O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Nosso Lar — André Luiz


17

Em casa de Lísias

(Sumário)

1. Não se passaram muitos dias, após a inesperada visita de minha mãe, quando Lísias me veio buscar, a chamado do Ministro Clarêncio. Segui-o, surpreso.

Recebido amavelmente pelo generoso benfeitor, esperava-lhe as ordens com enorme prazer.

2 — Meu amigo, — disse, afável, — doravante está autorizado a fazer observações nos diversos setores de nossos serviços, com exceção dos Ministérios de natureza superior. Henrique de Luna deu por terminado seu tratamento, na semana última, e é justo, agora, aproveite o tempo observando e aprendendo.

3 Olhei para Lísias, como irmão que devia participar da minha felicidade indizível, naquele instante. O enfermeiro correspondeu-me ao olhar com intenso júbilo. Não cabia em mim de contente. Era o início de vida nova. De alguma sorte, poderia trabalhar, ingressando em escolas diferentes. Clarêncio, que parecia perceber minha intraduzível ventura, acentuou:

4 — Tornando-se dispensável sua permanência no parque hospitalar, examinarei atentamente a possibilidade de sua localização em ambiente novo. Consultarei alguma de nossas instituições…

5 Lísias, porém, cortou-lhe a palavra, exclamando:

— Se possível, estimaria recebê-lo em nossa casa, enquanto perdurar o curso de observações; lá, minha mãe o trataria como filho.

Fitei o visitador num transporte de alegria. Clarêncio, por sua vez, também lhe endereçou um olhar de aprovação, murmurando:

— Muito bem, Lísias! Jesus alegra-se conosco, sempre que recebemos um amigo no coração.

6 Abracei o generoso enfermeiro, sem poder traduzir meu agradecimento. A alegria às vezes nos emudece.

— Guarde este documento, — disse-me o atencioso Ministro do Auxílio, entregando-me pequena caderneta, — com ele, poderá ingressar nos Ministérios da Regeneração, do Auxílio, da Comunicação e do Esclarecimento, durante um ano. Decorrido esse tempo, veremos o que será possível fazer relativamente aos seus desejos. Instrua-se, meu caro. Não perca tempo. O interstício das experiências carnais deve ser bem aproveitado.


2. Lísias deu-me o braço e saí, cambaleando de prazer.

Passados minutos, eis-nos à porta de graciosa construção, cercada de colorido jardim.

— É aqui, — exclamou o companheiro, delicado.

E, com expressão carinhosa, acrescentou:

— O nosso lar, dentro de “Nosso Lar”.

2 Ao tinido brando da campainha no interior, surgiu à porta simpática matrona.

— Mãe! Mãe!… — Gritou o enfermeiro, apresentando-me alegremente, — este é o irmão que prometi trazer-te.

— Seja bem-vindo, amigo! — Exclamou a senhora, nobremente. — Esta casa é sua.

E abraçando-me:

— Soube que sua mamãe não vive aqui. Nesse caso, terá em mim uma irmã, com funções maternais.

3 Não sabia como agradecer a generosa hospitalidade. Ia ensaiar algumas frases, para demonstrar minha comoção e reconhecimento, mas a nobre matrona, revelando singular bom humor, adiantou-se, adivinhando-me os pensamentos:

— Está proibido de falar em agradecimentos. Não o faça. Obrigar-me-ia a lembrar, de repente, muitas frases convencionais da Terra…

Rimo-nos todos e murmurei, comovido:

— Que o Senhor traduza meu agradecimento a todos em renovadas bênçãos de alegria e paz.

4 Entramos. Ambiente simples e acolhedor. Móveis quase idênticos aos terrestres; objetos em geral, demonstrando pequeninas variantes. Quadros de sublime significação espiritual, um piano de notáveis proporções, descansando sobre ele grande harpa talhada em linhas nobres e delicadas. Identificando-me a curiosidade, Lísias falou, prazenteiro:

— Como vê, depois do sepulcro não encontrou ainda os anjos harpistas; mas aí temos uma harpa esperando por nós mesmos.

5 — Oh! Lísias, — atalhou a palavra materna, carinhosa, — não faças ironia. Não te recordas como o Ministério da União Divina recebeu o pessoal da Elevação, no ano passado, quando passaram por aqui alguns embaixadores da Harmonia?

— Sim, mamãe; mas quero apenas dizer que os harpistas existem, e precisamos criar audição espiritual, para ouvi-los, esforçando-nos, por nossa vez, no aprendizado das coisas divinas.

6 Em seguida aos conceitos obrigatórios de apresentação, com que relacionei minha procedência, vim a saber que a família de Lísias vivera em antiga cidade do Estado do Rio de Janeiro; que sua mãe chamava-se Laura e que, em casa, tinha consigo duas irmãs, Iolanda e Judite.

7 Respirava-se, ali, doce e reconfortante intimidade. Não conseguia disfarçar meu contentamento e alegria, enorme. Aquele primeiro contato com a organização doméstica na colônia enlevava-me. A hospitalidade, cheia de ternura, arrancava-me ao espírito notas de profunda emoção.

8 Face ao tiroteio de perguntas, Iolanda exibiu-me livros maravilhosos. Notando-me o interesse, a dona da casa advertiu:

— Temos em “Nosso Lar”, no que concerne à literatura, uma enorme vantagem; é que os escritores de má-fé, os que estimam o veneno psicológico, são conduzidos imediatamente para as zonas obscuras do Umbral. Por aqui não se equilibram, nem mesmo no Ministério da Regeneração, enquanto perseveram em semelhante estado d’alma.

9 Não pude deixar de sorrir, continuando a observar os primores da arte fotográfica, nas páginas sob meus olhos.

Em seguida, chamou-me Lísias para ver algumas dependências da casa, demorando-me na Sala do Banho, cujas instalações interessantes maravilharam-me. Tudo simples, mas confortável.

10 Não voltara a mim da admiração que me empolgava, quando a senhora Laura convidou à oração.

Sentamo-nos, silenciosos, em torno da grande mesa. Ligado um grande aparelho, fez-se ouvir música suave. Era o louvor do momento crepuscular. 11 Surgiu, ao fundo, o mesmo quadro prodigioso da Governadoria, que eu nunca me cansava de contemplar todas as tardes, no parque hospitalar. Naquele momento, porém, sentia-me dominado de profunda e misteriosa alegria. E vendo o coração azul desenhado ao longe, senti que minh’alma se ajoelhava no templo interior, em sublimes transportes de júbilo e reconhecimento.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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