1.
Repetiram-se as visitas periódicas de Clarêncio e a atenção diária de
Lísias.
2 À medida que procurava habituar-me
aos deveres novos, sensações de desafogo me aliviavam o coração. Diminuíram
as dores e os impedimentos de locomoção fácil. Notava, porém, que, ao
recordar mais vivo dos fenômenos físicos, voltavam-me a angústia,
o receio do desconhecido, a mágoa da inadaptação. Apesar de tudo, encontrava
mais segurança dentro de mim.
3 Deleitava-me, agora,
contemplando os horizontes vastos, debruçado às janelas espaçosas. Impressionavam-me,
sobretudo, os aspectos da Natureza. Quase tudo, melhorada cópia da Terra.
Cores mais harmônicas, substâncias mais delicadas. 4
Forrava-se o solo de vegetação. Grandes árvores, pomares fartos e jardins
deliciosos. 5 Desenhavam-se
montes coroados de luz, em continuidade à planície onde a colônia repousava.
6 Todos os departamentos
apareciam cultivados com esmero. A pequena distância, alteavam-se graciosos
edifícios. Alinhavam-se a espaços regulares, exibindo formas diversas.
Nenhum sem flores à entrada, destacando-se algumas casinhas encantadoras,
cercadas por muros de hera, onde rosas diferentes desabrochavam, aqui
e ali, adornando o verde de cambiantes variados. 7
Aves de plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando,
pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilíneas,
lembrando lírios gigantescos, rumo ao céu.
8 Das janelas largas, observava,
curioso, o movimento do parque. Extremamente surpreendido, identificava
animais domésticos, entre as árvores frondosas, enfileiradas ao fundo.
9 Nas minhas lutas introspectivas,
perdia-me em indagações de toda sorte. Não conseguia atinar com a multiplicidade
de formas análogas às do planeta, considerando a circunstância de me
encontrar numa Esfera propriamente espiritual.
10 Lísias, o companheiro amável
de todos os dias, não regateava explicações.
A morte do corpo não conduz o homem a situações miraculosas, dizia. Todo processo
evolutivo implica gradação. 11
Há regiões múltiplas para os desencarnados, como existem planos inúmeros
e surpreendentes para as criaturas envolvidas de carne terrestre. Almas
e sentimentos, formas e coisas, obedecem a princípios de desenvolvimento
natural e hierarquia justa.
2.
Preocupava-me, todavia, permanecer ali, num parque de saúde, havia muitas
semanas, sem a visita sequer de um conhecido do mundo. Afinal, não fora
eu a única pessoa do meu círculo a decifrar o enigma da sepultura. Meus
pais me haviam antecipado na grande jornada. Amigos vários, noutro tempo,
me haviam precedido. Por que, então, não apareciam naquele quarto de
enfermidade espiritual, para conforto do meu coração dolorido? Bastariam
alguns momentos de consolação.
2 Um dia, não pude conter-me
e perguntei ao solícito visitador:
— Meu caro Lísias, acha possível, aqui, o encontro com aqueles que nos antecederam na morte do corpo físico?
— Como não? Pensa que está esquecido?!…
— Sim. Por que não me visitam? Na Terra, sempre contei com a abnegação maternal. Minha mãe, entretanto, até agora não deu sinal de vida. Meu pai, igualmente, fez a grande viagem, três anos antes do meu trespasse.
3 — Pois note, — esclareceu
Lísias, — sua mãe o tem ajudado dia e noite, desde a crise que antecipou
sua vinda. Quando se acamou para abandonar o casulo terrestre, duplicou-se
o interesse maternal a seu respeito. 4
Talvez não saiba ainda que sua permanência nas Esferas inferiores durou
mais de oito anos consecutivos. Ela jamais desanimou. Intercedeu, muitas
vezes, em “Nosso Lar”, a seu favor. Rogou os bons ofícios de Clarêncio,
que começou a visitá-lo frequentemente, até que o médico da Terra, vaidoso,
se afastasse um tanto, a fim de surgir o filho dos Céus. Compreendeu?
5 Eu tinha os olhos úmidos.
Ignorava o número de anos que me distanciavam da gleba terrestre. Desejei
conhecer os processos de proteção imperceptível, mas não consegui. Minhas
cordas vocais estavam entorpecidas, com o nó de lágrimas represadas
no coração.
6 — No dia em que
você orou com tanta alma, — prosseguiu o enfermeiro visitador, — quando
compreendeu que tudo no Universo pertence ao Pai Sublime, seu pranto
era diferente. Não sabe que há chuvas que destroem e chuvas que criam?
Lágrimas há também, assim. 7
É lógico que o Senhor não espera por nossas rogativas para nos amar;
no entanto, é indispensável nos colocarmos em determinada posição receptiva,
a fim de compreender-lhe a infinita bondade. Um espelho enfuscado não
reflete a luz. Desse modo, o Pai não precisa de nossas penitências,
mas convenhamos que as penitências prestam ótimos serviços a nós mesmos.
Entendeu? 8 Clarêncio
não teve dificuldade em localizá-lo, atendendo aos apelos de sua carinhosa
genitora da Terra; você, porém, demorou muito a encontrar Clarêncio.
9 E quando sua mãezinha
soube que o filho havia rasgado os véus escuros com o auxílio da oração,
chorou de alegria, segundo me contaram…
10 — E onde está minha mãe?
— Exclamei, por fim. — Se me é permitido, quero vê-la, abraçá-la, ajoelhar-me
a seus pés!
— Não vive em “Nosso Lar”, — esclareceu Lísias, — habita Esferas mais altas, onde trabalha não somente por você.
11 Observando meu desapontamento,
acrescentou, fraterno:
— Virá vê-lo, por certo, antes mesmo do que pensamos. Quando alguém deseja
algo ardentemente, já se encontra a caminho da realização. 12
Tem você, nesse particular, a lição do próprio caso. Anos a fio rolou,
como pluma, albergando o medo, as tristezas e desilusões; mas, quando
mentalizou firmemente a necessidade de receber o auxílio divino, dilatou
o padrão vibratório da mente e alcançou visão e socorro.
13 Olhos brilhantes, encorajado
pelo esclarecimento recebido, exclamei, resoluto:
— Desejarei, então, com todas as minhas forças… ela virá… ela virá…
14 Lísias sorriu com inteligência,
e, como quem previne, generoso, afirmou ao despedir-se:
— Convém não esquecer, contudo, que a realização nobre exige três requisitos
fundamentais, a saber: primeiro, desejar; segundo, saber desejar; e,
terceiro, merecer; ou, por outros termos, vontade ativa, trabalho persistente
e merecimento justo.
15 O visitador ganhou a porta
de saída, sorridente, enquanto eu me detinha silencioso, a meditar no
extenso programa formulado em tão poucas palavras.
André Luiz