1.
Terminaram os trabalhos de uma das reuniões comuns de estudos evangélicos,
quando uma entidade muito simpática acercou-se de nós, cumprimentando
o meu instrutor, que respondeu com espontânea alegria.
2 Tratava-se de mãe afetuosa,
que expôs, sem rebuços, as preocupações dolorosas que lhe assaltavam
o espírito, solicitando o concurso valioso de Alexandre, logo após as
primeiras palavras:
— Oh! Meu amigo, até hoje permaneço em luta com o meu infortunado Marinho. Não obstante meus ardentes esforços, o pobrezinho continua prisioneiro dos poderes sombrios. Entretanto, esperançada agora em sua possível renovação, venho pedir-lhe a cooperação no serviço de auxílio à sua alma infeliz!
3 — Uma nova doutrinação?
— interrogou o mentor, solícito.
— Sim, — disse a mãe angustiada, enxugando os olhos, — já recorri a diversos
amigos que colaboram na oficina de trabalhos espirituais, onde conheço
a sua atuação de orientador, e todos se prontificaram a prestar-me concurso
fraterno.
4 — Nota em Marinho sinais
evidentes de transformação interior? — Perguntou Alexandre.
Ela respondeu num gesto afirmativo, com a cabeça, e prosseguiu:
— Há mais de dez anos procuro dissuadi-lo do mau caminho, influenciando-o
de maneira indireta. Por mais de uma vez já o conduzi a situações de
esclarecimento e iluminação, sem resultado, como é de seu conhecimento.
5 Agora, porém, observo-lhe
as disposições algo modificadas. Não sente o mesmo entusiasmo ao receber
as sugestões malignas dos infelizes companheiros de revolta e desesperação.
Sente inexprimível tédio na posição de desequilíbrio e, vezes diversas,
tenho tido a satisfação de induzi-lo à prece solitária, embora sem
conseguir furtá-lo ao fundo de rebeldia.
6 A venerável entidade imprimiu
ligeira pausa à conversação, continuando em tom de súplica:
— Quem sabe terá chegado para ele o divino instante da luz íntima? Muito venho sofrendo por esse pobre filho, desviado da estrada reta, e é possível que o Senhor me conceda, presentemente, a graça de reintegrá-lo na senda do bem… Para esse fim, estou congregando as minhas afeições mais puras.
7 Em seguida, fixando o mentor,
com estranho brilho nos olhos, implorou:
— Oh! Alexandre, conto com o seu apoio decisivo! Preciso trabalhar por Marinho, de cuja desventura me julgo culpada, até certo ponto! E confesso-lhe, meu amigo, que me sinto cansada, em profunda exaustão espiritual!…
8 — Compreendo-a,
— exclamou o interlocutor, comovido, — a luta incessante para arrebatar
um coração amado, prisioneiro das trevas, dá para esgotar a qualquer
um de nós. Tenha calma, porém. 9
Se Marinho permanece agora entediado diante dos companheiros de criminoso
desvio, então será fácil ajudar-lhe o espírito, recolocando-o a caminho
da verdadeira elevação. De outro modo, não me abalançaria ao concurso
ativo. Confie em nossa tarefa e façamos por ele quanto estiver ao alcance
de nossas possibilidades. Tudo está pronto no campo preparatório?
9 — Sim, — elucidou a respeitável
matrona desencarnada, — alguns amigos me auxiliarão a traze-lo, enquanto
outros se encarregarão de ajudar Otávia, encaminhando convenientemente
o assunto, no agrupamento.
— Pois bem, — concluiu Alexandre, atencioso, — na noite aprazada, estarei presente,
cooperando a favor dele, quanto seja possível.
2.
Depois de comovedores agradecimentos, estávamos novamente a sós.
— Porque a doutrinação em ambiente dos encarnados? — Indaguei. — Semelhante medida é uma imposição no trabalho desse teor?
2 — Não, — explicou
o instrutor, — não é um recurso imprescindível. Temos variados agrupamentos
de servidores do nosso Plano, dedicados exclusivamente a esse gênero
de auxílio. 3 As atividades
de regeneração em nossa colônia n
estão repletas de institutos consagrados à caridade fraternal, no setor
de iluminação dos transviados. Os postos de socorro e as organizações
de emergência, nos diversos departamentos de nossas Esferas de ação,
contam com avançados núcleos de serviço da mesma ordem. 4
Em determinados casos, porém, a cooperação do magnetismo humano pode
influir com mais intensidade, em benefício dos necessitados que se encontrem
cativos das zonas de sensação, na Crosta do Mundo. 5
Mesmo aí, contudo, a colaboração dos amigos terrenos, embora seja apreciável,
não constitui fator absoluto e imprescindível; mas, quando é possível
e útil, valemo-nos do concurso de médiuns e doutrinadores humanos, não
só para facilitar a solução desejada, senão também para proporcionar
ensinamentos vivos aos companheiros envolvidos na carne, despertando-lhes
o coração para a espiritualidade.
