1.
Certa noite, finda a dissertação que Alexandre consagrava aos companheiros
terrenos, meu orientador foi procurado por duas senhoras, que foram
conduzidas, em condições especialíssimas, àquele curso adiantado de
esclarecimentos, porquanto eram criaturas que ainda se encontravam presas
aos veículos de carne e que procuravam o instrutor, temporariamente
desligadas do corpo, pela influência do sono.
2 A mais velha, evidentemente
Espírito mais elevado, pelas expressões de luz de que se via rodeado,
parecia muito conhecida e estimada de Alexandre, que a recebeu com indisfarçáveis
demonstrações de carinho. A outra, porém, envolvida num círculo escuro,
trazia o semblante lacrimoso e angustiado.
3 — Ó meu amigo! —
Exclamou a entidade mais simpática, dirigindo-se ao benévolo orientador,
depois das primeiras saudações, — trago-lhe minha prima Ester, que perdeu
o esposo em dolorosas circunstâncias.
E enquanto a senhora indicada enxugava os olhos, em silêncio, acabrunhadíssima, a outra continuava:
4 — Alexandre, conheço a elevação
e a urgência de seus serviços; entretanto, ouso pedir sua ajuda em nossos pesares terrestres! Se houver absurdo em nossa rogativa, desculpe-nos
com o seu coração clarividente e bondoso! Somos mulheres humanas! Perdoe-nos,
pois, se batemos à sua porta de benfeitor, para atender a problemas
tristes!…
5 — Etelvina, minha
amiga, — falou o instrutor, com entonação de ternura, — em toda parte,
a dor sincera é digna de amparo. Se há sofrimentos na carne, existem
eles também aqui, onde nos encontramos sem os despojos grosseiros e,
em todos os lugares, devemos estar prontos à cooperação legítima. Diga,
portanto, o que desejam e ponham-se à vontade!
6 Ambas as senhoras demonstraram-se
aliviadas e passaram a conversar calmamente.
2.
Etelvina, satisfeita, apresentou então a companheira que começou a relatar
seu doloroso romance. Casara-se, fazia doze anos, com o segundo noivo
que o destino lhe reservara, esclarecendo que o primeiro, ao qual amara
muito, suicidara-se em circunstâncias misteriosas. 2
A princípio, preocupara-se intensamente com a atitude de Noé, o noivo
primeiro, bem-amado de seu coração; todavia, o devotamento de Raul,
o esposo que o Céu lhe enviara, conseguira desfazer-lhe as mágoas do
passado, edificando-lhe a ventura conjugal, com amoroso entendimento.
3 Haviam recebido três
filhinhos da Providência Divina e viviam em harmonia completa. Raul,
conquanto melancólico, era dedicado e fiel. Quantas vezes desejara ela
balsamizar-lhe, em vão, as chagas recônditas! O companheiro, todavia,
nunca se lhe revelara plenamente! Apesar disso, a existência corria-lhe
venturosa e calma, no santuário da mútua compreensão. 4
Não obstante, porém, viverem para o desempenho das sagradas obrigações
domésticas, apareceram inimigos ocultos que lhes haviam subtraído a
felicidade. Raul fora assassinado inexplicavelmente. Amigos anônimos
recolheram-lhe o cadáver na via pública, trazendo-lhe à casa a terrível
surpresa. 5 Tinha ele
o coração varado por um tiro de revólver, que, embora encontrado junto
do corpo exangue, não lhe pertencia. Que mistério envolveria o hediondo
crime? Diversos populares e policiais acreditavam tratar-se de suicídio,
tanto assim que todas as diligências da justiça criminal se encontravam
interrompidas; entanto, em sua convicção de mulher, admitia o assassinato.
6 Que motivos conduziriam
um homem probo e trabalhador ao suicídio sem causa? Por que se mataria
Raul, quando tudo lhes era favorável, relativamente ao futuro? Inegavelmente,
seus recursos financeiros não eram extensos, mas sabiam equilibrar,
com decência, a despesa doméstica e a receita comum. 7
Não, não. O companheiro, a seu parecer, teria partido da Crosta por
imposição de tenebroso crime. Mas, em sua generosidade feminina, Ester,
em lágrimas, não desejava positivar a culpabilidade de ninguém, não
desejava vingar-se e, sim, acalmar o coração em desalento. 8
Seria possível, por intermédio de Alexandre, sonhar com o companheiro,
no sentido de obter-lhe as notícias diretas e fazer-lhe sentir o carinhoso
interesse do lar? 9
Em vista dos filhos pequenos e de dois velhos tios que estavam dependentes
de seus préstimos, a angustiada viúva encontrava-se em péssimas condições
financeiras, na viuvez inesperada; todavia, acrescentava em pranto,
estava disposta a trabalhar e consagrar-se aos filhinhos, recomeçando
a vida, mas, antes disso, desejava algum conforto para o coração, anelava
inteirar-se do ocorrido e conhecer a situação do esposo, para conformar-se.
10 E, no fim da longa
e sentida exposição, rematava, lacrimosa, dirigindo-se ao meu orientador:
— Por piedade, generoso amigo! Nada me podeis dizer? Que terá sido feito de Raul? Quem o terá assassinado? E porquê?
11 A viúva sofredora parecia
alucinada de dor e internava-se através das mais descabidas indagações;
Alexandre, porém, longe de se desgostar com as perguntas intempestivas,
assumira atitude paternal e, carinhosamente, tomou as mãos da interlocutora,
respondendo-lhe:
— Tenha calma e coragem, minha amiga! Neste momento, não é fácil esclarecê-la de pronto.
É imperioso sindicar, com cuidado, a fim de solucionar o problema com
o critério devido. Volte, pois, ao lar e descanse a mente oprimida…
12 Ansiedades existem
que não se curam à força de raciocínios do mundo. É indispensável conhecer
o refúgio da oração, confiando-as ao Supremo Pai. Ampare-se à fé sincera,
confie na Providência e veremos o que é possível fazer no setor da informação
e do socorro fraterno. Examinaremos o assunto com atenção!
13 Ambas as senhoras teceram
ainda alguns comentários dolorosos, em torno do acontecimento, e despediram-se,
mais tarde, com palavras de gratidão e conforto.
3.
A sós comigo e sentindo, talvez, a minha necessidade de preparação e
conhecimento, o orientador explicou:
— Nossos amigos encarnados muitas vezes acreditam que somos meros adivinhos e, pelo simples fato de nos conservarmos fora da carne, admitem que já somos senhores de sublimes dons divinatórios, esquecidos de que o esforço próprio, com o trabalho legítimo, é uma lei para todos os Planos evolutivos.
2 Mas, sorrindo paternal,
acrescentou:
— Entretanto, é forçoso considerar que nós outros, quando na Crosta, em face das mesmas circunstâncias, não procederíamos de outra forma.
3 No dia imediato, porque
podia eu dispor de mais tempo, convidou-me Alexandre a acompanhá-lo
até à residência de Ester. Tomaria o lar da interessada como ponto de
partida para as averiguações que desejava levar a efeito.
— Como? — Ponderei, — não seria mais prático invocar diretamente o esposo desencarnado,
através de nossos poderes mentais? Raul poderia, desse modo, ser ouvido
sem dificuldade, observando-se posteriormente o que se poderia fazer
em favor da viúva.
