1.
Consolou-me a palavra maternal, reorganizando-me as energias interiores.
Minha mãe comentava o serviço como se fora uma bênção, referia-se às dores e dificuldades,
levando-as a crédito de alegrias e lições sublimes. 2
Inesperado e inexprimível contentamento banhava-me o espírito. Aqueles
conceitos alimentavam-me de estranho modo. Sentia-me outro, mais alegre,
animado e feliz.
— Oh! Minha mãe! — Exclamei comovido, — deve ser maravilhosa a Esfera da sua habitação! Que sublimes contemplações espirituais, que ventura!…
3 Ela esboçou um sorriso significativo
e obtemperou:
— A Esfera Elevada, meu filho, requer, sempre, mais trabalho, maior abnegação.
Não suponhas que tua mãe permaneça em visões beatíficas, a distância
dos deveres justos. Devo fazer-te sentir, no entanto, que minhas palavras
não representam qualquer nota de tristeza, na situação em que me encontro.
É antes revelação de responsabilidade necessária. 4
Desde que voltei da Terra, tenho trabalhado intensamente pela nossa
renovação espiritual. Muitas entidades, desencarnando, permanecem agarradas
ao lar terrestre, a pretexto de muito amarem os que demoram no mundo
carnal. Ensinaram-me aqui, todavia, que o verdadeiro amor, para transbordar
em benefícios, precisa trabalhar sempre. Desde minha vinda, então, procuro
esforçar-me por conquistar o direito de ajudar aqueles que tanto amamos.
2.
— E meu pai? — Perguntei. — Onde está? Por que não veio com a senhora?
Minha mãe estampou singular expressão no rosto e respondeu:
— Ah! Teu pai! Teu pai!… Há doze anos que está numa zona de trevas
compactas, no Umbral. 2
Na Terra, sempre nos parecera fiel às tradições da família, arraigado
ao cavalheirismo do alto comércio, a cujos quadros pertenceu até o
fim da existência, e ao fervor do culto externo, em matéria religiosa;
mas, no fundo, era fraco e mantinha ligações clandestinas, fora do nosso
lar. 3 Duas delas estavam
mentalmente ligadas a vasta rede de entidades maléficas, e, tão logo
desencarnou o meu pobre Laerte, a passagem no Umbral lhe foi muito amarga,
porque as desventuradas criaturas, a quem fizera muitas promessas, aguardavam-no
ansiosas, prendendo-o de novo nas teias da ilusão. 4
A princípio, ele quis reagir, esforçando-se por encontrar-me, mas não
pôde compreender que após a morte do corpo físico a alma se encontra
tal qual vive intrinsecamente. 5
Laerte, portanto, não percebeu minha presença espiritual, nem a assistência
desvelada de outros amigos nossos. Tendo gasto muitos anos a fingir,
viciara a visão espiritual, restringira o padrão vibratório, e o resultado
foi achar-se tão só na companhia das relações que cultivara, irrefletidamente,
pela mente e pelo coração. 6
Os princípios de família, o amor ao nosso nome, ocuparam algum tempo
o seu espírito. De algum modo, lutou, repelindo as tentações; mas caiu
afinal, novamente enredado na sombra, por falta de perseverança no bom
e reto pensamento.
7 Eminentemente impressionado,
objetei:
— Não há, porém, meios de subtraí-lo a tais abjeções?
— Ah! Meu filho, — elucidou a palavra materna, — eu o visito frequentemente.
Ele, porém, não me percebe. Seu potencial vibratório é ainda muito baixo.
Tento atraí-lo ao bom caminho, pela inspiração, mas apenas consigo arrancar-lhe
algumas lágrimas de arrependimento, de quando em quando, sem obter resoluções
sérias. 8 As infelizes,
das quais se tornou prisioneiro, segregam-no às minhas sugestões. Venho
trabalhando intensamente, anos a fio. Solicitei o amparo de amigos em
cinco núcleos diversos, de atividade espiritual mais elevada, inclusive
aqui em “Nosso Lar”. 9
Certa vez, Clarêncio quase conseguiu atraí-lo ao Ministério da Regeneração,
mas debalde. Não é possível acender luz em candeia sem óleo e sem pavio…
Precisamos [da] adesão mental de Laerte, para conseguir levantá-lo e abrir-lhe
a visão espiritual. No entanto, o pobrezinho permanece inativo em si
mesmo, entre a indiferença e a revolta.
