1.
A conselho de orientadores experimentados, o agrupamento a que Alexandre
emprestava preciosa colaboração reunia-se, em noites previamente determinadas,
para atender aos casos de obsessão. 2
Era necessário reduzir, tanto quanto possível, a heterogeneidade vibratória
no ambiente, o que compelia a direção da casa a limitar o número de
encarnados nos serviços de benefício espiritual.
3 Semelhante capítulo de nossas
atividades impressionava-me fortemente, razão por que, depois de obter
a permissão de Alexandre para acompanhá-lo ao trabalho, interroguei-o
com a curiosidade de sempre:
— Todo obsidiado é um médium, na acepção legítima do termo?
4 O instrutor sorriu e considerou:
— Médiuns, meu amigo, inclusive nós outros, os desencarnados, todos
o somos, em vista de sermos intermediários do bem que procede de Mais
Alto, quando nos elevamos, ou portadores do mal, colhido nas Zonas Inferiores,
quando caímos em desequilíbrio. 5
O obsidiado, porém, acima de médium de energias perturbadas, é quase
sempre um enfermo, representando uma legião de doentes invisíveis ao
olhar humano. Por isto mesmo, constitui, em todas as circunstâncias,
um caso especial, exigindo muita atenção, prudência e carinho.
6 Lembrando as conversações
ouvidas entre os companheiros encarnados, cooperadores assíduos do esforço
de Alexandre e outros instrutores, acrescentei:
— Pelo que me diz, compreendo as dificuldades que envolvem os problemas alusivos à cura; entretanto, recordo-me do otimismo com que nossos amigos comentam a posição dos obsidiados que serão trazidos a tratamento…
7 O generoso mentor fixou
um sorriso paternal e observou:
— Eles, por enquanto, não podem ver senão o ato presente do drama multissecular
de cada um. Não ponderam que obsidiado e obsessor são duas almas a chegarem
de muito longe, extremamente ligadas nas perturbações que lhes são peculiares.
8 Nossos irmãos na
carne procedem acertadamente entregando-se ao trabalho com alegria,
porque de todo esforço nobre resulta um bem que fica indestrutível na
Esfera espiritual; no entanto, deveriam ser comedidos nas promessas
de melhoras imediatas, no campo físico, e, de modo algum, deveriam formular
julgamento prematuro em cada caso, porquanto é muito difícil identificar
a verdadeira vítima com a visão circunscrita do corpo terrestre.
9 Depois de pequena pausa,
continuou:
— Também observei o exagerado otimismo dos companheiros, vendo que alguns deles, mais levianos, chegavam a fazer promessas formais de cura às famílias dos enfermos. Claro que serão enormes os benefícios a serem colhidos pelos doentes; todavia, se devemos estimar o bom ânimo, cumpre-nos desaprovar o entusiasmo desequilibrado e sem rumo.
10 — Já conhece todos os casos?
— indaguei.
— Todos, — respondeu Alexandre, sem hesitar. — Dos cinco que constituirão o
motivo da reunião próxima, apenas uma jovem revela possibilidades de
melhoras não rápidas. Os demais comparecerão simplesmente
para socorro, evitando agravo nas provas necessárias.
11 Considerando muito interessante
a menção especial que se fazia, perguntei:
— Gozará a jovem de proteção diferente?
12 O instrutor sorriu e esclareceu:
— Não se trata de proteção, mas de esforço próprio. O obsidiado, além
de enfermo, representante de outros enfermos, quase sempre é também
uma criatura repleta de torturantes problemas espirituais. Se lhe falta
vontade firme para a autoeducação, para a disciplina de si mesma, é
quase certo que prolongará sua condição dolorosa além da morte. 13
Que acontece a um homem indiferente ao governo do próprio lar? Indubitavelmente
será assediado por mil e uma questões, no curso de cada dia, e acabará
vencido, convertendo-se em joguete das circunstâncias. 14
Imagine agora que esse homem indiferente está cercado de inimigos
que ele mesmo criou, adversários que lhe espreitam os menores gestos,
tomados de sinistros propósitos, na maioria das vezes… Se não desperta
para as realidades da situação, empunhando as armas da resistência e
valendo-se do auxílio exterior que lhe é prestado pelos amigos, é razoável
que permaneça esmagado. 15
Esta, a definição da maior percentagem dos casos espirituais de que
estamos tratando. Não representa, porém, a característica exclusiva
das obsessões de ordem geral. Existem igualmente os processos laboriosos
de resgate, em que, depois de afastados os elementos da perturbação
e da sombra, perseveram as situações expiatórias. 16
Em todos os acontecimentos dessa espécie, porém, não se pode prescindir
da adesão dos interessados diretos na cura. Se o obsidiado está satisfeito
na posição de desequilíbrio, há que esperar o término de sua cegueira;
a redução da rebeldia que lhe é própria ou o afastamento da ignorância
que lhe oculta a compreensão da verdade. 17
Ante obstáculos dessa natureza, embora sejamos chamados com fervor por
aqueles que amam particularmente os enfermos, nada podemos fazer, senão
semear o bem para a colheita do futuro, sem qualquer expectativa de
proveito imediato.