4 O instrutor, todavia, sem
desprezar minha ideia, considerou:
— Sem dúvida, esse é o método mais fácil e, em muitos casos, devemos mobilizar
semelhantes recursos; entretanto, André, o serviço intercessório, para
ser completo, exige alguma coisa de nós mesmos. 5
Concedendo à nossa irmã Ester algo de nosso tempo e de nossas possibilidades,
seremos credores de mais justos conhecimentos, respeito à situação geral,
enriquecendo, simultaneamente, os nossos valores de cooperação. Quem
dá o bem é o primeiro beneficiado, quem acende uma luz é o que se ilumina
em primeiro lugar.
6 Como quem não desejava dilatar
a conversação, Alexandre silenciou, pondo-nos ambos a caminho, compreendendo
eu, mais uma vez, que, como na Terra, o serviço de colaboração fraternal
no Plano dos Espíritos reclama esforço, tolerância e diligência.
4.
A casa da pobre viúva localizava-se em rua modesta e, embora relativamente
confortável, parecia habitada por muitas entidades de condição inferior,
o que observei sem dificuldade, pelo movimento de entradas e saídas,
antes mesmo de nossa penetração no ambiente doméstico. 2
Entramos sem que os desencarnados infelizes nos identificassem a presença,
em virtude do baixo padrão vibratório que lhes caracterizava as percepções.
3 O quadro, porém,
era doloroso de ver-se. A família, constituída da viúva, três filhos
e um casal de velhos, permanecia à mesa de refeições, no almoço muito
simples. 4 Entretanto,
um fato, até então inédito para mim, feriu-me a observação: seis entidades
envolvidas em círculos escuros acompanhavam-nos ao repasto, como se
estivessem tomando alimentos por absorção.
— Ó meu Deus! — Exclamei, aturdido, dirigindo-me ao instrutor, — será crível?
Desencarnados à mesa?
5 Alexandre replicou, tranquilo:
— Meu amigo, os quadros de viciação mental, ignorância e sofrimento nos lares sem equilíbrio religioso, são muito grandes. Onde não existe organização espiritual, não há defesas da paz de espírito. Isto é intuitivo para todos os que estimem o reto pensamento.
6 Após ligeira pausa em que
fixava, compadecido, a paisagem interior, prosseguiu:
— Os que se desencarnam em condições de excessivo apego aos que deixaram na Crosta,
neles encontrando as mesmas algemas, quase sempre se mantêm ligados
à casa, às situações domésticas e aos fluidos vitais da família. 7
Alimentam-se com a parentela e dormem nos mesmos aposentos onde se desligaram
do corpo físico.
— Mas chegam a se alimentar, de fato, utilizando os mesmos acepipes de outro tempo? — Indaguei, espantado, ao ver a satisfação das entidades congregadas ali, absorvendo gostosamente as emanações dos pratos fumegantes.
8 Alexandre sorriu e acrescentou:
— Tanta admiração, somente por vê-los tomando alimentos pelas narinas? E nós
outros? Desconhece você, porventura, que o próprio homem encarnado recebe
mais de setenta per cento da alimentação comum através de princípios
atmosféricos, captados pelos condutos respiratórios? 9
Você não ignora também que as substâncias cozidas ao fogo sofrem profunda
desintegração. Ora, os nossos irmãos, viciados nas sensações fisiológicas,
encontram nos elementos desintegrados o mesmo sabor que experimentavam
quando em uso do envoltório carnal.
10 — No entanto, — ponderei,
— parece desagradável tomar refeições, obrigando-nos à companhia inevitável
de desconhecidos e mormente desconhecidos da espécie que temos sob os
olhos.
— Mas você não pode esquecer, — aduziu o orientador, — que não se trata
de gente anônima. Estamos vendo familiares diversos, que os próprios
encarnados retêm com as suas pesadas vibrações de apego doentio.
11 Alexandre pensou um momento
e continuou:
— Admitamos, contudo, a sua hipótese. Ainda que a mesa doméstica estivesse rodeada de entidades indignas, estranhas aos laços consanguíneos, resta a certeza de que as almas se reúnem obedecendo às tendências que lhes são características e de que cada Espírito tem as companhias que prefere.
12 E, desejoso de fornecer
bases sólidas ao meu aprendizado, considerou:
— A mesa familiar é sempre um receptáculo de influenciações de natureza
invisível. 13 Valendo-se
dela, medite o homem no bem, e os trabalhadores espirituais do bem, nas vizinhanças
do pensador, virão partilhar-lhe o serviço no campo abençoado dos bons
pensamentos; 14 conserve
a família em Plano superior, rendendo culto às experiências elevadas
da vida, e os orientadores da iluminação espiritual aproximar-se-ão,
lançando no terreno da palestra construtiva as sementes das ideias novas,
que então se movimentam com a beleza sublime da espontaneidade. 15
Entretanto, pelos mesmos dispositivos da lei de afinidade, a maledicência
atrairá os caluniadores invisíveis e a ironia buscará, sem dúvida, as
entidades galhofeiras e sarcásticas, que inspirarão o anedotário menos
digno, deixando margem vastíssima à leviandade e à perturbação.
16 Indicando o grupo à mesa,
Alexandre acentuou:
— Aqui, os tristes inveterados atraem os familiares desencarnados de análoga condição. É o vampirismo recíproco. Ouça você o que falam.
17 Agucei meus ouvidos e, com
efeito, observei que a conversação era das mais lastimáveis:
— Nunca pensei que viria a sofrer tanto neste mundo! — Exclamava a velha tia de Ester, queixando-se amargamente. — Agostinho e eu trabalhamos tanto na mocidade!… Agora, chegados à velhice, sem recursos para enfrentar a vida, somos obrigados a sobrecarregar uma pobre sobrinha viúva! Ó que doloroso destino!…
18 E enquanto as lágrimas lhe
corriam nas faces de cera, o ancião fazia coro:
— É verdade! Para uma vida laboriosa e difícil, tão amargosa compensação! Jamais esperei uma velhice tão escura!…
19 As entidades vestidas em
túnicas de sombra, ao ouvirem semelhantes declarações, pareciam também
mais comovidas, abraçando-se aos velhos com fervor.
20 A viúva, todavia, embora
tristonha, acrescentou, resignada:
— De fato, nossas provações têm sido cruéis; entretanto, devemos confiar na Bondade de Deus.
5.
Alexandre fixou nela toda a sua atenção e notei que em sua alma se fazia disposição singular. De olhos brilhantes, qual se percebesse,
de muito longe, a nossa influenciação espiritual, recordou o sonho da
noite, de modo vago, acentuando:
2 — Graças à Providência,
amanheci hoje muito mais confortada. Sonhei que a prima Etelvina me
conduziu à presença de um mensageiro celestial que me abençoou o coração,
aliviando-me as pesadas dores destes últimos dias! Ó como me rejubilaria
se pudesse reconstituir esse sonho de luz!
3 — Ora, mamãe, conte-nos!
— Exclamou a filhinha de sete anos presumíveis, que até ali se mantivera
em silêncio.
A senhora, de bom grado, comentou:
— Minha filha, não se pode descrever as grandes sensações. 4
Não me lembro precisamente de tudo, mas recordo-me de que o emissário
de Jesus me ouviu com paciência e, em seguida, disse-me palavras de
encorajamento e amor. Longe de me repreender, acolheu-me, bondoso, e,
revelando divina tolerância, escutou minhas queixas até ao fim, qual
médico abnegado. 5
Inegavelmente, levantei-me hoje com outro ânimo. Estejamos conformados,
pois Deus nos auxiliará. Logo me refaça completamente, ganharei
nosso pão com o trabalho honesto. Tenhamos esperança e fé.
