1.
Dispúnhamos, Alexandre e eu, a regressar à nossa sede espiritual
de trabalho, quando o orientador foi procurado por um companheiro de
elevada expressão hierárquica, que me saudou igualmente, demonstrando
grande apreço e carinho.
2 — Serei breve, — disse ele
ao meu instrutor, que o atendia, solícito, — o tempo não me permite
longas conversações.
3 E, modificando a expressão
fisionômica, acentuou:
— Lembra-se de Segismundo, nosso velho amigo?
— Como não? — Redarguiu o interpelado, — ambos lhe devemos significativos
favores de outro tempo.
4 — Pois bem, — tornou
o visitante, — Segismundo necessita colaboração urgente. Reconheço que
você não é especialista em trabalhos referentes à reencarnação. No entanto,
sinto-me compelido a recorrer ao concurso dos amigos.
5 O novo companheiro fez pequeno
intervalo e continuou:
— Não se esqueceu você de que o nosso amigo, não obstante os rasgos de generosidade, assumiu compromissos muito sérios no passado?
— Sim, sim, — respondeu o orientador, — o drama dele vive ainda em
nossa memória.
6 — Segismundo, presentemente,
— prosseguiu o outro, — voltará ao rio da vida física. A situação assim
o exige e não devemos perder a oportunidade de encaminhá-lo ao resgate preciso. 7 Segundo
está informado, Raquel, a pobre criatura que ele desviou, em nossa época
de laços afetivos mais fortes, e Adelino, o infeliz marido que o nosso
irmão assassinou em lamentável competição armada, já se encontram na
Crosta desde muito e, há quatro anos, religaram-se nos elos do matrimônio.
8 Tudo está preparado
a fim de que Segismundo regresse à companhia da vítima e do inimigo
do pretérito, no sentido de santificar o coração. Será ele, de conformidade
com a permissão de nossos Maiores, o segundo filhinho do casal. Todavia,
estamos lutando com grandes dificuldades para localizá-lo. 9
Infelizmente, Adelino, que lhe será o futuro pai transitório, repele-o
com calor, tão logo surgem as horas de sono físico, trabalhando contra
os nossos melhores propósitos de harmonização. Em vista disso, o trabalho
preparatório da nova experiência tem sido muito moroso e desagradável.
— E Segismundo? — Indagou o mentor, preocupado, — qual a sua atitude dominante?
10 Herculano, o mensageiro
que nos visitava, informou com fraternal interesse:
— A princípio, animava-se da melhor esperança. Agora, porém, que o rival antigo lhe oferece pensamentos de ódio e ciúme, olvidando compromissos assumidos em nossa Esfera de ação, sente-se novamente desventurado e sem forças para reparar o mal. De outras vezes, enche-se-lhe a tristeza de profunda revolta e, nesse estado negativo, subtrai-se à nossa cooperação eficiente.
11 O visitante fez ligeira
pausa e acrescentou, com inflexão de rogativa:
— Não poderá você ajudar-nos nesse difícil processo de reencarnação? Lembro-me de que sua amizade dividia-se entre ambos. Quem sabe a sua intervenção afetuosa conseguiria convencer Adelino?
12 — Conte comigo,
— redarguiu o orientador, atenciosamente, — farei quanto estiver em
minhas possibilidades para que não se perca o ensejo em curso.
Ante o sorriso de satisfação do outro, Alexandre concluiu:
— Na próxima semana, estarei a seu lado para conversar espiritualmente com Adelino e solucionar o problema da reaproximação. Estejamos confiantes no auxílio divino.
13 Herculano agradeceu e
despediu-se comovidamente.
A sós com o mentor devotado e amigo, comecei a meditar na possibilidade de contribuir igualmente no caso que se me deparava. Nunca tivera oportunidade de acompanhar, de perto, um processo de reencarnação, estudando os ascendentes espirituais nas questões da embriologia. Não seria interessante, para mim, utilizar a experiência? Nesse propósito, dirigi-me ao instrutor, sem abordar, porém, a minha pretensão em sentido direto:
14 — Notável para
mim a solicitação de hoje, — exclamei. — Longe estava de pensar, no
mundo, na multiplicidade de tarefas atribuídas aos benfeitores e missionários
desencarnados. A extensão do serviço em nosso campo de ação assombraria
a qualquer mortal.
— Sem dúvida, — respondeu o mentor, atencioso, — os trabalhos se desdobram
em todas as direções. 15
O pedido de Herculano vem focalizar um dos mais importantes problemas
da felicidade humana: o da aproximação fraternal, do perdão recíproco,
da semeadura do amor, através da lei reencarnacionista.