18 O instrutor imprimiu ligeiro
intervalo à conversação, e, porque visse minha necessidade de esclarecimento,
prosseguiu:
— A jovem a que me referi está procurando a restauração das forças
psíquicas, por si mesma; tem lutado incessantemente contra as investidas
de entidades malignas, mobilizando todos os recursos de que dispõe no
campo da prece, do autodomínio, da meditação. 19
Não está esperando o milagre da cura sem esforço e, não obstante terrivelmente
perseguida por seres inferiores, vem aproveitando toda espécie de ajuda
que os amigos de nosso Plano projetam em seu círculo pessoal. 20
A diferença, pois, entre ela e os outros, é a de que, empregando as
próprias energias, entrará, embora vagarosamente, em contato com a nossa
corrente auxiliadora, ao passo que os demais continuarão, ao que tudo
faz crer, na impassibilidade dos que abandonam voluntariamente a luta
edificante.
Compreendi a elucidação e esperei a noite de socorro aos obsidiados, como Alexandre designava esse gênero de serviço.
2.
Não decorreram muitos dias e, em companhia do instrutor, penetrei, sumamente
interessado, o conhecido recinto.
2 O pessoal estava agora reduzido.
Em derredor da mesa, reuniam-se tão somente dois médiuns, seis irmãos
experimentados no conhecimento e prática de problemas espirituais e
os obsidiados em tratamento.
3 Os enfermos, em número de
cinco, apresentavam características especiais. Dois deles, uma senhora
relativamente jovem e um cavalheiro maduro, demonstravam enorme agitação;
dois outros, ambos moços e irmãos pelo sangue, pareciam completamente
imbecilizados, e, por último, observamos a jovem a que Alexandre se
referira, que se controlava com esforço, ante o assédio de que era vítima.
4 As entidades inferiores
que rodeavam os doentes compareciam em grande número. Nenhuma delas
nos registava a presença, em virtude do baixo padrão vibratório em
que se mantinham, mas se sentiam à vontade, no contato com os companheiros
encarnados. 5 Permutavam
impressões, entre si, com grande interesse, e através das conversações
deixavam perceber seus terríveis projetos de ataque e vingança.
6 Seguia-lhes atentamente
a movimentação, quando fui surpreendido com a chegada de dois amigos
de nosso Plano, para os quais olharam os obsessores, com certo receio.
7 — São nossos intérpretes
junto das entidades perseguidoras, — exclamou Alexandre, elucidando-me.
— Em virtude da condição em que se encontram, podem ser percebidos por
elas e manter estreita ligação conosco, ao mesmo tempo.
8 Assinalando a serenidade
com que sorriam para nós, sem partilharem de entendimento direto com
os instrutores de nossa Esfera, ali presentes, ouvi o meu orientador
explicar:
— Já se encontram de posse das instruções precisas aos trabalhos da noite.
9 As criaturas desencarnadas,
que se congregavam ali em dolorosa perturbação, retificaram, de algum
modo, a linguagem que lhes era própria, ao avistarem os dois missionários.
Verifiquei, pela modificação havida, que ambos eram já conhecidos de
todas.
10 Um dos obsessores, evidentemente
cruel, falou em tom discreto a um dos companheiros.
— Estão chegando os pregadores. Oxalá não nos venham com maiores exigências.
11 — Não sei o que desejam
estes ministros respondeu o interlocutor, algo irônico, — porque, afinal
de contas, conselho e água dá-se a quem pede.
— Parece-me que convidaram os da mesa a cansar-nos até ao esquecimento de nossos propósitos de fazer justiça pelas próprias mãos.
— Palavras o vento leva, — aduziu o outro.
12 A essa altura, os novos
amigos entravam em palestra com as entidades da sombra. Um deles dirigiu-se
a uma senhora desencarnada, em tristes condições, que se ligava a um
dos obsidiados em posição de idiotia, e falou-lhe, bondoso:
— Com que então, minha irmã parece melhorada, mais forte! Ainda bem!
13 Ela explodiu em crise de
pranto. Todavia, prosseguiu o missionário, sem qualquer inquietude:
— Acalme-se! A vingança agrava os crimes cometidos. Para restabelecer a felicidade perdida, minha amiga, é necessário esquecer todo o mal. Enquanto abrigar pensamentos de ódio, não poderá atingir as melhoras que deseja. A cólera perseverante constitui estado permanente de destruição. Não conseguirá articular os elementos da paz íntima, até que perdoe de coração.
14 — É quase impossível,
— respondeu a interpelada, — este homem afrontou meu ideal de mulher,
lançou-me à corrupção, escarneceu de minha sorte, transformou-me o destino
em corrente de males. Não será justo que pague agora? Não apregoam que
o Pai é justo? Eu não vejo, porém, o Pai, e preciso fazer justiça, usando
minhas próprias forças.
15 E, porque o doutrinador
desencarnado a fitasse, compadecido, murmurou:
— E se fosse o senhor a mulher? Ponha-se no meu caso e pense como procederia.
Prontificar-se-ia a desculpar os malvados que lhe atiraram lama ao coração?
Cerraria as portas da memória, a ponto de anestesiar os mais belos sentimentos
do caráter? Não acredito. 16
O senhor reagiria como estou reagindo. Há condições para perdoar. E
as condições que eu imponho, na qualidade de vítima, são as de que o
meu verdugo experimente também o sarcasmo da sorte. 17
Ele infelicitou-me e voltou ao mundo. Preparou-se para uma vida regalada
de considerações sociais. Titulou-se para conquistar a estima alheia.