6 Em face das afirmativas
encorajadoras de Ester, os meninos entreolharam-se, sorridentes, enquanto
os velhinhos calavam a amargura que lhes era própria.
7 Desejei fazer-me visível
aos companheiros desencarnados, sem luz, que se movimentavam no recinto,
de maneira a palestrar com eles, sondando-lhes as experiências, mas
Alexandre dissuadiu-me:
— Seria perder tempo, — disse, — e se você deseja beneficiá-los, venha até
aqui noutra oportunidade, porque as cristalizações mentais de muitos
anos não se desfazem com esclarecimentos verbais dum dia. 8
No momento, nosso objetivo é diverso. Precisamos obter informações sobre
Raul. Além disso, se nos valêssemos da hora, a fim de ouvir nossos irmãos
desencarnados, presentes, verificaríamos de pronto que eles poderiam
tão somente relacionar dolorosas lamentações, sem proveito construtivo.
9 E revelando reduzido interesse
pela conversação dos encarnados, em vista do objetivo essencial do momento,
considerou:
— Procuremos algum de nossos irmãos visitadores. Temos necessidade de informes iniciais para dar uma feição imediata ao nosso trabalho intercessório.
10 Porque Alexandre demandasse
outros aposentos, deixei igualmente a modesta sala de refeições, embora
desejasse prosseguir observando. O instrutor, porém, não tinha muito
tempo para gastar.
11 Depois de minutos rápidos,
fomos defrontados por uma entidade de aspecto humilde, mas muito digno,
que Alexandre abordou, afavelmente:
— Meu amigo é visitador em função ativa?
— Sim, para servi-lo, — respondeu, atencioso, o interpelado.
12 O orientador expôs-lhe,
com franqueza e em poucas palavras, o que desejávamos.
Sim, o irmão visitador explicou-se razoavelmente. Conhecera Raul, de perto, auxiliara-o muitas vezes, prestando-lhe continuada assistência espiritual; todavia, não pudera, nem ele e nem outros amigos, evitar-lhe o suicídio friamente deliberado.
13 — Suicídio? — Interrogou
Alexandre, procurando informar-se de maneira completa. — A viúva acredita
em assassinato.
— Entretanto, — ponderou o novo amigo, — ele soubera dissimular com cuidado.
14 Meditara por muito
tempo o ato infeliz e, no último dia, fizera a aquisição de um revólver
para o fim desejado. Alvejando a região do coração, atirou a arma a
pequena distância, depois de utilizá-la, cautelosamente, para evitar
as impressões digitais e, desse modo, conseguira burlar a confiança
dos familiares, fazendo-lhes supor tivesse havido doloroso crime.
15 — E chegou a vê-lo nos derradeiros
minutos da tragédia? — Indagou Alexandre, paternal.
— Sim, — esclareceu o interlocutor, — alguns amigos e eu tentamos socorrê-lo,
mas, em vista das condições da morte voluntária, friamente deliberada,
não nos foi possível retirá-lo da poça de sangue em que se mergulhou,
retido por vibrações pesadíssimas e angustiosas. 16
Permanecíamos em serviço com o fim de ampará-lo, quando se aproximou
um “bando” de algumas dezenas, que abusou do infeliz e deslocou-o, facilmente,
em virtude da harmonia de forças perversas. 17
Como pode compreender, não nos foi possível arrebatá-lo das mãos dos
salteadores da sombra, que o carregaram por aí…
18 O instrutor parecia satisfeito
com as elucidações, e, quando vi que se dispunha a terminar a palestra,
ousei perguntar:
— Mas… e a causa do suicídio? não será interessante ouvir o visitador?
— Não, — explicou Alexandre, tranquilamente, — Indagaremos do próprio
interessado.
19 Despedimo-nos. Determinada
indagação, todavia, atormentava-me o cérebro. Não a contive por muitos
instantes, dirigindo-me ao generoso orientador:
— Um “bando”? — Interroguei. — Mas o que significa?
20 Alexandre, que me parecia
agora mais preocupado, esclareceu:
— O “bando” a que se refere o informante é a multidão de entidades delinquentes,
dedicadas à prática do mal. 21
Embora tenham influenciação limitada, em virtude das defesas numerosas
que rodeiam os núcleos de nossos irmãos encarnados e as nossas próprias
Esferas de ação, levam a efeito muitas perturbações, concentrando os
impulsos de suas forças coletivas.
22 Porque fosse muito grande
a minha estranheza, o instrutor aduziu:
— Não se surpreenda, meu amigo. A morte física não é banho milagroso,
que converta maus em bons e ignorantes em sábios, dum instante para
outro. 23 Há desencarnados
que se apegam aos ambientes domésticos, à maneira da hera às paredes.
Outros, contudo, e em vultoso número, revoltam-se nos círculos da ignorância
que lhes é própria e constituem as chamadas legiões das trevas, que
afrontaram o próprio Jesus, ( † )
por intermédio de obsidiados diversos. 24
Organizam-se diabolicamente, formam cooperativas criminosas e ai daqueles
que se transformam em seus companheiros! Os que caem na senda evolutiva,
pelo descaso das oportunidades divinas, são escravos sofredores desses
transitórios, mas terríveis poderes das sombras, em cativeiro que, por vezes, pode
caracterizar-se por longa duração.
6.
— Mas o visitador regional, como guarda destes sítios, — inquiri, espantado,
— não poderia defender o suicida infeliz?
2 — Se ele fosse vítima
de assassinato, sim, — respondeu o instrutor, — porque, na condição real
de vítima, o homem segrega determinadas correntes de força magnética
suscetíveis de pô-lo em contato com os missionários do auxílio; 3
mas no suicídio previamente deliberado, sem a intromissão de inimigos
ocultos, como este sob nossa observação, o desequilíbrio da alma é inexprimível
e acarreta absoluta incapacidade de sintonia mental com os elementos
superiores.
4 — Mas, — indaguei,
assombrado, — as sentinelas espirituais não poderiam socorrer independentemente?
Esboçou Alexandre um gesto de tolerância fraterna e acentuou:
— Sendo a liberdade interior apanágio de todos os filhos da Criação,
não seria possível organizar precipitados serviços de socorro para todos
os que caem nos precipícios dos sofrimentos, por ação propositada, com
plena consciência de suas atitudes. Em tais casos, a dor funciona como
medida de auxílio nas corrigendas indispensáveis. 5
Mas… e os maus que parecem felizes na própria maldade? perguntará você,
naturalmente. Esses são aqueles sofredores perversos e endurecidos de
todos os tempos, que, apesar de reconhecerem a decadência espiritual
de si mesmos, criam perigosa crosta de insensibilidade em torno do coração.
6 Desesperados e desiludidos,
abrigando venenosa revolta, atiram-se à onda torva do crime, até que
um novo raio de luz lhes desabroche no céu da consciência.
7.
O assunto oferecia ensejo a valiosos esclarecimentos, mas Alexandre
esboçou um gesto de quem não podia gastar muito tempo com palavras e,
depois de ligeiro intervalo, acrescentou:
— André, mantenha-se em oração, ajudando-me por alguns momentos. 2
Agora, que tenho informações positivas do visitador, preciso mobilizar
minhas possibilidades de visão, sindicando quanto ao paradeiro do irmão
infeliz.