16 Alexandre meditou alguns
momentos e continuou:
— O caso é típico. O drama de Segismundo é demasiadamente complexo
para ser comentado em poucas palavras. Basta, todavia, recordar que
ele, Adelino e Raquel são os protagonistas culminantes de dolorosa tragédia,
ocorrida ao tempo de minha última peregrinação pela Crosta. 17
Em seguida a uma paixão desvairada, Adelino foi vítima de homicídio;
Segismundo, do crime; e Raquel, do prostíbulo. Desencarnaram, cada um
por sua vez, sob intensa vibração de ódio e desesperação, padecendo
vários anos, em zonas inferiores. 18
Mais tarde, por intercessão de amigos redimidos, os antigos cônjuges
obtiveram a volta ao corpo físico, a fim de santificarem os laços sentimentais
e se reaproximarem dos antigos adversários. Mas, como acontece quase
sempre, os heróis na promessa fraquejam na realização, porque se apegam
muito mais aos próprios desejos que à compreensão da Vontade Divina.
19 De posse dos bens
da vida física, nega-se Adelino a perdoar, recapitulando erradamente
as lições do passado. Antes mesmo da reencarnação do antigo transviado,
já se manifesta contrário a qualquer auxílio. 20
Sempre o velho círculo vicioso — quando fora da oportunidade bendita
de trabalho terrestre e vendo a extensão das próprias necessidades,
desvela-se o companheiro em prometer fidelidade e edificação, mas tão logo se apossa do tesouro, volta ao endurecimento espiritual
e ao menosprezo das leis de Deus.
21 Calou-se o mentor, por alguns
instantes, acentuando em seguida:
— Buscarei, porém, chamá-los à recordação dos compromissos.
2.
Neste ínterim, entendendo que a oportunidade era preciosa, roguei, humilde:
— Ser-me-ia possível acompanhá-lo? Creio que aproveitaria muito. Poderia talvez adquirir valores significativos para o serviço do próximo e para meu benefício pessoal. Ignoro até quando ser-me-a permitido estudar em sua companhia e estimarei o aproveitamento integral de semelhante oportunidade.
2 Alexandre sorriu, compassivo,
e falou:
— Não tenho objeções. Entretanto, não creio deva seguir os trabalhos
sem algum conhecimento prévio do assunto. Em toda edificação verdadeiramente
útil, não podemos prescindir da base. Temos bons amigos no Planejamento
de Reencarnações, serviço muito importante em nossa colônia espiritual,
diretamente relacionado com as atividades do Esclarecimento. 3
Nessa instituição, durante alguns dias, você terá uma ideia aproximada
de nossa tarefa, portas a dentro de semelhantes trabalhos. Grande percentagem
de reencarnações na Crosta se processa em moldes padronizados para todos,
no campo de manifestações puramente evolutivas. Mas outra percentagem
não obedece ao mesmo programa. 4
Elevando-se a alma em cultura e conhecimentos, e, consequentemente,
em responsabilidade, o processo reencarnacionista individual é mais
complexo, fugindo à expressão geral, como é lógico. Em vista disso,
as colônias espirituais mais elevadas mantêm serviços especiais para
a reencarnação de trabalhadores e missionários.
5 As explicações eram sedutoras
e relevantes e, compreendendo a importância dos esclarecimentos para
meu pobre espírito, Alexandre continuou:
— Quando me refiro a trabalhadores, falo dos companheiros não completamente
bons e redimidos, mas daqueles que apresentam maior soma de qualidades
superiores, a caminho da vitória plena sobre as condições e manifestações
grosseiras da vida. 6
Em geral, como acontece a nós outros, são entidades em débito, mas com
valores de boa vontade, perseverança e sinceridade, que lhes outorgam
o direito de influir sobre os fatores de sua reencarnação, escapando,
de certo modo, ao padrão geral. 7
Claro que nem sempre tais alterações se verificam em condições agradáveis
para a experiência futura. Os serviços de retificação representam tarefas
enormes.
8 E desejando imprimir fortemente
em meu espírito a noção da responsabilidade, o instrutor prosseguiu,
tornando mais grave a inflexão de voz:
— O problema da queda é também uma questão de aprendizado e o mal indica
posição de desequilíbrio, exigindo restauração e corrigenda. A evolução
confere-nos poder, mas gastamos muito tempo, aprendendo a utilizar esse
poder harmonicamente. 9
A racionalidade oferece campo seguro aos nossos conhecimentos; entretanto,
André, quase todos nós, trabalhadores da Terra, nos demoramos séculos
no serviço de iluminação íntima, porque não basta adquirir ideias e
possibilidades, é preciso ser responsável, e nem é justo tenhamos tão
somente a informação do raciocínio, mas também a luz do amor.
10 — Daí as lutas
sucessivas em continuadas reencarnações da alma! — Exclamei, vivamente
impressionado.