E o que me deve? Também eu, noutro tempo, não era digna de respeito
geral? Não me candidatara a uma existência laboriosa e honesta, com
o firme propósito de servir a Deus?
18 Acompanhava a discussão
com forte interesse, admirando o individualismo que caracteriza cada
criatura, ainda mesmo além da morte do corpo.
19 O intérprete de nossa Esfera,
contemplando-a, sem irritação, observou:
— Todas as suas considerações, minha amiga, são aparentemente muito
respeitáveis. Todavia, em todos os desastres que nos ocorram, devemos
examinar serenamente a percentagem de nossa coparticipação. 20
Apenas em situações raríssimas, poderíamos exibir, de fato, o título
de vítimas. Na maioria dos acontecimentos dessa natureza, porém, temos
a nossa parte de culpa. 21
Não podemos evitar que a ave de rapina, cruze os ares, sobre a nossa
fronte, mas podemos impedir que faça ninho em nossa cabeça.
22 Nesse ponto, a interlocutora,
parecendo melindrada, acentuou asperamente:
— Suas palavras são filhas da pregação religiosa, mas eu estou à procura da justiça…
E com riso irônico, terminava:
— Aliás, da justiça apregoada por Jesus.
23 O missionário não se exaltou
ante o sarcasmo do gesto que acompanhou a observação ingrata e disse-lhe,
bondoso:
— A justiça! Quantos crimes se efetuam no mundo em seu nome! Quantos
homens e mulheres, que, em procurando fazer justiça sobre si mesmos,
nada mais fazem que incentivar a tirania do “eu”? 24
Refere-se a irmã ao Divino Mestre. Que espécie de justiça reclamou o
Senhor para Ele, quando vergava sobre a cruz? Nesse sentido, minha amiga,
o Cristo nos deixou normas de que não deveremos esquecer. 25
O Mestre mantinha-se vigilante em todos os atos alusivos à justiça para
os outros. Defendeu os interesses espirituais da coletividade, até a
suprema renunciação; entretanto, quando surgiu a ocasião do seu julgamento,
guardou silêncio e conformação até ao fim. 26
Naturalmente não desejou o Mestre, com semelhante atitude, desconsiderar
o serviço sagrado dos juízes retos, no mundo carnal, mas preferiu adotá-la,
estabelecendo o padrão de prudência para todos os discípulos de seu
Evangelho, nas mais diferentes situações. 27
Ao se tratar de interesses alheios, minha irmã, devemos ser rápidos
na justificação legítima; entretanto, quando os assuntos difíceis e
dolorosos nos envolvem o “eu”, convém moderar todos os impulsos de reivindicação.
28 Nem sempre a nossa
visão incompleta nos deixa perceber a altura da dívida que nos é própria.
E, na dúvida, é lícita a abstenção. 29
Acredita que Jesus tivesse algum débito para merecer a sentença condenatória?
Ele conhecia o crime que se praticava, possuía sólidas razões para reclamar
o socorro das leis; no entanto, preferiu silenciar e passar, esperando-nos
no campo da compreensão legítima. 30
É que o Mestre, acima do “olho por olho” das antigas disposições da
lei, ( † )
ensinou o “amai-vos uns aos outros”, ( † )
praticando-o invariavelmente. Confirmou a legalidade da justiça, mas
proclamou a divindade do amor. 31
Demonstrou que será sempre heroísmo o ato de defender os que merecem,
mas se absteve de fazer justiça a si mesmo, para que os aprendizes da
sua doutrina estimassem a prudência humana e a fidelidade divina, nos
problemas graves da personalidade, fugindo aos desvarios que as paixões
do “eu” podem desencadear nos caminhos do mundo.
32 A interlocutora, em face
da argumentação veemente e bela, emudeceu, fortemente impressionada.
E Alexandre, que seguia, também comovido, as explicações do intérprete, observou-me:
— O trabalho de esclarecimento espiritual, depois da morte, entre as
criaturas, requisita de nós outros muita atenção e carinho. 33
É preciso saber semear na “terra abandonada” dos corações desiludidos,
que se afastam da Crosta sob tempestades de ódio e angústia desconhecida.
34 Diz o Livro Sagrado
que no princípio era o Verbo… ( † )
Também aqui, diante do caos desolado dos Espíritos infelizes, é necessário
utilizar o verbo no princípio da verdadeira iluminação. Não podemos
criar sem amor, e somente quando nos preparamos devidamente, edificaremos
com êxito para a vida eterna.
3.
Silenciando a entidade que fora criteriosamente advertida, passei a
observar a senhora, ainda jovem, que se mostrava sob irritação forte,
no recinto, preocupando os amigos encarnados. 2
Diversos perseguidores, invisíveis à perquirição terrestre, mantinham-se
ao lado dela, impondo-lhe terríveis perturbações, mas de todos eles
sobressaía um obsessor infeliz, de maneiras cruéis. 3
Colara-se-lhe ao corpo, em toda a sua extensão, dominando-lhe todos
os centros de energia orgânica. Identificava a luta da vítima, que buscava
resistir, quase inutilmente.
Meu bondoso orientador percebeu-me a estranheza e explicou:
— Este, André, representa um caso de possessão completa.