3 Não obstante conservar-me
em prece, observei que o orientador entrava em profundo silêncio. Daí
a alguns minutos, Alexandre tomou a palavra e exclamou como quem estivesse
voltando de surpreendente excursão:
4 — Podemos seguir adiante.
O pobre irmão, semi-inconsciente, permanece imantado a um grupo perigoso
de vampiros, em lugarejo próximo.
8 O instrutor pôs-se a caminho; segui-o, passo a passo, em silêncio, apesar de minha intensa curiosidade.
2 Em pouco tempo, distanciando-nos
dos núcleos suburbanos, encontramo-nos nas vizinhanças de grande matadouro.
3 Minha surpresa não
tinha limites, porque observei a atitude de vigilância assumida pelo
meu orientador, que penetrou firmemente a larga porta de entrada. Pelas
vibrações ambientes, reconheci que o lugar era dos mais desagradáveis
que conhecera, até então, em minha nova fase de esforço espiritual.
4 Seguindo Alexandre
de muito perto, via numerosos grupos de entidades francamente inferiores
que se alojavam aqui e ali. 5
Diante do local em que se processava a matança dos bovinos, percebi
um quadro estarrecedor. Grande número de desencarnados, em lastimáveis
condições, atiravam-se aos borbotões de sangue vivo, como se procurassem
beber o líquido em sede devoradora…
6 Alexandre percebera o assombro
doloroso que se apossara de mim e esclareceu-me com serenidade:
— Está observando, André? Estes infelizes irmãos que nos não podem ver, pela deplorável situação de embrutecimento e inferioridade, estão sugando as forças do plasma sanguíneo dos animais. São famintos que causam piedade.
7 Poucas vezes, em
toda a vida, experimentara tamanha repugnância. As cenas mais tristes
das zonas inferiores que, até ali, pudera observar, não me haviam impressionado
com tamanho amargor. Desencarnados à procura de alimentos daquela espécie?
Matadouro cheio de entidades perversas? Que significava tudo aquilo?
8 Lembrei meus reduzidos
estudos de História, remontando-me à época em que as gerações primitivas
ofereciam aos supostos deuses o sangue de touros e cabritos. Estaria
ali, naquele quadro horripilante, a representação antiga dos sacrifícios
em altares de pedra? 9
Deixei que as primeiras impressões me incandescessem o cérebro, a ponto
de sentir, como noutro tempo, que minhas ideias vagueavam em turbilhão.
10 Alexandre, contudo, solícito
como sempre, acercou-se mais carinhosamente de mim e explicou:
— Porque tamanha sensação de pavor, meu amigo? Saia de si mesmo, quebre
a concha da interpretação pessoal e venha para o campo largo da justificação.
11 Não visitamos,
nós ambos, na Esfera da Crosta, os açougues mais diversos? Lembro-me
de que em meu antigo lar terrestre havia sempre grande contentamento
familiar pela matança dos porcos. A carcaça de carne e gordura significava
abundância da cozinha e conforto do estômago. 12
Com o mesmo direito, acercam-se os desencarnados, tão inferiores quanto
já o fomos, dos animais mortos, cujo sangue fumegante lhes oferece vigorosos
elementos vitais. 13
Sem dúvida, o quadro é lastimável; não nos compete, porém, lavrar as
condenações. Cada coisa, cada ser, cada alma, permanece no processo
evolutivo que lhe é próprio. 14
E se já passamos pelas estações inferiores, compreendendo como é difícil
a melhoria no plano de elevação, devemos guardar a disposição legítima
de auxiliar sempre, mobilizando as melhores possibilidades ao nosso
alcance, a serviço do próximo.
15 A advertência
fora utilíssima. As palavras do instrutor caíram-me nalma a preceito,
retificando-me a atitude mental. Encarei sereno o quadro sob meus olhos
e, notando que me reequilibrara, Alexandre indicou-me uma entidade de
aspecto lamentável, semelhante a um autômato, a vaguear em torno dos
demais. 16 Depois de
fixar-lhe os olhos quase sem expressão, reparei que a sua vestimenta
permanecia ensanguentada.
— É o suicida que procuramos, — exclamou o instrutor, claramente.
17 — Quê? — Perguntei, espantado,
— porque precisariam dele os vampiros?
— Semelhantes infelizes, — elucidou Alexandre, — abusam de recém-desencarnados
sem qualquer defesa, como este pobre Raul, nos primeiros dias que se
sucedem à morte física, subtraindo-lhes as forças vitais, depois de
lhes explorarem o corpo grosseiro…
9.
Estava atônito, lembrando as antigas informações religiosas sobre as
tentações diabólicas, mas o orientador, firme na missão sagrada de auxílio,
obtemperou:
— André, não se impressione em sentido negativo. 2
Todo homem, encarnado ou desencarnado, que se desvie da estrada reta
do bem, pode vir a ser perigoso gênio do mal. Não temos tempo a perder.
Vamos agir, socorrendo o desventurado.
3 Seguindo o generoso
mentor, aproximei-me também do infeliz. Alexandre alçou a destra sobre
a fronte de Raul e envolveu-o em vigoroso influxo magnético. Dentro
de poucos instantes, Raul permanecia cercado de luz, que foi vista imediatamente
pelos seres da sombra, observando eu que a maioria se afastou, lançando
gritos de horror. 4
Vendo a claridade que rodeara a vítima, estavam lívidos, espantados.
Um dos algozes mais corajosos exclamou em voz alta:
— Deixemos este homem entregue à sua sorte. Os “Espíritos poderosos” estão interessados nele. Larguemo-lo!
5 Enquanto se retiravam
os verdugos, apressadamente, como se temessem algo que eu não podia
compreender ainda, em face da aproximação bendita daquela luz que vinha
de Mais Alto, perdia-me em dolorosas interrogações íntimas. 6
O quadro era típico das velhas lendas de demônios abandonando as almas
prisioneiras de seus propósitos infernais. As palavras “Espíritos poderosos”
haviam sido pronunciadas com indisfarçável ironia. Pela claridade que
envolvera o suicida, sabiam eles que estávamos presentes e, embora fugissem,
medrosos, alvejavam-nos com zombarias.
7 Aos poucos, o matadouro
de grandes proporções estava deserto de vampiros vorazes. Alexandre,
dando por finda a operação magnética, tomou a mão do amigo sofredor,
que parecia imbecilizado pela influenciação maligna, e, conduzindo-o
para fora, a caminho do campo, falou-me, bondoso:
8 — Não guarde no coração
as palavras irônicas que ouvimos. Esses irmãos desventurados merecem
a nossa maior compaixão. Vamos ao que nos possa interessar.
9 Recomendou-me amparar o
novo amigo, que parecia inconsciente de nossa colaboração, e, depois
de alguns minutos de marcha, estacionávamos sob árvore frondosa, depondo
o irmão enfraquecido e cambaleante sobre a relva fresca.
10 Impressionado com o seu
olhar inexpressivo, solicitei os esclarecimentos do orientador, cuja
palavra amiga não se fez esperar:
— O pobrezinho permanece temporariamente desmemoriado. O estado dele, depois de tão prolongada sucção de energias vitais, é de lamentável inconsciência.