— Sim, — continuou meu amável interlocutor, — temos necessidade da luta que
corrige, renova, restaura e aperfeiçoa. A reencarnação é o meio, a educação
divina é o fim. 11 Por
isso mesmo, a par de milhões de semelhantes nossos que evoluem, existem
milhões que se reeducam em determinados setores do sentimento, porquanto,
se já possuem certos valores da vida, faltam-lhes outros não menos importantes.
12 Identificando-me a dificuldade
para compreender-lhe o ensinamento de maneira integral, meu orientador
voltou a dizer:
— Embora na condição de médico do mundo, acredito que você não tenha sido completamente estranho aos estudos evangélicos.
— Sim, sim, — retruquei, — tenho as minhas recordações nesse sentido.
13 — Pois bem, o
próprio Jesus nos deixou material de pensamento para o assunto em exame,
quando nos asseverou que se a nossa mão ou os nossos olhos fossem motivos
de escândalo deveriam ser cortados ao penetrarmos no templo da vida.
( † )
Compete-nos transferir a imagem literal para a interpretação simples
do espírito. Se já falimos muitas vezes em experiências da autoridade,
da riqueza, da beleza física, da inteligência, não seria lógico receber
idêntica oportunidade nos trabalhos retificadores.
14 Compreendera claramente
onde Alexandre pretendia chegar com os seus esclarecimentos amigos.
— É para a regulamentação de semelhantes serviços que funciona em nossa colônia espiritual, por exemplo, o Planejamento de Reencarnações, onde você terá ocasião de recolher ensinamentos preciosos.
3.
E, atendendo-me às necessidades como pai afetuoso, apresentou-me o instrutor,
no dia imediato, à imponente instituição.
2 Constituía-se o
movimentado centro de serviço de vários prédios e numerosas instalações.
Árvores acolhedoras enfileiravam-se através de extensos jardins, imprimindo
encantador aspecto à paisagem. 3
Reconheci logo que o instituto se caracterizava por grande movimento.
Entidades insuladas ou em pequenos grupos iam e vinham, estampando atencioso
interesse na expressão fisionômica. Pareciam sumamente despreocupadas
de nossa presença ali, porque, quando não passavam sozinhas, ao nosso
lado, engolfadas em profundos pensamentos, iam em grupos afetuosos,
alimentando discretas conversações, muito graves e absorventes, ao que
me parecia. 4 Muitos
desses irmãos, que passavam junto de nós, empunhavam reduzidos rolos
de substância semelhante ao pergaminho terrestre, relativamente aos
quais não possuía eu, até então, a mais leve notícia.
5 Alexandre, porém, como sempre,
veio em socorro de minha estranheza, explicando, bondosamente:
— As entidades sob nossos olhos são trabalhadores de nossa Esfera, interessados
em reencarnações próximas. Nem todos estão diretamente ligados a semelhante
propósito, porque grande parte está em trabalho de intercessão, obtendo
favores dessa natureza para amigos íntimos. 6 Os
rolos brancos que conduzem são pequenos mapas de formas orgânicas, elaborados
por orientadores de nosso Plano, especializados em conhecimentos biológicos
da existência terrena. Conforme o grau de adiantamento do futuro reencarnante
e de acordo com o serviço que lhe é designado no corpo carnal, é necessário
estabelecer planos adequados aos fins essenciais.
7 — E a lei da hereditariedade
fisiológica? Perguntei.
— Funciona com inalienável domínio sobre todos os seres em evolução, mas sofre,
naturalmente, a influência de todos aqueles que alcançam qualidades
superiores ao ambiente geral. 8
Além do mais, quando o interessado em experiências novas no Plano da
Crosta é merecedor de serviços “intercessórios”, as forças mais elevadas
podem imprimir certas modificações à matéria, desde as atividades embriológicas,
determinando alterações favoráveis ao trabalho de redenção.
9 A essa altura da palestra
esclarecedora, Alexandre convidou-me a transpor o limiar.
Achamo-nos, em breve, num dos gabinetes extensos do edifício principal, onde um dos numerosos amigos do orientador veio atender-nos atenciosamente.
10 Apresentou-me
Alexandre ao Assistente Josino, que me recebeu com extrema gentileza
e fidalguia de trato. Esclareceu o instrutor o objetivo de nossa visita.
Desejava me fosse conferida a possibilidade de visitar a instituição
de planejamento, quantas vezes me fosse possível durante a semana em
curso, em vista da minha necessidade de adquirir noções seguras, referentemente
ao trabalho de auxílio nas atividades reencarnacionistas. 11
O Assistente prometeu a melhor boa vontade. Conduzir-me-ia a colegas
dele, para que me não faltassem minúcias de conhecimento, exporia suas
próprias experiências à minha observação, para que eu retirasse delas
o máximo proveito e, por fim, quanto estivesse ao seu alcance, guiaria
meus impulsos no aprendizado.