6 O mentor fixou um sorriso
e prosseguiu:
— Ajudando as entidades em desequilíbrio, ajudarão a si mesmos; doutrinando, acabarão igualmente doutrinados.
3.
Satisfeito com as elucidações recebidas, passei a considerar o caso
pessoal da terna entidade que nos visitara. Por que permaneceria um Espírito
iluminado em serviços consecutivos por alguém que se comprazia nas sombras?
Seria justo acorrentar corações maternais a filhos impenitentes?
2 O orientador, contudo, veio
ao encontro de minhas interrogações, explicando:
— A dedicada amiga que nos visitou é uma pobre mãe, em luta depois da morte física.
3 — A quem se refere na intercessão?
— perguntei.
— A um filho que foi sacerdote na Crosta.
4 — Sacerdote? — Indaguei,
profundamente surpreendido.
— Sim, — esclareceu Alexandre. — Os desvios das almas que receberam
tarefas de natureza religiosa são sempre mais graves. 5
Existem padres que, contrariamente a todas as esperanças de nosso Plano,
se entregam completamente ao sentido literal dos ensinamentos da fé.
Recebem os títulos sacerdotais, como os médicos sem amor ao trabalho
de curar, ou como os advogados sem qualquer espécie de devotamento ao
direito. 6 Estimam
os interesses imediatos, requisitam as honrarias humanas e, terminada
a existência transitória, se encontram em doloroso fracasso da consciência.
7 Habituados, porém,
ao incenso dos altares e à submissão das almas encarnadas, não reconhecem,
na maioria das vezes, a própria falência e preferem o encastelamento
na revolta lamentável, que os converte em gênios das sombras. 8
Neste particular, — acentuou o instrutor, modificando a inflexão de
voz, — devemos reconhecer que semelhante condição, neste lado da vida,
é a de todos os homens e mulheres, de inteligência notável, com primores
de cultura terrestre, mas desviados do verdadeiro caminho de edificação
moral. 9 Comumente,
as pessoas mais sensíveis e cultas criam o mundo que lhes é peculiar
e esperam furtar-se à lei de testemunho próprio, no campo das virtudes
edificantes. Acostumadas à fácil aquisição de vantagens convencionais
na Crosta, pretendem resolver, depois da perda do corpo físico, os problemas
espirituais pelo mesmo processo, e, encontrando tão somente a Lei, que
manda conceder a cada um segundo as suas obras, ( † )
não raro agravam a situação, internando-se no escuro país do desespero,
onde se reúnem a inúmeras companhias da mesma espécie. 10
Dentre as criaturas dessa ordem, sobressai a elevada percentagem dos
ministros de várias religiões. Referindo-nos tão só aos das escolas
cristãs, verificamos que a maioria não pondera na exemplificação do
próprio Mestre Divino. 11
Cerram olhos e ouvidos aos sacrifícios apostólicos. Simão Pedro, João
Evangelista, Paulo de Tarso, representam para eles figuras demasiadamente
distantes. Apegam-se às decisões meramente convencionais dos concílios,
estudam apenas os livros eclesiásticos e querem resolver todas as transcendentes
questões da alma através de programas absurdos, de dominação pelo culto
exterior. 12 Erguem
basílicas suntuosas, olvidando o templo vivo do próprio espírito; homenageiam
o Senhor como os orgulhosos romanos reverenciavam a estátua de Júpiter,
tentando subornar o poder celeste pela grandeza material das oferendas.
13 Mas ai! Esquecem
o coração humano, menosprezam o espírito de humanidade, ignoram as aflições
do povo, a quem foram mandados servir. E, cegos aos próprios desvarios,
ainda aguardam um Céu fantástico que lhes entronize a vaidade criminosa
e a ociosidade cruel.
14 Alexandre, neste ponto das
elucidações, como se fora chamado a meditações mais profundas, silenciou
por momentos, continuando em seguida:
— Para estes, André, a morte do corpo é um acontecimento terrível.