4 E, dirigindo-se ao intérprete
que argumentava momentos antes, recomendou-lhe estabelecer ligeiro diálogo
com o perseguidor temível, para que eu ajuizasse quanto ao assunto.
5 Sentindo-se tocado pela
destra carinhosa do nosso companheiro, o infortunado gritou:
— Não! Não! Não me venha ensinar o caminho do Céu! Conheço minha situação e ninguém pode deter o meu braço vingador!…
6 — Não desejamos
violentá-lo, meu irmão, — acentuou o amigo com serenidade evangélica, —
tranquilize-se! Enquanto alimentar propósitos de vingança, será castigado
por si mesmo. Ninguém o molesta, senão a própria consciência, as algemas
que o prendem à inquietude e à dor foram fabricadas pelas suas próprias
mãos!
— Nunca! — Bradou o desventurado, — nunca! E ela?
7 Fez acompanhar a pergunta
de horrível expressão e continuou:
— O senhor que prega a virtude justifica a escravidão de homens livres? Acredita no direito de construir senzalas para humilhar os filhos do mesmo Deus? Esta mulher foi perversa para nós todos. Além de meu esforço vingador, vibram de ódio outros corações que não a deixam descansar. Perseguí-la-emos onde for.
8 Esboçou um gesto sinistro
e prosseguiu:
— Por simples capricho, ela vendeu minha esposa e meus filhos! Não é justo que sofra até que mos restitua? Será crível que Jesus, o Salvador por excelência, aplaudisse o cativeiro?
9 O nosso intérprete, muito
calmo, obtemperou:
— O Mestre não aprovaria a escravidão; contudo, meu amigo, recomendou-nos
o perdão recíproco, sem o qual nunca nos desvencilharemos do cipoal
de nossas faltas. 10
Qual de nós, antigos hóspedes da carne, conseguirá exibir um passado
sem crimes? Neste momento, seus olhos identificam a culpa de uma irmã infeliz.
Sua alma, entretanto, meu irmão, permanece desvairada pelo furacão da
revolta. 11 Sua memória
está consequentemente desequilibrada e ainda não pode reapossar-se das
lembranças totais que lhe dizem respeito. Não lhe sendo possível recordar
o pretérito, com exatidão, não seria mais razoável esperar, em seu caso,
pelo Justo Juiz? Como julgar e executar alguém, pelas próprias mãos,
se ainda não pode avaliar a extensão dos próprios débitos?
12 O revoltado parecia chocar-se
ante os argumentos ouvidos, mas, longe de capitular em sua posição de
perseguidor, respondeu asperamente:
— Para os mais fracos, suas observações serão valiosas. Não para mim, porém, que conheço as sutilezas dos pregadores de sua esfera. Não abandonarei meus propósitos. Minha situação não se resolverá com simples palavras.
13 Nosso companheiro, compreendendo
o endurecimento do antagonista e apiedando-se-lhe da ignorância, continuou,
em tom fraterno:
— Não se trata de sutileza e sim de bom senso. Aliás, não desejo retirar-lhe
as razões de natureza individualista, mesmo porque vigorosos laços unem-lhe
a influenciação à mente da vítima. 14
Entretanto, apelo para os sentimentos nobres que ainda vibram em seu
coração, fazendo-lhe reconhecer que, sem as desculpas recíprocas, não
liquidaremos nossos débitos. Em geral, o credor exigente é cego para
com os próprios compromissos. 15
A sua reclamação, na essência, deve ser legítima; no entanto, é estranhável
o seu processo de cobrança, no qual não descubro qualquer vantagem,
visto que suas atividades de vingador, além de aprofundar suas chagas
íntimas, tornam-no antipático aos olhos de todos os companheiros.
16 Ferido talvez, mais fundamente,
em sua vaidade, o obsessor calou-se, enquanto o intérprete se voltava
para nós outros, indagando de meu orientador quanto à conveniência de
ajudar-se magneticamente ao infeliz, a fim de que as reminiscências
dele pudessem abranger alguns quadros do passado distante.
17 Alexandre, todavia, considerou:
— Não seria oportuno dilatar-lhe as lembranças. Não conseguiria compreender. Antes de maior auxílio ao seu entendimento, é necessário que sofra.
18 Aproveitando a pausa mais
longa que se fizera entre todos, observei detidamente a pobre obsidiada.
Cercada de entidades agressivas, seu corpo tornara-se como que a habitação
do perseguidor mais cruel. Ele ocupava-lhe o organismo desde o crânio
até os pés, impondo-lhe tremendas reações em todos os centros de energia
celular. Fios tenuíssimos, mas vigorosos, uniam-nos ambos, e, ao passo
que o obsessor nos apresentava um quadro psicológico de satânica lucidez,
a desventurada mulher mostrava aos colaboradores encarnados a imagem
oposta, revelando angústia e inconsciência.
19 — “Salvem-me
do demônio! Salvem-me do demônio! — Gritava sem cessar, comovendo os
companheiros em torno da mesa humilde. — Oh! Meu Deus, quando terminará
meu suplício?”
Olhos desmesuradamente abertos, como a fixar os inimigos invisíveis
à observação comum, bradava angustiosamente, após ligeiros instantes
de silêncio:
— “Chegaram todos do inferno! Estão aqui! Estão aqui! Ai! Ai!”