12 Felicitavam-me
o íntimo as melhores e mais confortadoras impressões, não só pela recepção
carinhosa, senão também pelo ambiente educativo. Não longe de nós, em
luminosos pedestais, descansavam duas maravilhas da estatuária, a figuração
delicada de um corpo masculino e outro modelo feminino, singularmente
belos pela perfeição anatômica, não somente da forma em si, mas também
de todos os órgãos e as mais diversas glândulas. 13
Através de disposições elétricas, ambas as figurações palpitavam de
vida e calor, exibindo eflúvios luminosos, quais os homens e mulheres
mais evolvidos na Esfera carnal.
14 Identificando-me a admiração,
Alexandre sorriu e disse ao Assistente Josino, com o propósito de fazer-se
ouvido por mim:
— Talvez André não conheça bastante o nosso respeito e gratidão ao aparelho físico terrestre.
15 — Em verdade, — aduzi,
— ignorava, até agora, que o corpo carnal fosse, entre nós, objeto de
tamanhos cuidados. Não sabia que a nossa colônia contasse com instituição
desse teor.
16 — Como não, meu
amigo? — Interferiu o Assistente, com inflexão de carinho, — o corpo
físico na Crosta Planetária representa uma bênção de Nosso Eterno Pai.
Constitui primorosa obra da Sabedoria Divina, em cujo aperfeiçoamento
incessante temos nós a felicidade de colaborar. Quanto devemos à máquina
humana pelos seus milênios de serviço a favor de nossa elevação na vida
eterna? Nunca relacionaremos a extensão de semelhante débito.
17 E, fixando os modelos que
me provocavam assombro, acentuou:
— Todo o nosso zelo, no serviço de reencarnação, permanece muito aquém do quanto deveríamos realizar em benefício do aprimoramento da máquina orgânica.
18 Embora hesitante, ousei
perguntar:
— Todos os núcleos de espiritualidade superior mantêm círculos de trabalho dessa natureza?
19 Foi Alexandre quem respondeu,
com a delicadeza habitual:
— Em todas as colônias de expressão elevada, essas tarefas são desempenhadas com infinito carinho. O auxílio à reencarnação de companheiros nossos traduz o nosso reconhecimento ao aparelho físico que nos tem proporcionado tantos benefícios, através do tempo.
20 Recordei, porém, que o meu
pai terrestre,n
um dia, voltara à experiência carnal, procedendo das zonas francamente
inferiores, e indaguei:
— E aqueles que regressam à Crosta, partindo das regiões mais baixas? Terão o mesmo generoso auxílio?
21 Desejando imprimir à pergunta
a mais viva sinceridade, acrescentei:
— Meu genitor, na derradeira romagem terrestre, voltou, desde algum tempo, à Esfera carnal em condições bem amargas…
22 Alexandre interrompeu-me
o curso da frase, ponderando:
— Compreendemos. Se era ele criatura de razão esclarecida, embora não
iluminada, permanecia após a morte em estado de queda e não terá
voltado à bendita oportunidade da escola física sem o trabalho “intercessório”
e forte ajuda de corações bem-amados de nosso Plano. 23
Nesse caso, terá recebido a cooperação de benfeitores, situados em posições
mais altas, que lhe terão endossado as promessas no serviço regenerador.
24 Se ele foi, porém,
criatura em esforço puramente evolutivo, circunstância essa na qual
não teria regressado em condições amargurosas, contou ele naturalmente
com o abençoado concurso dos trabalhadores espirituais que velam, na
Crosta, pela execução dos trabalhos reencarnacionistas, em processos
naturais.
25 Em face dos esclarecimentos
do instrutor, entendi as diferenças e tranquilizei o coração.
4.
Fosse porque a palestra escalpelara melindroso assunto de família humana,
fosse pelo propósito de me deixarem a sós com as minhas profundas reflexões
naquele extenso gabinete de serviço, o orientador e o assistente entraram
em silêncio, compelindo-me a rebuscar novos motivos de conversação para
o meu aprendizado.
2 Passei então a observar
detidamente os modelos masculino e feminino, não longe de meus olhos.
Muito gentil, Josino pousou a destra, de leve, nos meus ombros, e falou-me:
— Aproxime-se das criações educativas. Você lucrará muito, observando de perto.
3 Não contive um gesto de
agradecimento e afastei-me dos dois respeitáveis amigos, acercando-me
das figurações ali expostas. Detive-me na contemplação do molde masculino,
que apresentava absoluta harmonia de linhas, qual arte helênica de sabor
antigo.
4 O modelo, estruturado em
substância luminosa, constituía, a meu parecer, a mais primorosa obra
anatômica até então sob minha análise. Semelhava-se aquela figura humana,
imóvel, a qualquer coisa divinal.
