1.
Dona Ambrosina continuava psicografando várias mensagens, endereçadas
aos presentes.
2 E um dos oradores, sob a
influência de benigno mentor da Espiritualidade, salientava a necessidade
de conformação com as Leis Divinas para que a nossa vida mental se refaça,
fazendo jus a bênçãos renovadoras.
3 Alguns encarnados jaziam
impermeáveis e sonolentos, vampirizados por obsessores caprichosos que
os acompanhavam de perto, entretanto, muitos desencarnados de mediana
compreensão ouviam, solícitos, e sinceramente aplicados ao ensino consolador.
4 Gabriel, de olhos percucientes
e lúcidos, a tudo presidia com firmeza.
Nenhuma ocorrência, por mínima que fosse, lhe escapava à percepção.
Aqui, a um leve sinal seu, entidades escarnecedoras eram exortadas
à renovação de atitude, ali, socorriam-se doentes que ele indicava com
silencioso gesto de recomendação.
Era o pulso de comando, forte e seguro, sustentando a harmonia e a ordem, na exaltação do trabalho.
5 Contemplamos a mesa
enorme em que a direção se processava com equilíbrio irrepreensível
e, fitando a médium, rodeada de apetrechos do serviço, em atividade
constante, Hilário perguntou ao nosso orientador:
6 — Por que tantas mensagens
pessoais dos Espíritos amigos?
— São respostas reconfortantes a companheiros que lhes solicitam assistência e consolo.
— E essas respostas, — continuou meu colega, — traduzem equação definitiva
para os problemas que expõem?
— Isso não, — aclarou o Assistente, convicto; — entre o auxílio e a solução
vai sempre alguma distância em qualquer dificuldade, e não podemos esquecer
que cada um de nós possui os seus próprios enigmas.
7 — Se é assim, por
que motivo o intercâmbio? Se os desencarnados não podem oferecer uma
conclusão pacífica aos tormentos dos irmãos que ainda se demoram na
carne, por que a porta aberta entre eles e nós?
— Não te esqueças do impositivo da cooperação na estrada de cada ser,
— disse Áulus com grave entono. 8
— Na vida eterna, a existência no corpo físico, por mais longa, é sempre
curto período de aprendizagem. E não nos cabe olvidar que a Terra é
o campo onde ferimos a nossa batalha evolutiva. Dentro dos princípios
de causa e efeito, adquirimos os valores da experiência com que estruturamos
a nossa individualidade para as Esferas Superiores. 9
A mente, em verdade, é o caminheiro buscando a meta da angelitude, contudo,
não avançará sem auxílio. Ninguém vive só. 10
Os pretensos mortos precisam amparar os companheiros em estágio na matéria
densa, porquanto em grande número serão compelidos a novos mergulhos
na experiência carnal. É da Lei que a sabedoria socorra a ignorância,
que os melhores ajudem aos menos bons. 11
Os homens, cooperando com os Espíritos esclarecidos e benevolentes,
atraem simpatias preciosas para a vida espiritual, e as entidades amigas,
auxiliando os reencarnados, estarão construindo facilidades para o dia
de amanhã, quando de volta à lide terrestre.
12 — Sim, sim, compreendo…
— Exclamou Hilário, reconhecido. — Entretanto, colocando-me na situação
da criatura vulgar, recordo-me de que no mundo habituamo-nos a esperar
do Céu uma solução decisiva e absoluta para inúmeros problemas que se
nos deparam…
— Semelhante atitude, porém, — acentuou o orientador, — decorre de
antiga viciação mental no Planeta. 13
Para maior clareza do assunto, rememoremos a exemplificação do Divino
Mestre. Jesus, o Governador Espiritual do Mundo, auxiliou a doentes
e aflitos, sem retirá-los das questões fundamentais que lhes diziam
respeito. 14 Zaqueu,
o rico prestigiado pela visita que lhe foi feita, ( † )
sentiu-se constrangido a modificar a sua conduta. 15
Maria de Magdala, que lhe recebeu carinhosa atenção, ( † )
não ficou livre do dever de sustentar-se no árduo combate da renovação
interior. 16 Lázaro,
reerguido das trevas do sepulcro, ( † )
não foi exonerado da obrigação de aceitar, mais tarde, o desafio da
morte. 17 Paulo de
Tarso foi por Ele distinguido com um apelo pessoal, às portas de Damasco,
( † )
entretanto, por isso, o apóstolo não obteve dispensa dos sacrifícios
que lhe cabiam no desempenho da nova missão. 18
Segundo reconhecemos, seria ilógico aguardar dos desencarnados a liquidação
total das lutas humanas. Isso significaria furtar o trabalho que corresponde
ao sustento do servidor, ou subtrair a lição ao aluno necessitado de
luz.