11 Em face da minha estranheza,
Alexandre acrescentou:
— Que deseja você? Esperaria por aqui o processo de menor esforço? O magnetismo do mal está igualmente cheio de poder, mormente para aqueles que caem voluntariamente sob os seus tentáculos.
12 Em seguida, inclinou-se
paternalmente sobre o desventurado suicida e indagou:
— Irmão Raul, como passa?
— Eu… eu… — Murmurou o infeliz, qual se estivesse mergulhado em profundo sono,
— não sei… Nada sei…
— Lembra-se da esposa?
— Não… — Respondeu o suicida, de modo vago.
13 O instrutor levantou-se
e disse-me:
— A inconsciência dele é total. Precisamos despertá-lo.
14 Em seguida, determinou que
eu permanecesse ali, em vigilância, enquanto buscaria recursos necessários.
— Não poderemos acordá-lo por nós mesmos? — Interroguei, admirado.
15 O orientador sorriu e considerou:
— Bem se reconhece que você não é veterano em serviços “intercessórios”.
Esquece-se de que vamos despertá-lo não só para a consciência própria,
senão também para a dor? 16
Romperemos a crosta de magnetismo inferior que o envolve e Raul regressará
ao conhecimento da situação que lhe é própria; entretanto, sentirá o
martírio do peito varado pelo projétil, rugirá de angústia ao contato
da sobrevivência dolorosa, criada, aliás, por ele mesmo. 17
Ora, em tais casos, as primeiras impressões são francamente terríveis
e escoam-se algumas horas antes de seguro alívio. E como outras obrigações
esperam por nós, será conveniente entregá-lo aos cuidados de outros
amigos.
18 As observações calaram-me
fundamente.
Decorridos vinte minutos, aproximadamente, Alexandre voltou acompanhado
de dois irmãos que se prontificaram a conduzir o infeliz e, daí a algum
tempo, encontrávamo-nos numa casa espiritual de socorro urgente, localizada
na própria Esfera da Crosta. Via-se que a organização atendia a trabalhos
de emergência, porquanto o material de assistência era francamente rudimentar.
19 Adivinhando-me o pensamento,
Alexandre explicou:
— No Círculo de vibrações antagônicas dos habitantes da Crosta, não se pode
localizar uma instituição completa de auxílio. O trabalho de socorro,
desse modo, há de sofrer incontestável deficiência. Esta casa, porém,
é um hospital volante que conta com a abnegação de muitos companheiros. 20 Deposto
Raul num leito alvo, o devotado instrutor começou a aplicar-lhe passes
magnéticos sobre a região cerebral. Não se passou muito tempo e o infeliz
lançou um grito estertoroso e vibrante, dilacerando-me o coração.
21 — Eu morro! Eu morro!… —
Gritava Raul, em suprema aflição, tentando, agora, escalar as paredes.
— Acudam-me por caridade.
E comprimindo o peito com as mãos, exclamava, em tom lancinante:
— Meu coração está partido! Ajudem-me!… Não quero morrer!…
22 Enfermeiros solícitos amparavam-no
com atenção, mas o paciente parecia tomado de horror. Olhos esgazeados
em máscara de sofrimento indefinível, continuava gritando estentoricamente,
como se houvesse acordado de pesadelo angustioso.
— Ester! Ester!… — Chamou o infeliz, recordando a esposa devotada, — venha
em meu auxílio pelo amor de Deus! Socorra-me! Meus filhos!… Meus filhos!…
23 Alexandre acercou-se dele
paternalmente e obtemperou:
— Raul, tenha paciência e fé no Divino Poder! Procure enfrentar corajosamente
a situação difícil que você mesmo criou e não invoque o nome da companheira
dedicada, nem chame pelos filhos amados que deixou na sua antiga paisagem
do mundo, porque a porta material de sua casa se fechou com os seus
olhos. 24 Se você
tivesse cultivado o amor cristão, prezando as oportunidades que o Senhor
lhe confiou, fácil seria, num momento destes, regressar ao ninho afetuoso
para rever os entes amados, ainda que eles não conseguissem identificar
a sua presença. Mas… agora, meu amigo, é muito tarde… é necessário aguardar
outro ensejo de trabalho e purificação, porque a sua oportunidade, com
o nome terrestre de Raul, está finda…
25 Imenso pavor a estampar-se-lhe
no semblante, o interpelado revidou:
— Estarei morto, porventura? Não sinto o coração varado de dor? Não tenho as vestes ensanguentadas? Será isto morrer? Absurdo!…
26 Muito sereno, o bondoso
instrutor voltou a falar:
— Não empunhou sua arma contra o próprio peito? Não localizou o coração para exterminar a própria vida? Ó meu amigo, podem os homens enganar uns aos outros, mas nenhum de nós poderá iludir a Justiça Divina.
27 Revelando extrema vergonha,
ao sentir-se a descoberto, o suicida prorrompeu em soluços, murmurando:
— Ah! Desventurado que sou! Mil vezes infeliz!…
28 Alexandre, contudo, não
tornou a falar-lhe naquela circunstância. Depois de recomendá-lo carinhosamente
aos cuidados dos irmãos responsáveis pelos serviços de assistência,
dirigiu-se a mim, explicando:
— Vamos, André! Nosso novo amigo está em crise cuja culminância não cederá antes de setenta horas, aproximadamente. Voltaremos mais tarde a vê-lo.
10.
De regresso aos meus trabalhos, esperei, ansioso, o instante de reatar
as observações educativas. 2
Impressionava-me a complexidade do serviço “intercessório”. As simples
orações de uma esposa saudosa e dedicada haviam provocado atividades
numerosas para o meu orientador e valiosos esclarecimentos para mim.
3 Como agiria Alexandre
na fase final? Que revelações teria Raul para os nossos ouvidos de companheiros
interessados no seu bem-estar? Conseguiria a esposa consolar-se nos
círculos da viuvez?
4 Abrigando interrogações
numerosas, aguardei o momento azado. Decorridos quatro dias, o instrutor
convidou-me a tornar ao assunto, o que me fez exultar de contentamento
pela possibilidade de prosseguir aprendendo para a minha própria edificação.
5 Encontramos Raul cheio
de dores; todavia, mais calmo para sustentar a conversação esclarecedora.
Queixava-se da ferida aberta, do coração descontrolado, dos sofrimentos
agudos, do grande abatimento. Sabia, porém, que não se encontrava mais
no Círculo da carne, embora semelhante verdade lhe custasse angustioso
pranto.
6 — Tranquilize-se,
— disse-lhe o meu orientador, com inexprimível bondade, — sua situação
é difícil, mas poderia ser muito pior. Há suicidas que permanecem agarrados
aos despojos cadavéricos por tempo indeterminado, assistindo à decomposição
orgânica e sentindo o ataque dos vermes vorazes.
7 — Ai de mim! —
Suspirou o mísero, — porque, além de suicida, sou igualmente criminoso.
E demonstrando infinita confiança em nós, Raul contou a sua história triste, procurando justificar o ato extremo.
8 Na mocidade, viera
do interior para a cidade grande, atendendo ao convite de Noé, seu camarada
de infância. Companheiro devotado e sincero, esse amigo apresentara-o,
certa vez, à noiva querida, com quem esperava tecer, no futuro, o ninho
de ventura doméstica. 9
Ai! Desde o dia, porém, que vira Ester pela primeira vez, nunca mais
pôde esquecê-la. Personificava a jovem o que ele, Raul, reputava como
seu mais alto ideal para o matrimônio feliz. Em sua presença, sentia-se
o mais ditoso dos homens. Seu olhar alimentava-lhe o coração, suas ideias
constituíam a continuidade dos seus próprios pensamentos. Como, porém,
fazer-lhe sentir o afeto imenso? 10
Noé, o bom companheiro do passado, tornara-se-lhe o empecilho que precisava
remover. Ester seria incapaz de traição ao compromisso assumido. Noé
mostrava-se infinitamente bondoso e estimável para provocar um rompimento.