5 Fixei-lhe as minuciosidades
com espanto. Nunca vira semelhante perfeição de minudências fisiológicas.
Toda a musculatura estava, ali, formada em fibras radiosas. Desde o
frontal ao ligamento anular do tarso, viam-se fios de luz simbolizando
as regiões diversas da musculatura em geral. 6
Determinadas fibras, todavia, como as que se localizavam na zona orbicular
das pálpebras, no triangular dos lábios, no grande peitoral, no pectíneo,
nas eminências tenar e hipotenar até o extensor dos dedos, eram mais
brilhantes. 7 Do exame
de superfície, passei a observações mais profundas, identificando as
disposições maravilhosas das figuras representativas da circulação linfática
e sanguínea. 8 Oh!
Os órgãos estavam todos ali, vibrando em obediência a dispositivos elétricos
para demonstrações educativas. Os vasos para o sangue venoso apresentavam-se
em luz acinzentada, ao passo que as regiões do sangue arterial figuravam-se
em cor encarnada.
9 Surpreendido, rendi silencioso
preito de admiração à Sabedoria Divina, que nos concede o sublime aparelho
físico terrestre para as nossas aquisições eternas.
10 Impressionava-me a composição
perfeita dos vasos distribuídos em torno do tronco celíaco, à maneira
de pequenos rios de luz, destacando-se em expressão a luminosidade das
cavas superior e inferior, das jugulares externa e interna, das artérias
e veias axilares, da veia porta, das artérias esplênica e mesentérica
superior, da aorta descendente, dos vasos ilíacos e dos gânglios da
virilha.
11 Cobrindo as maravilhas orgânicas,
estava o sistema nervoso, semelhando-se a capa radiante estruturada
em fios tenuíssimos de luz feérica. A região do cérebro parecia uma
lâmpada em azul suavíssimo, cuja luminosidade se ligava em sentido direto
ao cerebelo, descendo em seguida pela medula espinhal até o plexo sagrado,
onde o foco brilhante adquiria expressão mais intensa, para atenuar-se,
depois, no grande ciático.
12 Transferi minhas
observações para a forma feminina, igualmente radiosa, concentrando
meu potencial analítico sobre o sistema endocrínico, disposto à maneira
de constelação, entre as peças orgânicas. Desde a epífise, situada entre
ambos os hemisférios cerebrais, até os núcleos procriadores, as glândulas
pareciam formar belo sistema luminoso, semelhantes a pequenos astros
de vida, congregados em sentido vertical, qual antena rútila atraindo
a luz procedente de Mais Alto. 13
Cada qual apresentava sua forma específica, suas expressões vibratórias,
suas características particulares, diversificando-se, igualmente, a
cor de cada uma, embora recebessem todas, a seu modo, a coloração da
epífise, semelhante a pequenino sol azulado, mantendo em seu campo de
atração magnética todas as demais, desde a hipófise à região dos ovários,
como o nosso astro de vida, garantindo a coesão e o movimento da sua
grande família de planetas e asteróides.
14 Minha estupefação não tinha
limites.
É forçoso confessar, porém, que minha surpresa se distendia muito mais, ao fixar os eflúvios brilhantes que emanavam dos centros genitais, semelhando-se, em conjunto, a minúsculo santuário cheio de luz.
15 Como eu dirigisse ao meu
instrutor um olhar de indagação, seus esclarecimentos não se fizeram
esperar.
— Na Crosta, — disse-me Alexandre, sorrindo, após reaproximar-se de
mim, — em sentido geral ainda existe muita ignorância acerca da missão
divina do sexo. Para nós, porém, que desejamos valorizar as experiências,
a paternidade e a maternidade terrestres são sagradas. 16
A faculdade criadora é também divindade no homem. O útero maternal significa,
para nós outros, a porta bendita para a redenção; para grande número
de pessoas na Esfera do Globo, a visão celestial é símbolo de repouso
e alegria sem fim, enquanto, para muitos de nós, a visão terrestre significa
trabalho edificante e salutar. 17
Não alcançaremos, porém, a terra prometida do serviço redentor, sem
o concurso das forças criadoras associadas, do homem e da mulher.
18 Compreendi, com
novo espírito, o caráter sublime das energias sexuais e recordei,
compadecidamente, de todos os encarnados que ainda não conseguiram edificar
o respeito e o entendimento, relativos aos sagrados órgãos procriadores.
19 Meu orientador, entretanto,
como antena receptora de todas as minhas emissões mentais, advertiu-me,
bondoso:
— Relegue ao esquecimento qualquer expressão das reminiscências menos construtivas.
20 Os que ultrajam o
sexo, escrevendo, agindo ou falando, já são grandes infelizes por si
mesmos.
