1.
Decorridas algumas semanas de tratamento ativo, saí, pela primeira vez,
em companhia de Lísias.
2 Impressionou-me o espetáculo
das ruas. Vastas avenidas, enfeitadas de árvores frondosas. Ar puro,
atmosfera de profunda tranquilidade espiritual. 3
Não havia, porém, qualquer sinal de inércia ou de ociosidade, porque
as vias públicas estavam repletas. Entidades numerosas iam e vinham.
Algumas pareciam situar a mente em lugares distantes, mas outras
dirigiam-me olhares acolhedores. Incumbia-se o companheiro de orientar-me
em face das surpresas que surgiam ininterruptas. Percebendo-me as íntimas
conjeturas, esclareceu solícito:
4 — Estamos no local
do Ministério do Auxílio. Tudo o que vemos, edifícios, casas residenciais,
representa instituições e abrigos adequados à tarefa de nossa jurisdição.
Orientadores, operários e outros serviçais da missão residem aqui. 5
Nesta zona, atende-se a doentes, ouvem-se rogativas, selecionam-se preces,
preparam-se reencarnações terrenas, organizam-se turmas de socorro aos
habitantes do Umbral, ou aos que choram na Terra, estudam-se soluções
para todos os processos que se prendem ao sofrimento.
6 — Há, então, em “Nosso Lar”,
um Ministério do Auxílio? — Perguntei.
— Como não? Nossos serviços são distribuídos numa organização que se aperfeiçoa dia a dia, sob a orientação dos que nos presidem os destinos.
2.
Fixando em mim os olhos lúcidos, prosseguiu:
— Não tem visto, nos atos da prece, nosso Governador Espiritual cercado
de setenta e dois colaboradores? Pois são os Ministros de “Nosso Lar”.
2 A colônia, que é
essencialmente de trabalho e realização, divide-se em seis Ministérios,
orientados, cada qual, por doze Ministros. Temos os Ministérios da Regeneração,
do Auxílio, da Comunicação, do Esclarecimento, da Elevação e da União
Divina. 3 Os quatro
primeiros nos aproximam das Esferas terrestres, os dois últimos nos
ligam ao Plano superior, visto que a nossa cidade espiritual é zona
de transição. 4 Os
serviços mais grosseiros localizam-se no Ministério da Regeneração,
os mais sublimes no da União Divina. Clarêncio, o nosso chefe amigo,
é um dos Ministros do Auxílio.
5 Valendo-me da pausa natural,
exclamei, comovido:
— Oh! Nunca imaginei a possibilidade de organizações tão completas, depois da morte do corpo físico!…
— Sim, — esclareceu Lísias, — o véu da ilusão é muito denso nos Círculos
carnais. O homem vulgar ignora que toda manifestação de ordem, no mundo,
procede do Plano superior. 6
A natureza agreste transforma-se em jardim, quando orientada pela mente
do homem, e o pensamento humano, selvagem na criatura primitiva, transforma-se
em potencial criador, quando inspirado pelas mentes que funcionam nas
Esferas mais altas. 7
Nenhuma organização útil se materializa na crosta terrena, sem que seus
raios iniciais partam de Cima.
3.
— Mas “Nosso Lar” terá igualmente uma história, como as grandes cidades
planetárias?
— Sem dúvida. Os Planos vizinhos da Esfera terráquea possuem, igualmente,
natureza específica. “Nosso Lar” é antiga fundação de portugueses distintos,
desencarnados no Brasil, no século XVI. 2
A princípio, enorme e exaustiva foi a luta, segundo consta em nossos
arquivos no Ministério do Esclarecimento. Há substâncias ásperas nas
zonas invisíveis à Terra, tal como nas regiões que se caracterizam pela
matéria grosseira. Aqui também existem enormes extensões de potencial
inferior, como há, no planeta, grandes tratos de natureza rude e incivilizada.
3 Os trabalhos primordiais
foram desanimadores, mesmo para os espíritos fortes. Onde se congregam
hoje vibrações delicadas e nobres, edifícios de fino lavor, misturavam-se
as notas primitivas dos silvícolas do país e as construções infantis
de suas mentes rudimentares. 4
Os fundadores não desanimaram, porém, prosseguiram na obra, copiando
o esforço dos europeus que chegavam à Esfera material, apenas com a
diferença de que, por lá, empregava-se a violência, a guerra, a escravidão,
e, aqui, o serviço perseverante, a solidariedade fraterna, o amor espiritual.
4.
A essa altura, atingíramos uma praça de maravilhosos contornos, ostentando
extensos jardins. No centro da praça, erguia-se um palácio de magnificente
beleza, encabeçado de torres soberanas, que se perdiam no céu.
— Os fundadores da colônia começaram o esforço, partindo daqui, onde
se localiza a Governadoria, — disse o visitador.
2 Apontando o palácio, continuou:
— Temos, nesta praça, o ponto de convergência dos seis ministérios a que me referi. Todos começam da Governadoria, estendendo-se em forma triangular.
3 E, respeitoso, comentou:
— Ali vive o nosso abnegado orientador. Nos trabalhos administrativos,
utiliza ele a colaboração de três mil funcionários; entretanto, é ele
o trabalhador mais infatigável e mais fiel que todos nós reunidos. 4
Os Ministros costumam excursionar noutras Esferas, renovando energias
e valorizando conhecimentos; nós outros gozamos entretenimentos habituais,
mas o Governador nunca dispõe de tempo para isso. Faz questão que descansemos,
obriga-nos a férias periódicas, ao passo que, ele mesmo, quase nunca
repousa, mesmo no que concerne às horas de sono. Parece-me que a glória
dele é o serviço perene. 5
Basta lembrar que estou aqui há quarenta anos e, com exceção das assembleias
referentes às preces coletivas, raramente o tenho visto em festividades
públicas. Seu pensamento, porém, abrange todos os círculos de serviço,
sua assistência carinhosa a tudo e a todos atinge.
6 Depois de longa pausa, o
enfermeiro amigo acentuou:
— Não faz muito, comemorou-se o 114.º aniversário da sua magnânima direção.
Calara-se Lísias, evidenciando comovida reverência, enquanto eu a seu lado contemplava, respeitoso e embevecido, as torres maravilhosas que pareciam cindir o firmamento…
André Luiz