Foi então que lhe nasceu no cérebro a tenebrosa ideia de um crime. Eliminaria
o rival. Não cederia sua felicidade a ninguém. O colega deveria morrer.
11 Mas como efetuar
o plano sem complicações com a Justiça? Enceguecido pela paixão violenta,
passou a estudar minuciosamente a realização de seus criminosos propósitos.
E encontrou uma fórmula sutil para a eliminação do companheiro generoso
e fiel. 12 Ele,
Raul, passou a usar conhecido e terrível veneno em pequeninas doses,
aumentando-a vagarosamente até habituar o organismo com quantidades
que para outrem seriam fulminantes. Atingido o padrão de resistência,
convidou o companheiro para um jantar e propinou-lhe o veneno odioso
em vinho agradável que ele próprio bebeu, sem perigo algum. 13
Noé, porém, desaparecera em poucas horas, passando por suicida, à apreciação
geral. Guardou ele, para sempre, o segredo terrível, e, depois de cortejar
gentilmente a noiva chorosa, conseguiu impor-lhe simpatia, que culminou
em casamento. 14
Atingira a realização do que mais desejava: Ester pertencia-lhe na qualidade
de mulher; vieram os filhinhos enfeitar-lhe o viver, mas… a sua consciência
fora ferida sem remissão. 15
Nas mais íntimas cenas do lar, via Noé, através da tela mental, exprobrando-lhe
o procedimento. Os beijos da esposa e as carícias dos filhos não conseguiam
afastar a visão implacável. 16
Ao invés de decrescerem, seus remorsos aumentavam sempre. No trabalho,
na leitura, na mesa de refeições, na alcova conjugal, permanecia a vítima
a contemplá-lo em silêncio. 17
A certa altura do destino, quis entregar-se à justiça do mundo confessando
o crime hediondo; entretanto, não se sentia com o direito de perturbar
o coração da companheira, nem deveria encher de lodo o futuro dos filhinhos.
18 A sociedade
respeitava-o, acatando-lhe o ambiente doméstico. Companheiros distintos
de trabalho prezavam-lhe a companhia. Como esclarecer a verdade em semelhantes
contingências? 19
Não obstante amar ternamente a esposa e os filhos, achava-se esgotado,
ao fim de prolongada resistência espiritual. Receava a perturbação,
o hospício, o aniquilamento, fugindo à confissão do crime que, cada
dia, se tornava mais iminente. 20
A essa altura, a ideia do suicídio tomou vulto em seu cérebro atormentado.
Não resistiu por mais tempo. Esconderia o último ato do seu drama silencioso,
como ocultara a tragédia primeira. 21
Comprou um revólver e esperou. Certo dia, após o trabalho diário, absteve-se
do caminho de volta ao lar e empunhou a arma contra o próprio coração,
agindo cauteloso para evitar as marcas digitais. Atingido o alvo,
num supremo esforço desfizera-se do revólver homicida e não teve a atenção
voltada senão para o intraduzível padecimento do tórax estrangulado…
22 Dificilmente,
como se os seus olhos permanecessem anuviados, sentiu que algumas pessoas
tentavam socorrê-lo e, em seguida, verdadeira multidão de criaturas,
que ele não pôde ver, arrebatava-o do local de dor… 23
Desde então, um enfraquecimento geral tomara-o por completo. Sentia-se
presa de um sono pesado e angustioso, cheio de pesadelos cruéis. E,
por fim, somente recuperara a consciência de si mesmo, ali naquele quarto
modesto, depois de Alexandre restaurar-lhe as energias em prostração…
24 Terminando a confissão
longa e amargurosa, Raul tinha o peito opresso e lágrimas pesadas a
lhe lavarem o rosto.
Comovidíssimo, não sabia, por minha vez, o que externar. Aquele drama oculto
daria para impressionar corações de pedra. 25
Alexandre, contudo, demonstrando a grandeza de suas elevadas experiências,
mantinha respeitável serenidade, e falou:
— Nos maiores abismos, Raul, há sempre lugar para a esperança. Não se deixe dominar pela ideia de impossibilidade. Pense na renovação de sua oportunidade, medite na grandeza de Deus. Transforme o remorso em propósito de regeneração.
26 E após ligeira pausa,
enquanto o infeliz se debulhava em pranto, o mentor prosseguiu:
— Em verdade, seus males de agora não podem desaparecer milagrosamente. Todos faremos a colheita compatível com a semeadura, mas também nós, que hoje aprendemos alguma coisa, já passamos, vezes inúmeras, pela lição de recomeçar. Tenha calma e coragem.
27 Em seguida, Alexandre
passou a notificá-lo, relativamente à causa de nosso interesse, explicando-lhe
que o trabalho de auxílio fraterno fora iniciado através de orações
da esposa carinhosa e desolada. Deu-lhe notícias dela, dos filhinhos
e dos velhos tios; falou-lhe das saudades de Ester e de sua ansiedade
para vê-lo, ainda que fosse em ligeiro minuto, em ocasião de sono do
veículo físico.
28 Em ouvindo as derradeiras
informações, o suicida pareceu reanimar-se vivamente e observou:
— Ai! Não sou digno! Minha miséria acentuar-lhe-ia as dores!…
O orientador, porém, afagando-lhe paternalmente a fronte, prometeu intervir e solucionar o problema.
11.
Retiramo-nos, de novo, e, percebendo-me a profunda admiração, Alexandre
ponderou:
— No pequeno drama em observação, meu amigo, você pode calcular a extensão
e complexidade de nossas tarefas nos serviços “intercessórios”. 2
Os nossos companheiros encarnados pedem-nos, por vezes, determinados
trabalhos, muito distantes do conhecimento das verdadeiras situações.
3 Para a sociedade
humana, Raul é uma vítima de sicários ocultos, quando é apenas vítima
de si mesmo. Para a companheira é o marido ideal, quando foi criminoso
e suicida.
4 Compreendi as dificuldades
morais em que nos achávamos para atender a petição que nos conduzira
a semelhante serviço. As palavras do instrutor não evidenciavam outra
coisa. Entendendo assim, ousei perguntar:
— Acredita esteja a irmã Ester preparada para o realismo de nossas conclusões?
5 Alexandre abanou a cabeça,
negativamente, e redarguiu:
— Somente são dignos da verdade plena os que se encontrem plenamente libertados das paixões. Ester é profundamente bondosa, mas ainda não alcançou o próprio domínio. Não possui as emoções, antes é possuída por elas. Em vista disso, de modo algum lhe poderíamos dar o conhecimento completo do assunto. Está preparada para a consolação, não para a verdade.
6 As afirmativas do instrutor
chocaram-me de certo modo. De que maneira omitir os pormenores da tragédia?
Não seria faltar à realidade? Por que processo confortar a esposa saudosa,
ocultando-lhe o sentido verdadeiro dos acontecimentos?