Guardei a lição e abençoei a nova experiência que começava.
5.
Despediu-se Alexandre, deixando-me na grande instituição de planejamento,
onde o Assistente Josino, ocupado nos encargos de seu ministério, me
confiou aos cuidados de Manassés, um irmão dos serviços informativos
da casa, que me acolheu prazerosamente, cercando-me de gentileza e carinho.
2 Senti imediatamente que
o meu aprendizado ali se iniciava com imenso proveito. Manassés era
um livro volante. Seus pareceres e informes traduziam valiosos ensinamentos.
3 Aproximando-nos
dos pavilhões de desenho, onde numerosos cooperadores traçavam planos
para reencarnações incomuns, foi o meu novo companheiro abordado por
uma entidade simpática que lhe pedia informações. 4
Manassés apresentou-ma, otimista. Tratava-se dum colega que, depois
de quinze anos de trabalho nas atividades de auxílio, regressaria à
Esfera carnal para a liquidação de determinadas contas. 5
O recém-chegado parecia hesitante. Via-se-lhe o receio, a indecisão.
— Não se deixe dominar pelas impressões negativas, — dirigia-se Manassés a
ele, infundindo-lhe bom ânimo. — O problema do renascimento não é assim
tão intrincado. Naturalmente, exige coragem, boas disposições.
6 — Entretanto, — exclamava
o interlocutor, algo triste, — temo contrair novos débitos ao invés
de pagar os velhos compromissos. É tão penoso vencer na experiência
carnal, em vista do esquecimento…
— Mas seria muito mais difícil triunfar guardando a lembrança, — redarguiu
Manassés, incontinenti.
7 Prosseguindo, sorridente,
acrescentou:
— Se tivéssemos grandes virtudes e belas edificações em nós, não precisaríamos recapitular as lições já vividas na carne. E se apenas possuímos chagas e desvios para rememorar, abençoemos o olvido que o Senhor nos concede em caráter temporário.
8 Esforçou-se o outro para
esboçar um sorriso e objetou:
— Conheço-lhe o otimismo; quisera ser igualmente assim. Voltarei confiante no concurso fraterno de vocês.
9 E modificando o tom de voz,
indagou:
— Pode informar se o meu modelo está pronto?
— Creio que poderá procurá-lo amanhã, — tornou Manassés, bem disposto;
— já fui observar o gráfico inicial e dou-lhe parabéns por haver aceitado
a sugestão amorosa dos amigos bem orientados, sobre o defeito da perna.
10 Certamente, lutará
você com grandes dificuldades nos princípios da nova luta, mas a resolução
lhe fará grande bem.
— Sim, — disse o outro, algo confortado, — preciso defender-me contra
certas tentações de minha natureza inferior e a perna doente me auxiliará,
ministrando-me boas preocupações. 11
Ser-me-á um antídoto à vaidade, uma sentinela contra a devastação do
amor-próprio excessivo.
— Muito bem! — Respondeu Manassés, francamente otimista.
12 — E pode informar-me ainda
a média de tempo conferida à minha forma física futura?
— Setenta anos, no mínimo, — redarguiu meu novo companheiro, contente.
13 O outro fixou uma expressão
de reconhecimento, enquanto Manassés continuava:
— Pondere a graça recebida, Silvério, e, depois de tomar-lhe a posse no Plano
físico, não volte aqui antes dos setenta. 14
Trate de aproveitar a oportunidade. Todos os seus amigos esperam que
você volte, mais tarde, à nossa colônia, na gloriosa condição de um
completista.
15 O interpelado mostrou um
raio de esperança nos olhos, agradeceu e despediu-se.
6.
As últimas observações de Manassés acenderam-me curiosidade mais forte.
Não contive a indagação que me vagueava no pensamento e perguntei sem
rebuços:
— Meu amigo, que significa a palavra completista?
2 Ele sorriu, complacente,
e retrucou, bem-humorado:
— É o título que designa os raros irmãos que aproveitaram todas as
possibilidades construtivas que o corpo terrestre lhes oferecia. 3
Em geral, quase todos nós, em regressando à Esfera carnal, perdemos
oportunidades muito importantes no desperdício das forças fisiológicas.
Perambulamos por lá, fazendo alguma coisa de útil para nós e para outrem,
mas, por vezes, desprezamos cinquenta, sessenta, setenta por cento e,
frequentemente, até mais, de nossas possibilidades. 4
Em muitas ocasiões, prevalece ainda, contra nós, a agravante de termos
movimentado as energias sagradas da vida em atividades inferiores que
degradam a inteligência e embrutecem o coração. 5
Aqueles, porém, que mobilizam a máquina física, à maneira do operário
fidelíssimo, conquistam direitos muito expressivos em nossos Planos.