15 Alguns enfrentam,
corajosos, a desilusão necessária e proveitosa. A maioria, porém, fugindo
ao doloroso processo de readaptação à realidade, precipita-se nos campos
inferiores da inconformação presunçosa, organizando perigosos agrupamentos
de almas rebeladas, com os quais temos de lutar por nossa vez… 16
Quase todas as escolas religiosas falam do inferno de penas angustiosas
e horríveis, onde os condenados experimentam torturas eternas. São raras,
todavia, as que ensinam a verdade da queda consciencial dentro de nós
mesmos, esclarecendo que o Plano infernal e a expressão diabólica encontram
início na esfera interior de nossas próprias almas.
17 O orientador amigo fez novo
intervalo, e, depois de pensar a sós, durante alguns instantes, considerou:
— Você compreende… Os que caem por ignorância aceitam com alegria a retificação,
desde que se mantenham em padrão de boa vontade sincera. 18
Os que se precipitam no desequilíbrio, porém, atendendo à sugestão do
orgulho, experimentam grande dificuldade para ambientar a corrigenda
em si mesmos. Precisam edificar maior patrimônio de humildade, antes
de levarem a efeito a restauração imprescindível.
19 Observando que o mentor
silenciara novamente, perguntei:
— Mas se o erro voluntário pertence ao sacerdote, no caso em exame, como explicar o sacrifício materno?
20 Alexandre não hesitou.
— Há renunciações sublimes, em nosso Plano, — exclamou, sensibilizado,
— dentro das quais companheiros existem que se sacrificam pelos outros,
através de muitíssimos anos; mas, no processo sob nossa observação,
a nossa amiga tem a sua percentagem de culpa. 21
Na qualidade de mãe, ela quis forçar as tendências do filho jovem. Em
verdade, ele renascera para uma tarefa elevada no campo da filosofia
espiritualista; contudo, de modo algum se encontrava preparado para
o posto de condutor das almas. 22
A genitora, entretanto, obrigou-o a aceitar o ingresso no seminário,
violentando-lhe o ideal e, indiretamente, colaborou para que o seu orgulho
fosse demasiadamente acentuado. Interpretando suas tendências para a
filosofia edificante, à conta de vocação sacerdotal, impôs-lhe o hábito
dos Jesuítas, que ele deslustrou com a vaidade excessiva. 23
Claro que a nossa irmã estava possuída das mais santas intenções; todavia,
sente-se no dever de partilhar os sofrimentos do filho, sofrimentos,
aliás, que ele mesmo ainda não chegou a experimentar em toda a extensão,
em vista da crosta de insensibilidade com que a revolta lhe vestiu a
alma desviada.
24 Porque Alexandre fizesse
uma pausa mais longa, interroguei:
— Mas se o filho foi conduzido a situação difícil, para a qual não se encontrava convenientemente preparado, será tão grande a culpa dele?
25 O instrutor sorriu, em vista
das minhas reiteradas arguições, e esclareceu:
— A genitora errou pela imprevidência, ele faliu pelos abusos criminosos,
em oportunidade de serviço sagrado. 26
Alguém pode abrir-nos a porta de um castelo, por excesso de carinho,
mas, porque tenhamos obtido semelhante facilidade, não quer isto dizer
isenção de culpa, caso venhamos a menosprezar a dádiva, destruindo os
tesouros colocados sob nossos olhos. 27
Por isso mesmo, a carinhosa mãe está efetuando a retificação amorosa
de um erro, enquanto o filho infeliz expiará faltas graves.
Essa explicação encerrou a palestra referente ao assunto.
4.
Na noite previamente marcada, acompanhei o pequeno grupo que procurou
Marinho para o auxílio espiritual.
2 Constituía-se a
nossa reduzida expedição apenas de quatro entidades: Alexandre, a genitora
desencarnada, um companheiro de trabalho e eu. Com grande surpresa,
vim a saber que esse companheiro nosso, de nome Necésio, funcionaria
na qualidade de intérprete, junto ao sacerdote infeliz. 3
Necésio fora igualmente padre militante e mantinha-se em padrão vibratório
acessível à percepção dos amigos de ordem inferior. Marinho não nos
veria, segundo me informou Alexandre, mas enxergaria o ex-colega, entraria
em contato com ele e receberia nossas sugestões por intermédio do novo
colaborador.