10 Depois de longa pausa, suspirou,
continuando:
— Talvez não saibas ainda que tuas irmãs Clara e Priscila vivem hoje
igualmente no Umbral, agarradas à crosta da Terra. Sou compelida a atender
às necessidades de todos. 11
Meu único auxílio direto repousava na cooperação afetuosa de tua irmã
Luísa, aquela que partiu quando eras pequenino. Luísa esperou-me aqui
muitos anos, foi meu braço forte nos trabalhos ásperos de amparo à família
terrena. 12 Ultimamente,
contudo, depois de lutar corajosa, a meu lado, a benefício de teu pai,
de ti e das irmãs, tão grande é a perturbação dos nossos familiares,
ainda na Terra, que voltou a semana passada, a fim de reencarnar entre
eles, num gesto heroico de sublime renúncia. Espero, pois, que te restabeleças
breve, para que possamos desdobrar atividades no bem.
13 Assombravam-me as informações
referentes a meu pai. Que espécie de lutas seriam as dele? Não parecia
sincero praticante dos preceitos religiosos, não comungava todos os
domingos? Enlevado com a dedicação maternal, perguntei:
14 — A senhora, entretanto,
auxilia o papai, não obstante a ligação dele com essas mulheres infames?
— Não [as] classifiques assim, — ponderou minha mãe, — dize, antes, meu filho, nossas irmãs doentes, ignorantes ou infelizes. São filhas de nosso Pai, igualmente. Não tenho feito intercessões apenas por Laerte, mas por elas também, e estou convencida de haver encontrado recursos para atraí-los todos ao meu coração.
3.
Espantou-me a grande manifestação de renúncia. Pensei subitamente em
minha família direta. Senti o velho apego à esposa e aos filhos queridos.
Perante Clarêncio e Lísias, deliberava sempre recalcar sentimentos e
calar indagações; mas o olhar materno encorajava-me. Alguma cousa
fazia-me sentir que minha mãe não se demoraria muito tempo a meu lado.
Aproveitando o minuto que corria célere, interroguei:
2 — A senhora, que tem acompanhado
o papai devotadamente, nada poderá informar relativamente a Zélia e
às crianças? Aguardo, ansioso, o instante de voltar a casa, a fim de
auxiliá-los. Oh! Minhas imensas saudades devem ser igualmente compartilhadas
por eles! Como deve sofrer minha desventurada esposa com esta separação!…
3 Minha mãe esboçou um sorriso
triste e acrescentou:
— Tenho visitado meus netos periodicamente. Vão bem.
E, depois de meditar alguns instantes, acentuou:
— Não deves, porém, inquietar-te com o problema de auxílio à família. Prepara-te, em primeiro lugar, para que sejamos bem sucedidos; há questões que precisamos entregar ao Senhor, em pensamento, antes de trabalhar na solução que elas requerem.
4 Quis insistir no assunto
para colher pormenores, mas minha mãe não reincidiu nele, esquivando-se,
generosa. A palestra estendeu-se ainda longa, envolvendo-me em sublime
conforto. Mais tarde, ela despediu-se. Curioso por saber como vivia
até ali, pedi permissão para acompanhá-la. Afagou-me então, carinhosa,
e disse:
4.
— Não venhas, meu filho. Esperam-me com urgência no Ministério da Comunicação,
onde serei munida de recursos fluídicos para a jornada de regresso,
nos gabinetes transformatórios. Além disso, preciso ainda avistar-me
com o Ministro Célio, para agradecer a oportunidade desta visita.
E, deixando-me nalma duradoura impressão de felicidade, beijou-me e partiu.
André Luiz