1.
Terminada a oração, chamou-nos à mesa a dona da casa, servindo caldo
reconfortante e frutas perfumadas, que mais pareciam concentrados de
fluidos deliciosos. Eminentemente surpreendido, ouvi a senhora Laura
observar com graça:
2 — Afinal, nossas refeições
aqui são muito mais agradáveis que na Terra. Há residências, em “Nosso
Lar” que as dispensam quase por completo; mas, nas zonas do Ministério
do Auxílio, não podemos prescindir dos concentrados fluídicos, tendo
em vista os serviços pesados que as circunstâncias impõem. Despendemos
grande quantidade de energias. É necessário renovar provisões de força.
3 — Isso, porém, — ponderou
uma das jovens, — não quer dizer que somente nós, os funcionários do
Auxílio e da Regeneração, vivamos a depender de alimentos. Todos os
Ministérios, inclusive o da União Divina, não os dispensam, diferindo
apenas a feição substancial. Na Comunicação e no Esclarecimento há enorme
dispêndio de frutos. Na Elevação o consumo de sucos e concentrados não
é reduzido, e, na União Divina, os fenômenos de alimentação atingem
o inimaginável.
4 Meu olhar indagador ia de
Lísias para a Senhora Laura, ansioso de explicações imediatas. Sorriam
todos da minha natural perplexidade, mas a mãe de Lísias veio ao encontro
dos meus desejos, explicando:
2.
— Nosso irmão talvez ainda ignore que o maior sustentáculo das criaturas
é justamente o amor. De quando em quando, recebemos em “Nosso Lar” grandes
comissões de instrutores, que ministram ensinamentos relativos à nutrição
espiritual. 2 Todo
o sistema de alimentação, nas variadas Esferas da vida, tem no amor a
base profunda [v. O
alimento de Jesus]. 3
O alimento físico, mesmo aqui, propriamente considerado, é simples problema
de materialidade transitória, como no caso dos veículos terrestres,
necessitados de colaboração da graxa e do óleo. 4
A alma, em si, apenas se nutre de amor. Quanto mais nos elevarmos no
plano evolutivo da Criação, mais extensamente conheceremos essa verdade.
Não lhe parece que o amor divino seja o cibo n
do Universo?
5 Tais elucidações confortavam-me
sobremaneira. Percebendo-me a satisfação íntima, Lísias interveio, acentuando:
— Tudo se equilibra no amor infinito de Deus, e, quanto mais evolvido
o ser criado, mais sutil o processo de alimentação. 6
O verme, no subsolo do planeta, nutre-se essencialmente de terra. O
grande animal colhe na planta os elementos de manutenção, a exemplo
da criança sugando o seio materno. 7
O homem colhe o fruto do vegetal, transforma-o segundo a exigência do
paladar que lhe é próprio, e serve-se dele à mesa do lar. 8
Nós outros, criaturas desencarnadas, necessitamos de substâncias suculentas,
tendentes à condição fluídica, e o processo será cada vez mais delicado,
à medida que se intensifique a ascensão individual.
9 — Não esqueçamos,
todavia, a questão dos veículos, — acrescentou a senhora Laura, — porque,
no fundo, o verme, o animal, o homem e nós, dependemos absolutamente
do amor. Todos nos movemos nele e sem ele não teríamos existência.
— É extraordinário! — Aduzi, comovido.
10 — Não se lembra
do ensino evangélico do “amai-vos uns aos outros”? ( † )
— Prosseguiu a mãe de Lísias atenciosa, — Jesus não preceituou esses
princípios objetivando tão somente os casos de caridade, nos quais todos
aprenderemos, mais dia menos dia, que a prática do bem constitui simples
dever. 11 Aconselhava-nos,
igualmente, a nos alimentarmos uns aos outros, no campo da fraternidade
e da simpatia. 12
O homem encarnado saberá, mais tarde, que a conversação amiga, o gesto
afetuoso, a bondade recíproca, a confiança mútua, a luz da compreensão,
o interesse fraternal, — patrimônios que se derivam naturalmente do amor
profundo, — constituem sólidos alimentos para a vida em si. 13
Reencarnados na Terra, experimentamos grandes limitações; voltando para
cá, entretanto, reconhecemos que toda a estabilidade da alegria é problema
de alimentação puramente espiritual. Formam-se lares, vilas, cidades
e nações em obediência a imperativos tais.
14 Recordei instintivamente
as teorias do sexo, largamente divulgadas no mundo; mas, adivinhando-me
talvez os pensamentos, a senhora Laura sentenciou:
— E ninguém diga que o fenômeno é simplesmente sexual. O sexo é manifestação
sagrada desse amor universal e divino, mas é apenas uma expressão isolada
do potencial infinito. 15
Entre os casais mais espiritualizados, o carinho e a confiança, a dedicação
e o entendimento mútuos permanecem muito acima da união física, reduzida,
entre eles, a realização transitória. 16
A permuta magnética é o fator que estabelece ritmo necessário à manifestação
da harmonia. Para que se alimente a ventura, basta a presença e, às
vezes, apenas a compreensão.
3.
Valendo-se da pausa, Judite acrescentou:
— Aprendemos em “Nosso Lar” que a vida terrestre se equilibra no amor, sem
que a maior parte dos homens se aperceba. Almas gêmeas, almas irmãs,
almas afins, constituem pares e grupos numerosos. Unindo-se umas às
outras, amparando-se mutuamente, conseguem equilíbrio no plano de redenção.
2 Quando, porém, faltam
companheiros, a criatura menos forte costuma sucumbir a meio da jornada. É preciso muita identificação com a fé sobre humana para viver o homem, ou a mulher, solitários no mundo.
— Como vê, meu amigo, — objetou Lísias contente, — ainda aqui é possível relembrar o Evangelho do Cristo. “Nem só de pão vive o homem.” ( † )
3 Antes, porém, de se alinharem
novas considerações, tiniu a campainha fortemente.
Levantou-se o enfermeiro para atender.
Dois rapazes de fino trato entraram na sala.
— Aqui tem, — disse Lísias, dirigindo-se a mim gentilmente, — nossos irmãos Polidoro e Estácio, companheiros de serviço no Ministério do Esclarecimento.
Saudações, abraços, alegria.
4 Decorridos momentos, a senhora
Laura falou sorridente:
— Todos vocês trabalharam muito, hoje. Utilizaram o dia com proveito. Não estraguem o programa afetivo, por nossa causa. Não esqueçam a excursão ao Campo da Música.
5 Notando a preocupação de
Lísias, advertiu a palavra materna:
— Vai, meu filho. Não faças Lascínia esperar tanto. Nosso irmão ficará em minha companhia, até que te possa acompanhar nesses entretenimentos.
— Não se incomode por mim, — exclamei, instintivamente.
6 A senhora Laura, porém,
esboçou amável sorriso e respondeu:
— Não poderei compartilhar das alegrias do Campo, ainda hoje. Temos em casa minha neta convalescente, que voltou da Terra há poucos dias.
7 Saíram todos, em meio do
júbilo geral. A dona da casa, fechando a porta, voltou-se para mim e
explicou sorridente:
— Vão em busca do alimento a que nos referíamos. Os laços afetivos, aqui, são
mais belos e mais fortes. 8
O amor, meu amigo, é o pão divino das almas, o pábulo n
sublime dos corações.
André Luiz
[1] Cibo. — S. m. Alimento. Lat. cibus.
[2] Pábulo. — S. m. Alimento, sustento, comida, forragem, pasto. Lat. pabulum.