4 Admirando a sabedoria que
preside a semelhantes trabalhos de cooperação fraternal, segui atenciosamente
o grupo, que se dirigiu a uma igreja de construção antiga.
Se estivesse ainda na carne, talvez o quadro sob meu olhar me despertasse
terríveis sensações de pavor, mas, agora, a condição de desencarnado
impunha-me a disciplina emotiva. 5
Enchia-se o templo de figuras patibulares. Inúmeras entidades dos Planos
inferiores congregavam-se ali, cultivando, além da morte, as mesmas
ideias de menor esforço no campo da edificação religiosa. 6
Alguns sacerdotes, envolvidos em vestes negras, permaneciam igualmente
ao pé dos altares, enquanto um deles, que parecia exercer funções de
chefia, comentava, de um púlpito, o poder da igreja exclusivista a que
pertenciam, expondo com extrema sutileza novas teorias sobre o céu e
a bem-aventurança.
7 Assombrado, ouvi a palavra
amiga de Alexandre, que me explicava, gentilmente:
— Não estranhe. Os desesperados e preguiçosos também se reúnem, depois da transição
da morte física, segundo as tendências que lhes são peculiares. 8
Como acontece às congregações de criaturas rebeldes, na Crosta Planetária,
os mais inteligentes e sagazes assumem a direção. Muitos males são praticados
por estes infelizes, inconscientemente…
9 — Oh! — Exclamei
com espanto, — como podem entronizar a ignorância a este ponto? Quem
poderia crer no quadro que observamos? Se são criaturas informadas quanto
à verdade, por que motivo ainda se entregam à prática do mal?
— Trata-se de ação maléfica inconsciente esclareceu o bondoso Alexandre.
— Mas, — respondi, aturdido, — por que contrassenso as almas cientes
da distância que as separa da carne não se rendem à lei do bem?
10 O instrutor sorriu e
obtemperou:
— Entretanto, na própria Humanidade encarnada você encontrará idênticos fenômenos.
Decorridos mais de mil anos sobre os ensinamentos do Cristo, com a visão
ampla dos sacrifícios do Mestre e de seus continuadores, cientes da
lição da Manjedoura e da Cruz, investidos na posse dos tesouros evangélicos,
abalançaram-se os homens às chamadas guerras santas, exterminando-se
uns aos outros, em nome de Jesus, instituíram tribunais da Inquisição,
cheios de suplícios, onde pessoas de todas as condições sociais foram
atormentadas, aos milhares, em nome da caridade de Nosso Senhor. 11
Como você verifica, a ignorância é antiga e a simples mudança de indumentária
que a morte física impõe não modifica o íntimo das almas. Não temos
céus automáticos, temos realidades.
12 Sem disfarçar meu assombro,
voltei a indagar:
— Mas, como vivem essas criaturas desventuradas? Obedecem a organizações que lhes sejam próprias? Possuem sistemas especiais?
— A maioria aqui, — esclareceu o instrutor, — é constituída de entidades
desencarnadas em situação de parasitismo. Pesam naturalmente na economia
psíquica das pessoas às quais se reúnem e na atmosfera dos lares que
as acolhem. 13 Não
creia, porém, na inexistência de organizações nas zonas inferiores.
Elas existem e, em grande número, não obstante os ascendentes de orgulho
e rebeldia que lhes inspiraram as fundações. Em semelhantes agrupamentos,
dominam os gênios da perversidade deliberada. 14
Aqui, sob nossos olhos, temos tão somente uma assembleia de almas sofredoras
e desorientadas. Você não conhece ainda os antros do mal, em sua verdadeira
significação.
15 E, num gesto expressivo,
acentuou:
— Não vivemos em paz com esses focos de maldade organizada. Compete-nos lutar contra eles, até à vitória completa do bem.
16 Mais uma vez, senti a extensão
e a magnitude dos serviços que aguardam os leais servidores de Jesus,
depois da morte do corpo físico.
5.
Escutava com interesse a engenhosa pregação do dirigente desencarnado,
quando o novo cooperador que nos acompanhava fez-nos ligeiro sinal a
alguma distância, interessado em não se imiscuir com a multidão, por causa
da sua condição de visibilidade aos circunstantes, sinal esse a que
Alexandre atendeu imediatamente, seguido pela genitora aflita, e por
mim.
2 O companheiro localizara
Marinho e chamava-nos ao trabalho.