20 Seus gemidos semelhavam-se
a longos silvos estertorosos.
Atendendo-me à expectação, esclareceu o instrutor:
— Esta jovem senhora apresenta doloroso caso de possessão. Desde a
infância, era perseguida pelos adversários tenazes de outro tempo. 21
Na vida de solteira, porém, no ambiente de proteção dos pais, ela conseguiu,
de algum modo, subtrair-se à integral influenciação dos inimigos persistentes,
embora lhes sentisse a atuação de maneira menos perceptível. 22
Sobrevindo, no entanto, as responsabilidades do matrimônio, em que,
na maioria das vezes, a mulher recebe maior quinhão de sacrifícios,
não pôde mais resistir. Logo após o nascimento do primeiro filhinho,
caiu em prostração mais intensa, oferecendo oportunidade aos desalmados
perseguidores e, desde então, experimenta penosas provas.
4.
Ia expor novas questões que o assunto suscitava, mas o instrutor amigo
fez-me ver que a reunião de auxílio, por parte dos encarnados, teria
início naquele mesmo instante.
Precisávamos manter o concurso vigilante da fraternidade.
2 Observei, agradavelmente
surpreendido, as emissões magnéticas dos que se reuniam ali, em tarefa
de socorro, movidos pelo mais santo impulso de caridade redentora. Nossos
técnicos em cooperação avançada valiam-se do fluxo abundante de forças
benéficas, improvisando admiráveis recursos de assistência, não só aos
obsidiados, mas também aos infelizes perseguidores.
3 De todos os enfermos psíquicos,
somente a jovem resoluta a que nos referimos conseguia aproveitar nosso
auxílio cem por cento. Identificava-lhe o valoroso esforço para reagir
contra o assédio dos perigosos elementos que a cercavam. Envolvida na
corrente de nossas vibrações fraternas, recuperara normalidade orgânica
absoluta, embora em caráter temporário. Sentia-se tranquila, quase feliz.
4 Apesar de manter-se em trabalho
ativo, Alexandre requisitou-me a atenção, assinalando o fato.
— Esta irmã, — disse o orientador, — permanece, de fato, no caminho
da cura. Percebeu a tempo que a medicação, qualquer que seja, não é
tudo no problema da necessária restauração do equilíbrio físico. Já
sabe que o socorro de nossa parte representa material que deve ser aproveitado
pelo enfermo desejoso de restabelecer-se. Por isso mesmo, desenvolve
toda a sua capacidade de resistência, colaborando conosco no interesse
próprio. Observe.
5 Efetivamente, sentindo-se
amparada pela nossa extensa rede de vibrações protetoras, a jovem emitia
vigoroso fluxo de energias mentais, expelindo todas as ideias malsãs
que os desventurados obsessores lhe haviam depositado na mente, absorvendo,
em seguida, os pensamentos regeneradores e construtivos que a nossa
influenciação lhe oferecia. Aprovando-me o minucioso exame com um gesto
significativo, Alexandre tornou a dizer:
6 — Apenas o doente
convertido voluntariamente em médico de si mesmo atinge a cura positiva.
No doloroso quadro das obsessões, o princípio é análogo. Se a vítima
capitula sem condições, ante o adversário, entrega-se-lhe totalmente
e torna-se possessa, após transformar-se em autômato à mercê do perseguidor.
7 Se possui vontade
frágil e indecisa, habitua-se com a persistente atuação dos verdugos
e vicia-se no círculo de irregularidades de corrigenda muito difícil,
porquanto se converte, aos poucos, em pólos de vigorosa atração mental
aos próprios algozes. 8
Em tais casos, nossas atividades de assistência estão quase circunscritas
a meros trabalhos de socorro, objetivando resultados longínquos. Quando
encontramos, porém, o enfermo interessado na própria cura, valendo-se
de nossos recursos para aplicá-los à edificação interna, então podemos
contar triunfos imediatos.
5.
Calando-se o instrutor, prossegui observando os serviços que se desenrolavam
no recinto.
2 O doutrinador encarnado,
companheiro de grande e bela sinceridade, era o centro dum quadro singular.
Seu tórax convertera-se num foco irradiante, e cada palavra que lhe
saía dos lábios semelhava-se a um jato de luz alcançando diretamente
o alvo, fosse ele os ouvidos perturbados dos enfermos ou o coração dos
perseguidores cruéis. Suas palavras eram, com efeito, de uma simplicidade
encantadora, mas a substância sentimental de cada uma assombrava pela
sublimidade, elevação e beleza.
3 Reparando-me a estupefação,
Alexandre veio em meu socorro, esclarecendo:
— Estamos aqui numa escola espiritual. O doutrinador humano encarrega-se de
transmitir as lições. Você pode registar, porém, que, para ensinar
com êxito, não basta conhecer as matérias do aprendizado e ministrá-las.
Antes de tudo, é preciso senti-las e viver-lhes a substancialidade no
coração. 4 O homem
que apregoa o bem deve praticá-lo, se não deseja que as suas palavras
sejam carregadas pelo vento, como simples eco dum tambor vazio. O companheiro
que ensina a virtude, vivendo-lhe as grandezas em si mesmo, tem o verbo
carregado de magnetismo positivo, estabelecendo edificações espirituais
nas almas que o ouvem. Sem essa característica, a doutrinação, quase
sempre, é vã.