6 O completista,
na qualidade de trabalhador leal e produtivo, pode escolher, à vontade,
o corpo futuro, quando lhe apraz o regresso à Crosta em missões de amor
e iluminação, ou recebe veículo enobrecido para o prosseguimento de
suas tarefas, a caminho de Círculos mais elevados de trabalho.
7 Semelhante notícia
representava para mim valiosa revelação. Nada mais legítimo que dotar
o servidor fiel de recursos completos. E lembrei-me dos desregramentos
de toda a sorte a que se entregam as criaturas humanas, em todos os
países, doutrinas e situações, complicando os caminhos evolutivos, criando
laços escravizantes, enraizando-se no apego aos quadros transitórios
da existência material, alimentando enganos e fantasias, destruindo
o corpo e envenenando a alma. 8
Num transporte de justificada admiração, exclamei:
— Recordando o cativeiro dos Espíritos encarnados no plano de sensação, consola-nos saber que há um prêmio aos raríssimos homens que vivem na sublime arte do equilíbrio espiritual, mesmo na carne.
9 — Sim, — disse Manassés,
aprovando-me com o olhar, — por mais estranho que possa parecer, semelhantes
exceções existem no mundo. Passam, frequentemente, para cá, entre os
anônimos da Crosta, sem fichas de propaganda terrestre, mas com imenso
lastro de espiritualidade superior.
10 E dando-me a impressão de
que desejava esclarecer-me, relativamente a ele mesmo, acrescentou:
— Há muitos anos esforço-me para conseguir a condição dos completistas; no entanto, até agora continuo em fase de preparação…
11 Compreendi que Manassés,
tanto quanto eu, trazia regular bagagem de recordações menos felizes,
com respeito ao uso que fizera do corpo terreno nas experiências passadas
e procurei modificar a orientação da palestra:
12 — Sabe de algum completista que tenha regressado à Crosta? — Interroguei.
— Sim.
— Naturalmente, — continuei, curioso, — terá escolhido um organismo
irrepreensível.
13 Meu novo companheiro
mostrou significativa expressão fisionômica e acentuou:
— Nenhum dos que tenho visto partir, embora os méritos de que se encontravam
revestidos, escolheram formas irrepreensíveis, quanto às linhas exteriores.
14 Solicitaram providências
em favor da existência sadia, preocupando-se com a resistência, equilíbrio,
durabilidade e fortaleza do instrumento que os deveria servir, 15
mas pediram medidas tendentes a lhes atenuarem o magnetismo pessoal,
em caráter provisório, evitando-se-lhes apresentação física muito primorosa,
ocultando, assim, a beleza de suas almas para a eficiente garantia de
suas tarefas. 16
Assim procedem, porquanto, vivendo a maioria das criaturas no jogo das
aparências, quando na Crosta Planetária, incumbir-se-iam elas próprias
de esmagar os missionários do Bem, se lhes conhecessem a verdadeira
condição, através das vibrações destruidoras da inveja, do despeito,
da antipatia gratuita e das disputas injustificáveis. 17
Em vista disso, os trabalhadores conscientes, na maioria das vezes,
organizam seus trabalhos em moldes exteriores menos graciosos, fugindo,
por antecipação, ao influxo das paixões devastadoras das almas em desequilíbrio.
18 Entendi a extensão do esclarecimento
e meditava na grandeza dos princípios espirituais que regem a experiência
humana, quando Manassés acrescentou, após longa pausa:
— As mentes juvenis, quais crianças do mundo, brincam com o fogo das emoções; todavia, os Espíritos amadurecidos, mormente quando chegam à situação de completistas, abandonam toda experiência que os possa distrair no caminho de realização da Vontade Divina.
7.
Em seguida, convidado pelo meu novo amigo, penetrei numa das dependências
consagradas aos serviços de desenho. 2
Pequenas telas, demonstrando peças do organismo humano, estavam ordenadamente
em todos os recantos. 3
Tinha a impressão fiel de que me encontrava num grande centro de anatomistas,
cercados de auxiliares competentes e operosos. Espalhavam-se desenhos
de membros, tecidos, glândulas, fibras, órgãos de todos os feitios e
para todos os gostos.
4 — Como sabe, — observou
Manassés, cuidadoso, — no serviço de recapitulação ou de tarefas especializadas
na superfície do Globo, a reencarnação nunca pode ser vulgar. 5
Para isso, trabalham aqui centenas de técnicos em questões de Embriologia
e Biologia em geral, no sentido de orientar as experiências individuais
do futuro de quantos irmãos se ligam a nós no esforço coletivo.
6 Sentindo espontânea
veneração, contemplei os servidores que se inclinavam atenciosos, arquitetando
o porvir de muitos companheiros. Como era complexa a oportunidade de
renascer! Que atividades intensas exigia dos benfeitores espirituais!