Em recanto escuro de uma das velhas dependências do templo, mantinha-se a pobre
entidade em meditação. 3
A mãe carinhosa aproximou-se e afagou-lhe a fronte. Todavia, o filho
infortunado, como acontece à maioria dos homens terrestres em face da
influência das almas superiores, apenas sentiu uma vaga alegria no coração.
Avistou, porém, o nosso novo amigo com o qual estabeleceu interessante
diálogo.
4 Logo após receber-lhe afetuosa
saudação, perguntou Marinho, surpreso:
— Foi também padre?
— Sim, — respondeu Necésio, com simpatia.
— Pertence aos submissos ou aos lutadores? — Interrogou Marinho, algo irônico, dando a entender que por submissos compreendia todos os colegas cultivadores da humildade evangélica, e por lutadores todos aqueles que, não encontrando a realidade espiritual, segundo as falsas promessas do culto exterior, se achavam entregues à faina ingrata de revolta e desesperação.
5 — Pertenço ao grupo
da boa vontade, — respondeu Necésio, com inteligência.
Incapaz de perceber a nossa presença ao seu lado, Marinho fixou o nosso companheiro com sarcasmo e tristeza simultâneos e perguntou:
— A que me procura?
— Soube que você, meu amigo, — explicou-se o interlocutor, com emoção, — experimenta
certas dificuldades íntimas, que também venho sofrendo. 6
A dificuldade para conhecer o bem e o cansaço da permanência no mal,
a necessidade de afeições e o tédio das companhias inferiores representaram
para mim padecimentos enormes.
7 Enquanto o sacerdote triste
mudava de expressão fisionômica, Necésio continuava:
— É bem amargo reconhecer a impossibilidade de vivermos sem esperança, conservando, ao mesmo tempo, o desencanto de viver.
— Oh! Sim, é verdade! — Exclamou o interlocutor, comovido com a observação.
8 — E porque não trabalharmos
contra isto?
— Mas, como? — Interrogou Marinho, com inflexão dolorosa, — prometeram-nos
na Terra um céu aberto aos nossos títulos e a morte nos revelou situações
francamente opostas. 9
Não ministrávamos nós os sacramentos, não fomos revestidos do poder?
Confiaram-nos dominações e impuseram-nos aqui humilhações angustiosas…
Para quem apelar? Insubordinar-se agora é um dever.
10 Notei que o nosso colaborador
se prontificava a responder com argumentação sólida, de essência evangelizante,
falando-lhe das vaidades terrestres e das interpretações arbitrárias
do homem, no campo das leis divinas, mas antes que Necésio pudesse imprimir
à conversação qualquer sinal de contenda, Alexandre advertiu-o, bondosamente:
— Não discuta.
11 O interpelado modificou
a disposição e considerou, com afabilidade:
— Sim, meu amigo, cada consciência tem suas lutas e problemas próprios. Não venho disputar a sua renovação compulsória. Incumbido por alguns amigos que se interessam pela sua felicidade, em Plano mais alto, venho convidá-lo para uma reunião.
12 — Desejarão, acaso, modificar
o meu rumo, como já tentaram? — Perguntou Marinho, curioso.
— Naturalmente foram avisados de seu novo estado íntimo, — aduziu Necésio,
decidido, — e talvez pretendam oferecer-lhe vantagens novas. Quem sabe?
13 O interlocutor pensou alguns
minutos e voltou a fazer indagações, quanto aos seus prováveis benfeitores.
O nosso companheiro, porém, informou com serenidade:
— Não dispomos de tempo para muitas elucidações. Creio que o amigo, como aconteceu comigo mesmo, lucrará muitíssimo. Entretanto, se deseja tentar uma solução para o seu caso, não podemos perder os minutos.
14 Via-se que Marinho penetrava
o terreno obscuro da indecisão; no entanto, sua genitora desencarnada
enlaçou-o com mais carinho, a pedir-lhe mentalmente que acompanhasse
o mensageiro, sem hesitação. Impossibilitado de oferecer resistência
àquela vigorosa imposição magnética do amor maternal, exclamou, resoluto:
— Vamo-nos!
Necésio estendeu-lhe o braço de irmão e retiramo-nos, apressadamente, por uma das pequenas portas laterais.
6.
Em breves minutos, penetrávamos o conhecido recinto de orações e trabalhos
espirituais.
2 Observei que muitos servidores
de nossa Esfera mantinham-se de mãos dadas, formando extensa corrente
protetora da mesa consagrada aos serviços da noite. O quadro era para
mim uma novidade.