5 Vendo o quadro expressivo,
analisado pelos esclarecimentos do instrutor, compreendi que o contágio
pelo exemplo não constitui fenômeno puramente ideológico, mas, sim,
que é um fato científico nas manifestações magnético-mentais.
6 Com exceção da pobre
irmã, que se encontrava possessa, os demais obsidiados, naqueles momentos,
ficaram livres da influência direta dos perseguidores; entretanto, menos
a jovem que reagia valorosamente, os outros apresentavam singular inquietude,
ansiosos de se reunirem de novo ao campo de atração dos algozes. 7
Auxiliares nossos haviam arrebatado os verdugos, expulsando-os daqueles
corpos enfermos e atormentados; todavia, os interessados nas melhoras
fisicopsíquicas primavam pela ausência íntima, conservando-se a longa
distância espiritual dos ensinamentos que o doutrinador encarnado, ao
influxo dos mentores de Mais Alto, ministrava com admirável sentimento.
8 A atitude deles era
de insatisfação e ansiedade. Dir-se-ia que não suportavam a separação
dos obsessores invisíveis. Habituado a enfermos que, pelo menos aparentemente,
demonstravam desejo de cura, estranhei a posição mental daqueles que
se reuniam em pequenino grupo, à nossa frente, tão lamentavelmente desinteressados
do remédio que a Espiritualidade lhes oferecia, por amor.
9 Alexandre percebeu-me a
surpresa e observou-me:
— Em geral, noventa por cento dos casos de obsessão que se verificam,
na Crosta, constituem problemas dolorosos e intricados. Quase sempre,
o obsidiado padece de lastimável cegueira, com relação à própria enfermidade.
10 E, porque não
atende ao chamamento da verdade pela cristalização personalista, torna-se
presa fácil e inconsciente, embora responsável, de perigosos inimigos
das zonas de atividades grosseiras. 11
Comumente, verificam-se casos dessa natureza, em vista de ligações vigorosas
e profundas pela afetividade mal dirigida ou pelos detestáveis laços
do ódio que, em todas as circunstâncias, é a confiança desequilibrada
convertida em monstro.
12 O orientador amigo fez longa
pausa, verificando os trabalhos em curso, mas como quem desejasse socorrer-me,
com lições inesquecíveis em frente da luta prática, prosseguiu, apesar das absorventes
obrigações da hora:
— Por este motivo, André, ainda mesmo para o psiquiatra esclarecido
à luz do Espiritismo cristão, a maioria dos casos desta ordem é francamente
desconcertante. 13
Em virtude dos ascendentes sentimentais, cada problema destes exige
solução diferente. Além disso, importa notar que os nossos companheiros
encarnados observam tão somente uma face da questão, quando cada processo
desse teor se caracteriza por aspectos infinitos, com vistas ao pretérito
dos protagonistas encarnados e desencarnados. 14
Diante do obsidiado, fixam apenas um imperativo imediato — o afastamento
do obsessor. Mas, como rebentar, de um instante para outro, algemas
seculares, forjadas nos compromissos recíprocos da vida em comum? Como
separar seres que se agarram um ao outro, ansiosamente, por compreenderem
que na dor de semelhante união permanece o preço do resgate preciso?
15 Efetivamente, não
faltam os casos, raros embora, de libertação quase instantânea. Aí,
porém, vemos o fim de laborioso processo redentor, ou então encontramos
o doente que, de fato, faz violência a si mesmo, a fim de abreviar a
cura necessária.
16 Examinando a extensão dos
obstáculos ao restabelecimento completo dos enfermos psíquicos, considerei:
— Depreende-se então que…
Alexandre, porém, não me deixou terminar. Cortando-me a frase inoportuna, respondeu:
— Já sei o que vai dizer. Verificando as dificuldades que relaciono
para o seu aprendizado natural, você pergunta se não será infrutífero
o nosso trabalho e se não será melhor entregar o obsidiado à própria
sorte. 17 Esta observação,
contudo, é um contrassenso. Se você estivesse na Terra, ainda na carne,
e visse um filho amado, em condições pré-agônicas, totalmente desenganado
pela medicina humana, teria coragem de abandoná-lo ao sabor das circunstâncias?
Não confiaria nalgum recurso inesperado da Providência Divina? Não aguardaria,
ansioso, a manifestação favorável da Natureza? 18
Quem está firmemente no âmago do coração de um homem, nosso irmão, para
dizer, com certeza matemática, se ele vai reagir contra o mal ou deixar
de faze-lo, se pretende o repouso ou o trabalho ativo? 19
Não podemos, desse modo, mobilizar qualquer argumento intelectual para
fugir ao nosso dever de assistência fraterna ao próximo ignorante e sofredor.
20 Urge atender à nossa
parte de obrigação imediata, compreendendo que a construção do amor
é também uma obra de tempo. Nenhuma palavra, nenhum gesto ou pensamento,
nos serviços do bem, permanece perdido.
21 Compreendi a nobreza da
observação e mantive-me em silêncio. E porque o meu orientador voltava
a cooperar ativamente nos trabalhos em andamento, passei a examinar
os doentes psíquicos, enquanto o doutrinador terreno prosseguia em sua
luminosa tarefa de evangelização.
6.