2.
A essa altura, não longe de nós, simpática senhora monologava em pensamento:
2 — Meu filho! Meu
filho! Se você não está morto, visite-me! Venha! Venha! Estou morrendo
de saudade, de angústia!… Fale-me alguma palavra pela qual nos entendamos…
Se tudo não está acabado, aproxime-se da médium e comunique-se. É impossível
que você não tenha piedade…
3 As frases amargas, embora
inarticuladas, atingiam-nos a audição, qual se fossem arremessadas ao
ambiente em voz abafadiça.
4 Leve rumor à retaguarda
feriu-nos a atenção.
Um rapaz desencarnado apresentou-se em lastimáveis condições e avançou para a triste mulher, dominado por invencível atração.
5 Da boca amarfanhada escorria
a amargura em forma de palavras comovedoras.
— Mãe! Mãe! — Gritava de joelhos, qual se fora atormentada criança,
conchegando-se-lhe ao regaço, — não me abandone!… Estou aqui, ouça-me!
Não morri… Perdoe-me, perdoe-me!… Sou um renegado, um náufrago!… Busquei
a morte quando eu deveria viver para o seu carinho! Agora sim! Vejo
o sofrimento de perto e desejaria aniquilar-me para sempre, tal a vergonha
que me aflige o coração!…
6 A matrona não lhe
via a figura agoniada, contudo, registava-lhe a presença, através de
intraduzível ansiedade, a constringir-lhe o peito.
7 Dois vigilantes aproximaram-se,
arrebatando o moço ao colo materno, e, ladeando por nossa vez o Assistente,
que se deu pressa em socorrer a senhora em lágrimas, ouvimo-la clamar,
mentalmente:
— “Não será melhor segui-lo?! Morrer e descansar!… Meu filho, quero meu filho!…”
8 Áulus aplicou-lhe recursos
magnéticos, com o que a desventurada criatura experimentou grande alívio,
e, em seguida, informou:
— Anotemos o caso desta pobre mãe desarvorada. 9
O filho suicidou-se, há meses, e ainda não consegue forrar-se à flagelação
íntima. Em sua devoção afetiva, reclama-lhe a manifestação pessoal sem
saber o que pede, porque a chocante posição do rapaz constituir-lhe-ia
pavoroso martírio. Não poderá, desse modo, recolher-lhe a palavra direta,
entretanto, ao contato do trabalho espiritual que aqui se processa,
incorporará energias novas para refazer-se gradualmente.
10 — Decerto, —
acrescentou Hilário, com inteligência, — não terá resolvido o problema
crucial da sensibilidade ferida, no entanto, adquire forças para recuperar-se…
— Isso mesmo.
3.
— Aliás, — considerei a meu modo, — a mediunidade de hoje é, na essência,
a profecia das religiões de todos os tempos.
2 — Sim, — aprovou
Áulus, prestimoso, — com a diferença de que a mediunidade hoje é uma
concessão do Senhor à Humanidade em geral, considerando-se a madureza
do entendimento humano, à frente da vida. 3
O fenômeno mediúnico não é novo. Nova é tão somente a forma de mobilização
dele, porque o sacerdócio de várias procedências jaz, há muitos séculos,
detido nos espetáculos do culto exterior, mumificando indebitamente
o corpo das revelações celestiais. 4
Notadamente o Cristianismo, que deveria ser a mais ampla e a mais simples
das escolas de fé, há muito tempo como que se enquistou no superficialismo
dos templos. 5 Era
preciso, pois, libertar-lhe os princípios, a benefício do mundo que,
cientificamente, hoje se banha no clarão de nova era. Por esse motivo,
o Governo oculto do Planeta deliberou que a mediunidade fosse trazida
do colégio sacerdotal à praça pública, a fim de que a noção da eternidade,
através da sobrevivência da alma, desperte a mente anestesiada do povo.
6 É assim que Jesus
nos reaparece, agora, não como fundador de ritos e fronteiras dogmáticas,
mas sim em sua verdadeira feição de Redentor da Alma Humana. 7
Instrumento de Deus por excelência, Ele se utilizou da mediunidade para
acender a luz da sua Doutrina de Amor. Restaurando enfermos e pacificando
aflitos; em muitas ocasiões esteve em contato com os chamados mortos,
alguns dos quais não eram senão almas sofredoras a vampirizarem obsidiados
de diversos matizes. 8
E, além de surgir em colóquio com Moisés materializado no Tabor, ( † )
Ele mesmo é o grande ressuscitado, legando aos homens o sepulcro vazio
( † )
e acompanhando os discípulos com acendrado amor, para que lhe continuassem
o apostolado de bênçãos.