3 Alexandre, porém, explicou-me,
discreto:
— Trata-se da cadeia magnética necessária à eficiência de nossa tarefa de doutrinação. Sem essa rede de forças positivas, que opera a vigilância indispensável, não teríamos elementos para conter as entidades perversas e recalcitrantes.
4 O instrutor, porém,
fez-me perceber que a hora não comportava conversações e, auxiliando
Necésio, localizou Marinho dentro do círculo magnético, onde, com surpresa,
verifiquei a presença de outros desencarnados sofredores, trazidos por
outros pequenos grupos de amigos espirituais e que, por sua vez, aguardavam
a oportunidade de doutrinação.
5 Sentindo, agora, o ambiente
em que se achava, Marinho quis recuar, mas não pôde. A fronteira vibratória
estabelecida pelos nossos colaboradores, a reduzida distância da mesa
de fraternidade, impedia-lhe a fuga.
— Isto é um logro! — Clamou, revoltado.
6 — Sossegue! — Respondeu-lhe
Necésio, sem se alterar, — você conquistará grande alívio. Espere! Poderá
desabafar suas mágoas e ouvir a palavra compassiva de um orientador
cristão, ainda encarnado. E em seguida, quem sabe? Talvez possa ver
algum ente querido que se encontre em zonas mais altas, à espera de
seu fortalecimento e iluminação…
7 — Não quero! Não quero!
— Bradava o infeliz.
— Sabe assim a verdade, meu amigo? — Perguntou-lhe o nosso companheiro, com inflexão de ternura. — Poderá adivinhar a procedência do socorro de hoje? Conseguirá lembrar-se de quem me enviou ao seu encontro?
8 O sacerdote desencarnado
fixou nele os olhos tomados de expressão terrível, mas Necésio, sem
perder a calma, falou, depois de uma pausa mais longa:
— Sua mãe!
Marinho escondeu o rosto nas mãos e prorrompeu em pranto angustioso.
9 A esse tempo, secundado
por diversos auxiliares, Alexandre prestava ao organismo de Otávia o
máximo de concurso fraterno, em cotas abundantes de recursos magnéticos.
Compreendi que, se para os fenômenos de intercâmbio com os desencarnados
esclarecidos era necessário o auxílio de nosso Plano ao campo mediúnico,
no caso presente essa cooperação deveria ser muito maior, em vista da
condição dolorosa e lastimável dos comunicantes. Com efeito, a médium
Otávia recebia os mais vastos recursos magnéticos para a execução de
sua tarefa.
10 Daí a minutos, providenciava-se
a incorporação de Marinho, que tomou a intermediária sob forte excitação.
Otávia, provisoriamente desligada dos veículos físicos, mantinha-se
agora algo confusa, em vista de encontrar-se envolvida em fluidos desequilibrados,
não mostrando a mesma lucidez que lhe observara anteriormente; todavia,
a assistência que recebia dos amigos de nosso Plano era muito maior.
11 Um instrutor de elevada
condição hierárquica substituiu Alexandre junto da médium, passando
o meu orientador a inspirar diretamente o colaborador encarnado, que
dirigia a reunião.
7.
Enquanto isto ocorria, vários ajudantes de serviço recolhiam as forças
mentais emitidas pelos irmãos presentes, inclusive as que fluíam abundantemente
do organismo mediúnico, o que, embora não fosse novidade, me surpreendeu
pelas características diferentes com que o trabalho era levado a efeito.
2 Não pude conter-me e interpelei
um amigo em atividade nesse setor.
— Esse material, — explicou-me ele, bondosamente, — representa vigorosos recursos
plásticos para que os benfeitores de nossa Esfera se façam visíveis
aos irmãos perturbados e aflitos ou para que materializem provisoriamente
certas imagens ou quadros, indispensáveis ao reavivamento da emotividade
e da confiança nas almas infelizes. 3
Com os raios e energias, de variada expressão, emitidos pelo homem encarnado,
podemos formar certos serviços de importância para todos aqueles que
se encontrem presos ao padrão vibratório do homem comum, não obstante
permanecerem distantes do corpo físico.
4 Compreendi a elucidação,
reconhecendo que, se é possível efetuar uma sessão de materialização
para os companheiros encarnados, noutro sentido a mesma tarefa poderia
ser levada a efeito para os irmãos desencarnados, de condição inferior.
8.
Admirando a excelência e a amplitude das atividades dos nossos orientadores,
fixei a minha atenção na palestra que se estabeleceu entre Marinho,
incorporado em Otávia, e o doutrinador humano, orientado intuitivamente
por Alexandre.