A jovem que reagia contra a perigosa atuação dos habitantes das sombras,
demonstrava regular normalidade em seu aparelho fisiológico. 2
Semelhava-se a alguém que movimentava todas as possibilidades da defensiva
para conservar intacto o equilíbrio da própria casa; entretanto, os
demais exibiam lamentáveis condições orgânicas. 3
A desventurada possessa apresentava sérias perturbações, desde o cérebro
aos nervos lombares e sacros, demonstrando completa desorganização
do centro da sensibilidade, além de lastimável relaxamento das fibras
motoras. Tais desequilíbrios não se caracterizavam apenas no sistema
nervoso, mas igualmente nas glândulas em geral e órgãos, os mais diversos.
4 Nos demais obsidiados,
os fenômenos de degradação física não eram menores. Dois deles revelavam
estranhas intoxicações no fígado e rins. Outro mostrava singular desequilíbrio
do coração e pulmões, tendendo à insuficiência cardíaca em conúbio com
a pré-tuberculose avançada.
5 Enquanto examinava, atento,
aqueles inquietantes quadros clínicos, o orientador encarnado da assembleia,
fazendo-se intérprete de grandes benfeitores do nosso Plano de ação,
espalhava o amor cristão e a sabedoria evangélica, a longos jorros,
operando, com extrema fidelidade ao Cristo, a semeadura da caridade,
da luz, do perdão.
6 Desejando a minha edificação
nas atividades construtivas, Alexandre aproximou-se de mim e observou:
— Repare no serviço de fraternidade legítima. Não temos o milagre das transformações repentinas, nem a promoção imediata, dos que se demoram no campo inferior aos Planos mais elevados. A tarefa é de sementeira, de cuidado, persistência e vigilância. Não se quebram grilhões de muitos séculos num instante, nem se edifica uma cidade num dia. É indispensável desgastar as algemas do mal, com perseverança, e edificar o bem, com ânimo evangélico.
7 Os serviços iam a termo.
Percebendo que o meu instrutor voltava à nossa conversação mais fácil, expus-lhe as minhas observações, perguntando, em seguida:
— Ante os distúrbios fisiológicos que me foi dado verificar nos enfermos psíquicos, devo considerá-los como doentes do corpo também?
8 — Perfeitamente, — asseverou
o instrutor, — o desequilíbrio da mente pode determinar a perturbação
geral das células orgânicas. É por este motivo que as obsessões, quase
sempre, se acompanham de característicos muito dolorosos. As intoxicações
da alma determinam as moléstias do corpo.
9 Antes que eu pudesse
voltar a perguntas, percebi que a reunião estava sendo definitivamente
encerrada, por parte dos amigos da Crosta. Interrompera-se a cadeia
magnética defensiva. Notei, surpreendido, que a jovem resoluta e firme
na fé alcançara melhoras consideráveis, enquanto a possessa ia retirar-se
com a situação inalterada. 10
Reparei os três outros enfermos. Tão logo se quebrou a corrente de vibrações
benéficas, ali estabelecida, voltaram a atrair intensamente os verdugos
invisíveis, a cuja influenciação se haviam habituado, demonstrando escasso
aproveitamento.
11 Valendo-me da hora, acerquei-me
de Alexandre, para não perder as suas lições alusivas ao assunto, e
indaguei:
— Como atingir as conclusões finais, no tratamento aos obsidiados?
Ele sorriu e respondeu:
— Em todas as nossas atividades de socorro há sempre imenso proveito,
ainda mesmo quando a sua extensão não seja perceptível ao olhar comum.
12 E qualquer doente
dessa natureza que se disponha a cooperar conosco, em benefício próprio,
colaborando decididamente na restauração de suas atividades mentais,
regenerando-se à luz da vida renovada no Cristo, pode esperar o restabelecimento
da saúde relativa do corpo terrestre. 13
Quando a criatura, todavia, roga a assistência de Jesus com os lábios,
sem abrir o coração à influência divina, não deve aguardar milagres
de nossa colaboração. Podemos ajudar, socorrer, contribuir, esclarecer;
não é, porém, possível improvisar recursos, cuja organização é trabalho
exclusivo dos interessados.
14 — Penaliza-me,
porém, o quadro clínico dos obsidiados infelizes, — considerei, sob
forte impressão. — Quão dolorosa a condição física de cada um!
— Sim, sim! — Revidou o instrutor, — o problema da responsabilidade
não se circunscreve a palavras. É questão vital no caminho da vida.
15 Preservando os
seus filhos contra os perigos do rebaixamento, criou Deus o aparelhamento
das luzes religiosas, acordando as almas para a glorificação imortal.
Raros homens, entretanto, se dispõem a respeitar os desígnios da Religião,
olvidando, voluntariamente, que as menores quedas e mínimas viciações
ficam impressas na alma, exigindo retificação. 16
Você está observando aqui alguns pobres obsidiados em processo positivo
de tratamento, mas esquece que inúmeras criaturas, ainda na carne, não
obstante informadas pela Religião quanto às necessidades do espírito,
se deixam empolgar pelo apego vicioso ao campo de sensações de vária
ordem, contraindo débitos, assumindo compromissos pesados e arrastando
companheiros outros em suas aventuras menos dignas, forjando laços fortes
para os dolorosos dramas de obsessão do futuro.