9 Hilário esboçou o sorriso
de um estudante satisfeito com a lição, e exclamou:
— Ah! sim, tenho a impressão de começar a compreender…
4.
Os trabalhos da reunião tocavam a fase terminal.
2 Nosso orientador percebeu
que Gabriel se dispunha a grafar a mensagem do encerramento e, respeitoso,
pediu-lhe cunhar alguns conceitos em derredor da mediunidade, ao que
o supervisor aquiesceu, gentil.
3 Dona Ambrosina entrara em
pausa ligeira para alguns momentos de recuperação.
O diretor da reunião rogou silêncio para o remate dos serviços, e, tão logo reverente quietação se fez na assembleia, o condutor da casa controlou o cérebro da medianeira e tomou-lhe o braço, escrevendo aceleradamente.
Em minutos rápidos, os apontamentos de Gabriel estavam concluídos.
4 A médium levantou-se e passou
a lê-los em voz alta:
— “Meus amigos, — dizia o mentor, — é indispensável procurar na mediunidade
não a chave falsa para certos arranjos inadequados na Terra, mas sim
o caminho direito de nosso ajustamento à vida superior.
5 “Compreendendo assim a verdade,
é necessário renovar a nossa conceituação de médium, para que não venhamos
a transformar companheiros de ideal e de luta em oráculos e adivinhos,
com esquecimento de nossos deveres na elevação própria.
6 “O Espiritismo, simbolicamente,
é Jesus que retorna ao mundo, convidando-nos ao aperfeiçoamento individual,
por intermédio do trabalho construtivo e incessante.
7 “Dentro das leis da cooperação,
será justo aceitar o braço amigo que se nos oferece para a jornada salvadora,
entretanto é imprescindível não esquecer que cada qual de nós transporta
consigo questões essenciais e necessidades intransferíveis.
8 “Desencarnados e encarnados,
todos palmilhamos extenso campo de experimentações e de provas, condizentes
com os impositivos de nosso crescimento para a imortalidade.
9 “Não atribuamos,
assim, ao médium, obrigações que nos competem, em caráter exclusivo,
e nem aguardemos da mediunidade funções milagreiras, porquanto só a
nós cabe o serviço árduo da própria ascensão, na pauta das responsabilidades
que o conhecimento superior nos impõe.
10 “Diante de nossas assertivas,
podereis talvez indagar, segundo os velhos hábitos que nos caracterizam
a preguiça mental na Terra: — Se o Espiritismo e a Mediunidade não nos
solucionam os enigmas de maneira absoluta, que estarão ambos fazendo
no santuário religioso da Humanidade?
11 “Responder-vos-emos,
todavia, que neles reencontramos o pensamento puro do Cristo, auxiliando-nos
a compreensão para mais amplo discernimento da realidade. 12
Neles recolhemos exatos informes, quanto à lei das compensações, equacionando
aflitivos problemas do ser, do destino e da dor e deixando-nos perceber,
de alguma sorte, as infinitas dimensões para as quais evolvemos. 13
E a eles deveremos, acima de tudo, a luz para vencer os tenebrosos labirintos
da morte, a fim de que nos consorciemos, afinal, com as legítimas noções
da consciência cósmica.
14 “Alcançadas semelhantes
fórmulas de raciocínio, perguntaremos a vós outros por nossa vez:
“—
Acreditais seja pouco revelar a excelsitude da Justiça? Admitis seja
desprezível descortinar a vida em suas ilimitadas facetas de evolução
e eternidade?
15 “Reverenciemos, pois, o
Espiritismo e a Mediunidade como dois altares vivos no templo da fé,
através dos quais contemplaremos, de mais alto, a esfera das cogitações
propriamente terrestres, compreendendo, por fim, que a glória reservada
ao Espírito humano é sublime e infinita, no Reino Divino do Universo.”
16 A comunicação psicográfica
tratou de outros assuntos e, finda a sua leitura, breve oração de reconhecimento
foi pronunciada. E, enquanto os assistentes tornavam à conversação livre,
Hilário e eu, ante os conceitos ouvidos, passamos a profunda introversão
para melhor aprender e meditar.
André Luiz