2 A princípio, o sacerdote
demonstrava imenso desespero e pronunciava palavras fortes que lhe denunciavam
a rebeldia. O interlocutor, contudo, n falava-lhe com serenidade cristã,
revelando-lhe a superioridade do Evangelho vivido sobre o Evangelho
interpretado.
3 A certa altura da
doutrinação, percebi que Alexandre chamava a si um dos diversos cooperadores
que manipulavam os fluidos e forças recolhidos na sala e recomendou-lhe
que ajudasse a genitora de Marinho a tornar-se visível para ele. 4
Notei que a senhora desencarnada, com os préstimos de outros amigos,
atendeu imediatamente, ao passo que Alexandre, abandonando por momentos
o seu posto junto ao doutrinador, aplicou passes magnéticos na região
visual do comunicante, compreendendo, então, que ali se encontravam
em jogo interessantes princípios de cooperação. 5
A genitora amorosa resignava-se ao envolvimento em vibrações mais grosseiras,
por alguns minutos, enquanto o filho elevaria a percepção visual até
o mais alto nível ao seu alcance, para que pudessem efetuar um reencontro
temporário de benéficas consequências para ele.
6 Voltou Alexandre a fixar-se
ao lado do dirigente e, com surpresa, ouvi que o amigo encarnado desafiava
o exasperado comunicante, agindo francamente por intuição com a sua
voz quente de sinceridade no ministério do amor fraternal:
— Observe em volta de si, meu irmão! Exclamava o doutrinador, comoventemente,
— reconhece quem se encontra ao seu lado?
7 Foi então que o sacerdote
lançou um grito terrível:
— Minha mãe! — Disse ele, alarmado de dor e vergonha, — minha mãe!…
— Porque não render-se ao amor de Nosso Pai Celeste, meu filho? — Disse a genitora,
emocionada, abraçando-o, — chega de vãs discussões e de contendas intelectuais!
8 Marinho, a porta
de nossas ilusões terrenas cerraram-se com os nossos olhos físicos!… Não
transfira para cá nossos velhos enganos! Atenda-me! Não se revolte mais!
Humilhe-se diante da verdade! Não me faça sofrer por mais tempo!…
9 Os encarnados presentes
viam tão somente o corpo de Otávia, dominado pelo sacerdote que lhes
era invisível, quase a rebentar-se de soluços atrozes, mas nós víamos
além. 10 A nobre senhora
desencarnada sentou-se ao lado do filho e começou a beijá-lo, em lágrimas
de reconhecimento e amor. Pranto copioso identificava-os.
11 Cobrando forças novas, a
genitora continuou:
— Perdoe-me, filho querido, se noutra época induzi o seu coração à responsabilidade
eclesiástica, modificando o curso de suas tendências. 12
Suas lutas de agora atingem-me a alma angustiada. Seja forte, Marinho,
e ajude-me! Desvencilhe-se dos maus companheiros! Não vale rebelar-se.
Nunca fugiremos à lei do Eterno! Onde você estiver, a voz divina se
fará ouvir no imo da consciência…
13 Nesse momento, observei
que o sacerdote recordou instintivamente os amigos, tocado de profundo
receio. Agora, que reencontrava a mãezinha carinhosa e devotada a Deus,
que sentia a vibração confortadora do ambiente de fraternidade e fé,
sentia medo de regressar ao convívio dos colegas endurecidos no mal.
14 Apertou a destra materna,
confiante, e perguntou:
— Oh! Minha mãe, posso acompanhá-la para sempre?
15 A entidade amorável contemplou-o,
com redobrado amor, através do véu de pranto, e respondeu:
— Por enquanto, não, meu filho! 16
Poderá você distanciar-se do desequilíbrio, neste momento, quebrar todos
os elos que o prendem às zonas inferiores, abandonando-as de vez; entretanto,
há que transformar sua condição vibratória, através da renovação íntima
para o bem, mediante a qual é possível nossa reunião em breve, no
Lar Divino. 17 Não
tenha receio, porém. Providenciaremos todos os recursos necessários
à sua vida nova, desde que você modifique sinceramente os propósitos
espirituais. Dê-nos a boa vontade fiel e Jesus nos auxiliará, quanto
ao resto!… 18 Temos
aqui um desvelado amigo que nos prestará sua valiosa colaboração. Refiro-me
a Necésio, o bom irmão que o trouxe ao nosso encontro. Ele colocará
à sua disposição os recursos precisos à conduta diferente. 19
A princípio, Marinho, você experimentará dificuldades e dissabores,
será assediado pelos antigos companheiros, que se converterão em adversários,
mas, sem a luta que facilita a aquisição dos valores reais, não aprenderemos
onde se encontra o nosso verdadeiro lugar na obra de Deus.