17 E, depois de sorrir paternalmente,
acrescentou:
— Que deseja você? É certo que devemos trabalhar quanto esteja
ao nosso alcance, pelo bem do próximo; todavia, não podemos exonerar
os nossos semelhantes das obrigações adquiridas. 18
O servo fiel não é aquele que chora ao contemplar as desventuras alheias,
nem o que as observa, de modo impassível, a pretexto de não interferir
no labor da justiça. O sentimentalismo doentio e a frieza correta não
edificam o bem. 19 O
bom trabalhador é o que ajuda, sem fugir ao equilíbrio necessário, construindo
todo o trabalho benéfico que esteja ao seu alcance, consciente de que
o seu esforço traduz a Vontade Divina.
7.
Alexandre não podia ser mais claro. Compreendi-lhe o esclarecimento
edificante, mas, notando a saída dos enfermos, sob o amparo vigilante
dos familiares, que os aguardavam à porta, voltei a indagar:
2 — Meu amigo, e se conseguíssemos
o afastamento definitivo dos perseguidores implacáveis? Na qualidade
de antigo médico do mundo, reconheço que estes doentes psíquicos não
trazem as enfermidades, de que são portadores, circunscritas à mente.
Com exceção da jovem que reage valorosamente, os demais revelam estranhos
desequilíbrios do sistema nervoso, com distúrbios no coração, fígado,
rins e pulmões. Admitamos que fosse obtida a conversão dos verdugos
que os atormentam. Voltariam depois disto à normalidade orgânica, alcançariam
o retorno à saúde completa?
3 Alexandre meditou alguns
momentos, antes de responder, e asseverou, em seguida:
— André, o corpo de carne é como se fora um violino entregue ao artista,
que, nesse caso, é o Espírito reencarnado. Torna-se indispensável preservar
o instrumento contra os animálculos destruidores e defendê-los contra ladrões.
4 Observou a jovem
que tudo faz por guardar-se do mal? Tem estado a cair sob os golpes
dos perseguidores que lhe assediam impiedosamente o coração. Entretanto,
como alguém que atravessa longa e perigosa senda sobre o abismo, confiante
em Deus, ela tem recorrido à prece, incessantemente, estudando a si
mesma e mobilizando as possibilidades de que dispõe para não perturbar
a ordem dentro de si mesma. Na tentação de que é vítima, tem essa irmã
a provação que a redime. 5
Ela, porém, com o heroísmo silencioso de seu trabalho, tem esclarecido
os próprios perseguidores, compelindo-os à meditação e à disciplina.
Segundo vê, essa lutadora sabe preservar o instrumento que lhe foi confiado
e, convertida em doutrinadora dos verdugos, pelo exemplo de resistência
ao mal, transforma os inimigos, edificando a si mesma. 6
Ante colaboração dessa natureza, temos o problema da cura altamente
favorecido. Não se verificará, porém, o mesmo com aqueles que não se
acautelam com a defesa do instrumento corporal. Entregue aos malfeitores,
o violino simbólico a que nos referimos pode permanecer semidestruído.
E, ainda que seja restituído ao legítimo possuidor, não pode atender
ao trabalho da harmonia, com a mesma exatidão de outro tempo. Um stradivarius
pode ser autêntico, mas não se fará sentir com as cordas rebentadas.
7 Como vemos, os casos
de obsessão apresentam complexidades naturais e, na solução deles, não
podemos prescindir do concurso direto dos interessados.
— Compreendo! — Exclamei.
8 E, em virtude da pausa mais
longa que o mentor imprimiu à conversação, obtemperei:
— Convenhamos, porém, que os perseguidores se convertam, que se afastem definitivamente do mau caminho, depois de seviciarem o organismo das vítimas, durante longo tempo… Nesse caso, não terão elas o restabelecimento imediato? Não recuperarão o equilíbrio fisiológico integral?
9 Com a bondade que lhe é
peculiar, Alexandre respondeu:
— Já observei acontecimentos dessa ordem e, quando se verificam, os antigos verdugos se transformam em amigos, ansiosos de reparar o mal praticado. Por vezes, conseguem, recebendo a ajuda dos Planos superiores, a restauração da harmonia orgânica naqueles que lhes suportaram a desumana influência; no entanto, na maioria dos casos, as vítimas não mais restabelecem o equilíbrio do corpo.
10 — E permanecem de saúde
incompleta até ao sepulcro? — Perguntei, fortemente impressionado.
— Sim, — elucidou Alexandre, tranquilamente.
11 Observando-me, porém, o
espanto enorme, o orientador acrescentou:
— Seu assombro prende-se ainda à deficiente análise humana. O perseguidor,
reconhecido como tal, entre os companheiros encarnados, pode revelar
modificações, mas talvez a vítima suposta não esteja convertida. 12
Na obsessão, as dificuldades não são unilaterais. O eventual afastamento
do perseguidor nem sempre significa a extinção da dívida. E, em qualquer
parte do Universo, André, receberemos sempre de acordo com as nossas
próprias obras. ( † )
13 O assunto sugeria grandes
e belas interrogações, mas exigências outras requisitavam-nos mais além.
Alexandre dispôs-se a partir, despedindo-se, afetuoso, dos cooperadores, e acompanhei-o, em silêncio, meditando na grandeza das mínimas disposições da Justiça Divina.
André Luiz