7 Alexandre, porém, compreendeu-me
as indagações e observou:
— Com que direito perturbaríamos o coração de uma pobre viúva na Crosta,
a pretexto de sermos verdadeiros? Por que motivo tisnar a esperança
tranquila de três crianças adoráveis, envenenando-lhes, talvez, o destino,
tão só para nos exibirmos como campeões da realidade? Haverá mais alegria
em mostrar a sombra do crime, que em descobrir a fonte do conforto?
8 André, meu irmão,
a vida pede muito discernimento! Cada palavra tem sua ocasião, como
cada revelação o seu tempo! Não podemos compreender um serviço de socorro
com o esmagamento do suplicante. 9
A oração de Ester não lhe poderia ser portadora de desalento. Por isso
mesmo, nem todos recebem, quando querem, a delegação de Mais Alto para
os serviços de assistência.
Registrei a observação.
12.
Nesse dia, Alexandre dirigiu-se em minha companhia às autoridades do
Auxílio, n
pedindo a colaboração de uma das irmãs que funcionavam nas Turmas
de Socorro, para concurso mais eficiente ao coração de Ester. 2
Foi destacada Romualda, criatura dedicada e bondosa, que desceu para
a Crosta, junto de nós, recebendo, atenciosamente, as recomendações
do prestimoso amigo. 3
Alexandre não se alongou em muitas instruções. Romualda deveria preparar
a viúva, espiritualmente, para visitar, na noite próxima, o esposo desencarnado
e, em seguida, demorar-se junto dela, duas semanas, colaborando no reerguimento
de suas energias psíquicas e cooperando para que se lhe reorganizasse
a vida econômica, através de colocação honesta e digna.
4 Era de ver-se o carinho
que o delicado instrutor dedicou a todas as providências em curso.
Quase no momento aprazado para o reencontro dos cônjuges, comparecemos
ao hospital volante de socorro espiritual,
n onde o instrutor cuidou pessoalmente de
todas as medidas. 5
Recomendou a Raul o melhor ânimo, insistindo para que não pronunciasse
a menor expressão de queixa e para que se abstivesse de qualquer gesto
que pudesse traduzir impaciência ou aflição. 6
Em seguida, mandou velar a chaga aberta e sanguinolenta, muito visível
na região dilacerada do organismo perispiritual, para que a esposa não
recebesse qualquer impressão de sofrimento. O próprio Raul, admirado
pela lição de boas maneiras, atendia, satisfeito e reanimado, a todas
as instruções.
7 Daí a minutos, Romualda
entrou em companhia de Ester, cujo olhar deixava entrever angústia e
expectação. Alexandre tomou-a pelo braço e mostrou-lhe o companheiro
estendido no leito alvo.
— Raul! Raul! — Gritou a viúva desolada, provisoriamente liberta do corpo carnal, dilacerando-me o coração pelo doloroso tom de voz.
8 A comoção dela
era extrema. Quis prosseguir e não pôde. Dobraram-se-lhe os joelhos
e Ester encostou-se, genuflexa, ao leito do esposo, soluçando. Reparei
que os olhos dele permaneciam marejados de pranto que não chegava a
cair. 9 Alexandre
fixava-o, com firmeza, dando-lhe a entender a necessidade de coragem
para o angustioso testemunho. Como a criança interessada em conhecer
as recomendações paternas, o suicida acompanhava os menores gestos do
nosso generoso orientador. E porque Alexandre lhe fizera ligeiro sinal,
Raul tomou a destra da companheira em lágrimas e falou:
10 — Não chores mais, Ester!
Tem confiança em Deus! Vela pelos nossos filhinhos e ajuda-me com a
tua fé! Vou indo muito bem… Não há razão para que nos lamentemos! Querida,
a morte não é o fim. Aceita a vontade do Pai, como estou procurando
aceitar… Nossa separação é temporária… Nunca te esquecerei! Estarás
em meu coração, onde eu estiver! Também estou saudoso de tua companhia,
de tua dedicação, mas o Altíssimo nos ensinará a transformar saudades
em esperanças!
11 As palavras do suicida,
bem como a doce inflexão de sua voz, surpreendiam-me a observação. Raul
demonstrava um potencial de delicadeza e finura psicológica, que até
aí não revelara a meus olhos. Foi então que, aguçando a percepção visual,
notei que fios tenuíssimos de luz ligavam a fronte de Alexandre ao cérebro
dele e compreendi que o instrutor lhe ministrava vigoroso influxo magnético,
amparando-o na difícil situação.
12 Ouvindo-lhe as expressões
consoladoras, a viúva pareceu reanimar-se, exclamando, lacrimosa:
— Ó Raul, eu sei que agora estamos separados pelos abismos da sepultura!…
Sei que devo esperar a decisão suprema para unir-me contigo para sempre…
Ouve! Auxilia-me na Terra, na viuvez inesperada e dolorosa! Levanta-te
e vem para a nossa casa, dar-me esperança ao espírito abatido! Defende-nos
ainda contra os maus… Não me deixes sozinha com os nossos filhinhos,
que tanto precisam de ti… Pede a Deus essa graça e vem ajudar-nos até
ao fim!…
13 Embora continuasse estirado
no leito, o interpelado afagou-lhe carinhosamente os cabelos e respondeu:
— Tem coragem e fé! Lembra-te, Ester, de que existem padecimentos maiores que
os nossos e conforma-te… Vou fortalecer-me e trabalharei ainda por nós…
Assim como me esperas a assistência, esperar-te-ei a confiança. O Senhor
não impõe sofrimentos que não mereçamos, nem nos
confia problemas dos quais não sejamos dignos! Volta para nossa
casa e alegra-te! 14
Não tenhas medo da necessidade; nunca nos faltará a bênção do pão! Procura
a alegria do trabalho honesto e semeia o bem através de todas as oportunidades
que o mundo te ofereça! A prática do bem dá saúde ao corpo e alegria
ao espírito! E Deus, que é bom e justo, abençoará nossos filhinhos para
que eles sejam felizes ao teu lado… Não te demores mais! Volta confiante!
Guarda a certeza de que eu estou vivo e de que a morte do corpo é somente
a necessária transformação!…
15 Compreendendo que a oportunidade
do reencontro estava a esgotar-se, revelou a ansiosa esposa extrema
curiosidade e aflição, fitando o companheiro através das lágrimas, e
perguntou:
— Raul, antes que me vá, dize-me francamente… Que aconteceu? Quem te
roubou a vida? 16
Notei que o interpelado mostrou no olhar terrível angústia, ante a indagação
inesperada. Quis, talvez, confessar a verdade, fazer luz em torno de
suas experiências extintas, mas o socorro magnético de Alexandre não
se fez esperar. 17
Jato de intensa luminosidade partiu da mão do orientador que, a essa
altura da conversação, mantinha sobre a fronte do suicida a destra protetora.
Transformou-se-lhe a expressão fisionômica, restabelecendo-se-lhe a
serenidade e a coragem. Novamente calmo, Raul falou à companheira:
18 — Ester, os processos
da Justiça Divina não se encontram ao dispor de nossa apreciação… Guarda
contigo a certeza de que estamos sendo instruídos todos os dias e em
todos os acontecimentos… Aprende a procurar, antes de tudo… a vontade
de Deus…
19 A pobre viúva
desejou prolongar a palestra; adivinhava-se-lhe, através dos olhos aflitos,
o intenso propósito de continuar bebendo as sublimes consolações do
momento, mas Alexandre tomou-lhe o braço e recomendou-lhe a necessidade
de despedir-se. A esposa chorosa não relutou. 20
Concentrando toda a sua capacidade afetiva nas palavras, disse adeus
ao suicida e beijou-lhe as mãos com infinito carinho. Algo distante
da organização hospitalar de emergência, confiou-a o instrutor aos cuidados
de Romualda e regressou em minha companhia.