20 O filho infortunado prometeu-lhe
a transformação imprescindível.
Depois de encorajá-lo com ponderada ternura, a devotada senhora deixou-o entregue aos cuidados de Necésio, que, prazerosamente, recebeu a missão de encaminhá-lo na esfera dos deveres novos.
21 Após despedir-se da mãezinha
abnegada, que voltou à nossa companhia, o sacerdote conversou ainda,
por alguns minutos, com o dirigente encarnado da reunião, surpreendendo-o
com a mudança brusca.
22 Fora obtida, de fato, uma
dádiva do Senhor. A dedicação maternal produzira salutares efeitos naquele
coração exasperado e desiludido.
23 Marinho não poderia
ser arrebatado das sombras para a luz tão somente em virtude da amorosa
cooperação de nosso Plano, mas recebeu nosso auxílio fraterno e utilizaria
os elementos novos para colocar-se a caminho da Vida Mais Alta. 24
Reconheci, admirando a justiça do Pai, que a genitora dedicada não poderia
entregar-lhe a colheita de luz que lhe era própria; contudo, fornecia-lhe
valiosas sementes, para que ele as cultivasse como bom lavrador.
9.
Outros grupos, procedentes de outras regiões, traziam seus tutelados
para a doutrinação, de acordo com o programa de serviço estabelecido
previamente.
2 Foram quatro as entidades
que receberam os benefícios diretos dessa natureza, através de Otávia
e outro médium.
3 Em todos os casos,
o magnetismo foi empregado em larga escala pelos nossos instrutores,
salientando-se o de um pobre negociante que ainda ignorava a própria
morte. 4 Demonstrando
certa teimosia, em face da verdade, um dos orientadores espirituais,
da condição hierárquica de Alexandre, impondo-lhe sua vontade vigorosa,
fê-lo ver, a distância, os despojos em decomposição. O infeliz, examinando
o quadro, gritava lamentosamente, rendendo-se, por fim, à evidência
dos fatos.
5 Em todos os serviços,
o material plástico recolhido das emanações dos colaboradores encarnados
atendeu eficientemente. Não era mobilizado apenas pelos amigos de mais
nobre condição, que necessitavam fazer-se visíveis aos comunicantes;
era empregado também na fabricação momentânea de quadros transitórios
e de ideias-formas, que agiam beneficamente sobre o ânimo dos infelizes,
em luta consigo mesmos. 6
Um dos necessitados, que tomara o médium sob forte excitação, quis agredir
os componentes da mesa em tarefa de auxílio fraternal. 7
Antes, porém, que pusesse em prática o sinistro desígnio, vi que os
técnicos de nosso Plano trabalhavam ativos na composição de uma forma
sem vida própria, que trouxeram imediatamente, encostando-a no provável
agressor. 8 Era um
esqueleto de terrível aspecto, que ele contemplou de alto a baixo, pondo-se
a tremer, humilhado, esquecendo o triste propósito de ferir benfeitores.
9 Depois de trabalhos
complexos da nossa Esfera, terminou a sessão, com grandes benefícios
para todos.
Dentro de mim, germinavam novos mundos de pensamento.
10 Os trabalhos havidos
para cada caso particular constituíam lições diferentes para minhalma.
E, aturdido pela dilatação da luz que se fazia cada vez mais intensa
e viva no meu círculo mental, reconheci que os gênios celestes poderiam
trazer o mais belo e eficiente socorro aos Espíritos da sombra, que,
movidos de piedade e amor, conseguiriam instalar abundantes celeiros
de bênçãos, junto dos sofredores, mas que, de conformidade com a Eterna
Lei, os necessitados só poderiam receber os divinos benefícios se estivessem
dispostos a aderir, por si mesmos, aos trabalhos do bem.
André Luiz
[1]
[Referência ao Ministério da Regeneração em Nosso Lar.]
[2] [Na 1ª edição desse livro, o linotipista repetiu o texto da linha anterior, omitindo o texto a seguir: “falava-lhe com serenidade cristã, revelando-lhe a”; texto que foi adicionado pela editora em edições posteriores.]