade de serviço dos homens, porque, para o Plano Espiritual Superior,
não se especificará teor de trabalho, sem a consideração dos valores
morais despendidos.
10 Essas palavras despertavam-me
para concepções novas. Percebendo-me a sede de instrução, a interlocutora
continuou:
— O verdadeiro ganho da criatura é de natureza espiritual e o bônus-hora,
em nossa organização, modifica-se em valor substancial, segundo a natureza
dos nossos serviços. 11
No Ministério da Regeneração, temos o Bônus-Hora-Regeneração; 12
no Ministério do Esclarecimento, o Bônus-Hora-Esclarecimento, e assim
por diante. 13 Ora,
examinando o provento espiritual, é razoável que a documentação de trabalho
revele a essência do serviço. As aquisições fundamentais constituem-se
de experiência: educação, enriquecimento de bênçãos divinas, extensão
de possibilidades. 14
Nesse prisma, os fatores assiduidade e dedicação representam, aqui,
quase tudo. Em geral, em nossa cidade de transição, a maioria prepara-se
com vistas à necessidade de regresso aos Círculos carnais. 15
Examinando esse princípio, é natural que o homem que empregou cinco
mil horas, em serviços regeneradores, tenha efetuado esforço sublime,
a benefício de si mesmo; o que despendeu seis mil horas de atividade,
no Ministério do Esclarecimento, estará mais sábio. 16
Poderemos gastar os bônus-hora conquistados; entretanto, é mais valioso
ainda o registro individual da contagem de tempo de serviço útil, que
nos confere direito a preciosos títulos.
3.
Semelhantes instruções interessavam-me profundamente.
— Poderemos, porém, gastar nossos bônus-hora a favor dos amigos? n — Indaguei curioso.
— Perfeitamente, — disse ela; — poderemos repartir as bênçãos de nosso esforço com quem nos aprouver. Isto é direito inalienável do trabalhador fiel. Contam-se por milhares as pessoas favorecidas em “Nosso Lar”, pela movimentação da amizade e do estímulo fraternal.
2 A essa altura, a progenitora
de Lísias sorriu e observou:
— Quanto maior a contagem do nosso tempo de trabalho, maiores intercessões
podemos fazer. 3 Compreendemos,
aqui, que nada existe sem preço e que para receber é indispensável dar
alguma coisa. 4 Pedir,
portanto, é ocorrência muito significativa na existência de cada um.
Somente poderão rogar providências e dispensar obséquio os portadores
de títulos adequados, entendeu?
4.
— E o problema da herança? — Inquiri de repente.
— Não temos aqui demasiadas complicações, — respondeu a senhora Laura,
sorrindo. — Vejamos, por exemplo, o meu caso. 2
Aproxima-se o tempo do meu regresso aos Planos da crosta. Tenho comigo
três mil Bônus-Hora-Auxílio, no meu quadro de economia pessoal. 3
Não posso legá-los a minha filha que está a chegar, porque esses valores
serão revertidos ao patrimônio comum, permanecendo minha família apenas
com o direito de herança ao lar; 4
no entanto, minha ficha de serviço autoriza-me a interceder por ela,
organizando-lhe aqui trabalho e concurso amigo, assegurando-me, igualmente,
o valioso auxílio das organizações de nossa colônia espiritual, durante
minha permanência nos Círculos carnais. 5
Nesse cômputo, deixo de referir-me ao lucro maravilhoso que adquiri
no capítulo da experiência, nos anos de cooperação no Ministério do
Auxílio. Volto à Terra, investida de valores mais altos e demonstrando
qualidades mais nobres de preparação ao êxito desejado.
6 Ia prorromper em exclamações
admirativas, referentes ao processo simples de ganhar, aproveitar, cooperar
e servir, confrontando aquelas soluções com os princípios imperantes
no planeta, mas um vozerio brando aproximou-se da casa. Antes que
pudesse emitir qualquer observação, a senhora Laura murmurou, satisfeita:
— Nossos queridos estão de volta.
E levantou-se para atender.
André Luiz
[1] [No item 3 do capítulo 45 há um exemplo onde Lísias gentilmente paga o ingresso dele, de Lascínia e de André Luiz no Campo da Música.]