21 Não conseguia ocultar
minha enorme admiração por semelhante serviço de assistência. Alexandre
percebeu-me o estado dalma e falou comovidamente:
— Segundo observa, o trabalho de socorro pede muito esforço e devotamento fraterno.
22 Não podemos esquecer
que Raul e Ester são dois enfermos espirituais e, nessa condição, requerem
muita compreensão de nossa parte. Felizmente, a viúva regressa cheia
de novo ânimo e o nosso amigo, sentindo a extensão dos cuidados de que
está sendo objeto, e notando por si mesmo quanto pode auxiliar a companheira
encarnada, dar-se-á pressa em criar novas expressões de estímulo e energia
no próprio coração.
23 Impressionado, contudo,
em vista do dilaceramento havido em seu organismo espiritual, indaguei:
— E a região ferida? Raul experimentará semelhantes padecimentos até quando?
— Talvez por muitos anos, — respondeu o instrutor, em tom grave. — Isso, porém,
não o impedirá de trabalhar intensamente no campo da consciência, esforçando-se
pela reaproximação da bendita oportunidade regeneradora.
24 Outros problemas afloravam-me
à ideia. No entanto, o instrutor precisava ausentar-se, em demanda de
incumbências difíceis, nas quais não poderia eu acompanhá-lo.
13.
Pedi-lhe permissão para seguir, de perto o trabalho de assistência levado
a efeito por Romualda, recebendo-lhe a generosa aprovação. Desejava
saber até que ponto se confortara a viúva aflita e observar-lhe o proveito
daquele reencontro, que traduzia elevada concessão.
2 No dia seguinte,
voltei ao lar modesto, justamente por ocasião do almoço familiar. Romualda
andava ativa. O ambiente interno adquirira novo aspecto. As entidades
viciadas não haviam desaparecido totalmente, mas o seu número fora consideravelmente
reduzido. 3 Amparando
a sua protegida, a irmã auxiliadora recebeu-me com amabilidade. Notificou-me
que a viúva amanhecera muito melhor e que ela, Romualda, fizera o possível
por manter-lhe a recordação plena do sonho. 4
Como era natural, a pobrezinha não poderia lembrar-se de todas as minúcias;
entretanto, fixara as impressões culminantes, suscetíveis de acordar-lhe
a divina esperança e restaurar-lhe o bom ânimo. Recomendou-me a verificar,
por mim mesmo, o efeito maravilhoso da providência.
5 De fato, o semblante da
viúva ganhara nova expressão. De olhos límpidos e brilhantes, narrava
aos tios e aos filhinhos o sublime sonho da noite. Todos a escutavam
sob forte interesse, mormente as crianças, que pareciam participar de
seu júbilo interior.
6 Ester terminara a narrativa,
emocionada. Observei, então, que a velha tia esboçava um gesto de incredulidade,
perguntando-lhe:
— E você acredita ter visitado Raul no outro mundo?
— Como não? — Redarguiu a viúva, sem pestanejar, — tenho ainda a impressão
de suas mãos sobre as minhas e sei que Deus me concedeu semelhante graça
para que eu readquira minhas forças para o trabalho. Despertei hoje
profundamente reanimada e feliz! Enfrentarei o caminho com novas esperanças!
Esforçar-me-ei e vencerei.
7 — Ó mamãe, como
nos consolam as suas palavras! — Murmurou um dos pequenos, de olhos
muito vivos, — como desejaria estar com a senhora para ouvir o papai
nesse sonho maravilhoso!…
8 Nesse instante, o velhinho,
que se alimentava em silêncio, ponderou, na qualidade de excelente representante
da descrença humana:
— É interessante notar que tendo Raul consolado tanto o seu coração de mulher, nada tenha elucidado sobre o crime que o atirou no sepulcro.
9 Ester, que sentiu a ironia
da observação, influenciada pela benfeitora que ali se mantinha, respondeu
prontamente:
— Muitas vezes, meu tio, não sabemos ser gratos às bênçãos divinas.
Recordo-me desta verdade, ao lhe ouvir semelhante raciocínio. Envergonho-me,
quando me lembro haver feito interrogação desta natureza ao pobre Raul,
abatido e pálido no leito. 10
Basta-me a felicidade de tê-lo visto e ouvido num mundo que eu não posso
compreender agora. Tenho a certeza de que o visitei em algum lugar.
Que nos interessa descobrir criminosos, quando não podemos levantar-lhe
o corpo físico? 11
Em nossa preocupação de punir culpados, sem dar conta de nossas próprias
culpas, iremos ao absurdo de desejar ser mais justos que o próprio Deus?
Calou-se o tio, pensativo, e observei que as crianças sentiam imensa alegria pela resposta maternal.
12 O coração de Ester penetrara
a zona lúcida e sublime da fé viva, absorvendo paz, alegria e esperança,
a caminho de uma vida nova.
13 Ao me despedir, felicitei
Romualda pelo seu nobre trabalho. A generosa servidora pôs-me a par
de seu projeto de serviço. Permaneceria mais estreitamente ao lado da
viúva, insuflando-lhe coragem e bom ânimo e, na semana próxima, contava
com a possibilidade de cooperar no sentido de organizar-lhe serviço
bem remunerado.
14 Admirei-me, ouvindo o
programa, principalmente no que tocava ao auxílio material; entretanto,
Romualda aduziu muito calma:
— Quando os companheiros terrestres se fazem merecedores, podemos colaborar em benefício deles, com todos os recursos ao nosso alcance, desde que a nossa cooperação não lhes tolha a liberdade de consciência.
15 Roguei-lhe, então, o obséquio
de admitir-me o concurso, no dia aprazado para os serviços finais.
Romualda aquiesceu bondosamente, e, passada uma semana, fui por ela avisado, quanto à medida de conclusão dos trabalhos de assistência.
16 Voltei ao lar da viúva,
em companhia da digna servidora espiritual, que me recomendou:
— Faça o favor de assistir nossa amiga, enquanto vou buscar a pessoa indicada para auxiliá-la. Já movimentei todas as providências cabíveis na situação e não temos tempo a perder.
17 Mantive-me ali, em profunda
curiosidade, e decorridas três horas, aproximadamente, alguém bateu
à porta, chamando-me a atenção. Seguida de Romualda, uma dama distinta
vinha ao encontro de Ester, oferecendo-lhe trabalho honesto em sua oficina
de costura. A viúva chorou de emoção e de alegria, e, enquanto combinavam
determinadas medidas de serviço, num quadro confortador de júbilo geral,
a irmã auxiliadora falou-me, contente:
18 — Agora, irmão André,
podemos voltar tranquilamente. O serviço que nos foi confiado está concluído,
graças ao Senhor.
André Luiz
[1]
[Referência ao Ministério do Auxílio, nome de uma das organizações
administrativas de Nosso Lar.]
[2]
[“Hospital volante” referido no item 9. Vide exemplo de um hospital volante no capítulo 4 do livro Obreiros
da Vida Eterna: “Casa Transitória de
Fabiano.”]