1.
Após receber tão valiosas elucidações, aguçava-se-me o desejo de intensificar
a aquisição de conhecimentos relativos a diversos problemas que a palavra
de Lísias sugeria. As referências a Espíritos do Umbral mordiam-me a
curiosidade. 2 A ausência
de preparação religiosa, no mundo, dá motivo a dolorosas perturbações.
Que seria o Umbral? Conhecia, apenas, a ideia do inferno e do purgatório,
através dos sermões ouvidos nas cerimônias católico-romanas a que assistira,
obedecendo a preceitos protocolares. Desse Umbral, porém, nunca tivera
notícias.
3 Ao primeiro encontro com
o generoso visitador, minhas perguntas não se fizeram esperar. Lísias
ouviu-me, atencioso, e replicou:
— Ora, ora, pois você andou detido por lá tanto tempo e não conhece a região?
Recordei os sofrimentos passados, experimentando arrepios de horror.
4 — O Umbral, — continuou
ele, solícito, — começa na crosta terrestre. É a zona obscura de quantos
no mundo não se resolveram a atravessar as portas dos deveres sagrados,
a fim de cumpri-los, demorando-se no vale da indecisão ou no pântano
dos erros numerosos. 5
Quando o Espírito reencarna, promete cumprir o programa de serviços
do Pai; entretanto, ao recapitular experiências no planeta, é muito
difícil faze-lo, para só procurar o que lhe satisfaça ao egoísmo. Assim
é que mantidos são o mesmo ódio aos adversários e a mesma paixão pelos
amigos. Mas, nem o ódio é justiça, nem a paixão é amor. Tudo o que excede,
sem aproveitamento, prejudica a economia da vida. 6
Pois bem: todas as multidões de desequilibrados permanecem nas regiões
nevoentas, que se seguem aos fluidos carnais. 7
O dever cumprido é uma porta que atravessamos no Infinito, rumo ao continente
sagrado da união com o Senhor. É natural, portanto, que o homem esquivo
à obrigação justa, tenha essa bênção indefinidamente adiada.
2.
Notando-me a dificuldade para apreender todo o conteúdo do ensinamento,
com vistas à minha quase total ignorância dos princípios espirituais,
Lísias procurou tornar a lição mais clara:
2 — Imagine que cada
um de nós, renascendo no planeta, somos portadores de um fato sujo,
para lavar no tanque da vida humana. Essa roupa imunda é o corpo causal,
tecido por nossas mãos, nas experiências anteriores. 3
Compartilhando, de novo, as bênçãos da oportunidade terrestre, esquecemos,
porém, o objetivo essencial, e, ao invés de nos purificarmos pelo esforço
da lavagem, manchamo-nos ainda mais, contraindo novos laços e encarcerando-nos
a nós mesmos em verdadeira escravidão. 4
Ora, se ao voltarmos ao mundo procurávamos um meio de fugir à sujidade,
pelo desacordo de nossa situação com o meio elevado, como regressar
a esse mesmo ambiente luminoso, em piores condições? 5
O Umbral funciona, portanto, como região destinada a esgotamento de
resíduos mentais; uma espécie de zona purgatorial, onde se queima a
prestações o material deteriorado das ilusões que a criatura adquiriu
por atacado, menosprezando o sublime ensejo de uma existência terrena.
6 A imagem não podia ser mais
clara, mais convincente.
Não havia como disfarçar minha justa admiração. Compreendendo o efeito benéfico que me traziam aqueles esclarecimentos, Lísias continuou:
— O Umbral é região de profundo interesse para quem esteja na Terra.
Concentra-se, aí, tudo o que não tem finalidade para a vida superior.
7 E note você que a
Providência Divina agiu sabiamente, permitindo se criasse tal departamento
em torno do planeta. Há legiões compactas de almas irresolutas e ignorantes,
que não são suficientemente perversas para serem enviadas a colônias
de reparação mais dolorosa, nem bastante nobres para serem conduzidas
a Planos de elevação. 8
Representam fileiras de habitantes do Umbral, companheiros imediatos
dos homens encarnados, separados deles apenas por leis vibratórias.
9 Não é de estranhar,
portanto, que semelhantes lugares se caracterizem por grandes perturbações.
Lá vivem, agrupam-se, os revoltados de toda espécie. Formam, igualmente,
núcleos invisíveis de notável poder, pela concentração das tendências
e desejos gerais. 10
Muita gente da Terra não recorda que se desespera quando o carteiro
não vem, quando o comboio não aparece? Pois o Umbral está repleto de
desesperados. Por não encontrarem o Senhor à disposição dos seus caprichos,
após a morte do corpo físico, e, sentindo que a coroa da vida eterna
é a glória intransferível dos que trabalham com o Pai, essas criaturas
se rebelam e demoram em mesquinhas edificações. 11
“Nosso Lar” tem uma sociedade espiritual, mas esses núcleos possuem
infelizes, malfeitores e vagabundos de toda espécie. É zona de
verdugos e vítimas, de exploradores e explorados.
3.
Valendo-me da pausa, que se fizera espontânea, exclamei, impressionado:
— Como explicar? Então não há por lá defesa, organização?
2 Sorriu o interlocutor, esclarecendo:
— Organização é atributo dos espíritos organizados. Que quer você? A zona inferior
a que nos referimos é qual a casa onde não há pão: todos gritam e ninguém
tem razão. O viajante distraído perde o comboio, o agricultor que não
semeou não pode colher. Uma certeza, porém, posso dar-lhe: — Não obstante
as sombras e angústias do Umbral, nunca faltou lá a proteção divina.
3 Cada Espírito lá
permanece o tempo que se faça necessário. Para isso, meu amigo, permitiu
o Senhor se erigissem muitas colônias como esta, consagradas ao trabalho
e ao socorro espiritual.
4.
— Creio então, — observei, — que essa Esfera se mistura quase com a Esfera
dos homens.
— Sim, — confirmou o generoso amigo, — e é nessa zona que se estendem
os fios invisíveis que ligam as mentes humanas entre si. 2
O Plano está repleto de desencarnados e de formas-pensamento dos encarnados,
porque, em verdade, todo Espírito, esteja onde estiver, é um núcleo
irradiante de forças que criam, transformam ou destroem, exteriorizadas
em vibrações que a ciência terrestre presentemente não pode compreender.
3 Quem pensa, está
fazendo alguma coisa alhures. E é pelo pensamento que os homens encontram
no Umbral os companheiros que afinam com as tendências de cada um. Toda
alma é um ímã poderoso. 4
Há uma extensa humanidade invisível, que se segue à humanidade visível.
5 As missões mais laboriosas
do Ministério do Auxílio são constituídas por abnegados servidores,
no Umbral, porque se a tarefa dos bombeiros nas grandes cidades terrenas
é difícil, pelas labaredas e ondas de fumo que os defrontam, os missionários
do Umbral encontram fluidos pesadíssimos emitidos, sem cessar, por milhares
de mentes desequilibradas, na prática do mal, ou terrivelmente flageladas
nos sofrimentos retificadores. É necessário muita coragem e muita renúncia
para ajudar a quem nada compreende do auxílio que se lhe oferece.
6 Interrompera-se Lísias.
Sumamente impressionado, objetei:
— Ah! Como desejo trabalhar junto dessas legiões de infelizes, levando-lhes o pão espiritual do esclarecimento!
O enfermeiro amigo fixou-me bondosamente, e, depois de meditar em silêncio, por largos instantes, acentuou, ao despedir-se:
— Será que você se sente com o preparo indispensável a semelhante serviço?
André Luiz