7 Ao meu gesto de estranheza,
respondeu Manassés numa síntese expressiva:
— Você não ignora que os homens ainda selvagens ou semi-selvagens,
embora utilizando os recursos sempre sagrados da Natureza, edificam
suas habitações em moldes mais simples e rudimentares; todavia, o homem
que já atingiu certo padrão de ideal, desenvolvendo faculdades superiores,
constrói o lar, organizando plantas prévias.
8 Indicando o quadro interior,
extremamente movimentado, acrescentou, sorridente:
— Não estamos aqui senão cogitando, igualmente, de projetos para futuras habitações
carnais. 9 O corpo
humano não deixa de ser a mais importante moradia para nós outros, quando
compelidos à permanência na Crosta. Não podemos esquecer que o próprio
Divino Mestre classificava-o como templo do Senhor. ( † )
10 Impressionado, seguia atenciosamente
os trabalhos em curso. Dispúnhamo-nos a seguir adiante, quando uma irmã,
de porte muito respeitável, aproximou-se saudando Manassés, afetuosamente.
Ele respondeu com gentileza e apresentou-ma:
— É nossa irmã Anacleta.
Cumprimentei-a, sentindo-lhe a simpatia pessoal.
— Trata-se de uma das nossas trabalhadoras mais corajosas, — acentuou o funcionário
do trabalho de informações.
11 A senhora sorriu, algo contrafeita
por se ver focalizada na opinião franca do companheiro. Todavia, Manassés,
com o otimismo que lhe era característico, prosseguiu:
— Imagine que voltará à Esfera do Globo, em breves dias, em tarefa de profunda abnegação por quatro entidades que, há mais de quarenta anos, se debatem em regiões abismais das zonas inferiores.
12 — Não vejo nisso
abnegação alguma, — atalhou a senhora, sorrindo, — cumprirei tão somente
um dever.
E fixando-me, desassombrada e serena, asseverou:
— As mães que não completaram a obra de amor que o Pai lhes confia junto dos filhos amados, devem ser bastante fortes para recomeçarem os serviços imperfeitos. Esse o meu caso. Não se deve mencionar sacrifício onde existe apenas obrigação.
13 Interessava-me a história
daquela irmã despretensiosa e simpática e, por isso mesmo, animei-me
a perguntar-lhe:
— Regressará, então, dentro em breve? De qualquer maneira, sua resolução traduz devotamento e bondade. Não posso esquecer que também minha mãe voltou ao Círculo da carne, tangida por sublime dedicação.
14 Notei que os olhos dela
se encheram de lágrimas discretas, que não chegaram a cair, emocionada
talvez com a minha observação sincera. Estendeu-me a destra; gentilmente,
e, dando a ideia de que não desejava continuar em conversação relativa
ao assunto, disse-me, comovida:
— Muito grata pelo conforto de suas palavras. Mais tarde, ao se lembrar de mim, ajude-me com o seu pensamento amigo.
15 Nesse ponto da ligeira palestra,
Manassés indagou:
— Já recebeu todos os projetos?
— Sim, — respondeu ela, — não somente os que se referem aos meus pobres filhos,
mas também a planta relativa à minha própria forma futura.
16 — Está satisfeita?
— Muitíssimo! — Redarguiu a dama. — Na lei do Pai, a justiça está cheia de misericórdia e continuo na condição de grande devedora.
Em seguida, despediu-se, calma e afável.
17 Manassés compreendeu-me
a curiosidade e explicou:
— Anacleta é um exemplo vivo de ternura e devotamento, mas voltará
às lutas do corpo a fim de operar determinadas retificações no coração
materno. 18 Por imprevidência
dela, noutro tempo, os quatro filhos, que o Senhor lhes confiara, caíram
desastradamente. A pobrezinha albergava certas noções de carinho que
não se compadecem com a realidade. 19
Seu esposo era homem probo e trabalhador e, apesar de abastado, nunca
se esqueceu dos deveres que lhe prendiam as atividades de homem de bem
ao campo da sociedade em geral. Caracterizava-se por uma energia sempre
construtiva, mas a esposa, embora devotadíssima, contrariava-lhe a influência
no lar, viciando o afeto de mãe com excessos de meiguice desarrazoada.
20 E, como consequência
indireta, quatro almas não encontraram recursos para a jornada de redenção.
Três rapazes e uma jovem, cuja preparação intelectual exigira os mais
árduos sacrifícios, caíram muito cedo em desregramentos de natureza
física e moral, a pretexto de atenderem a obrigações sociais. 21
E tão degradantes foram esses desregramentos que perderam muito cedo
o templo do corpo, entrando em regiões baixas, em tristes condições.
Anacleta, contudo, voltando ao campo espiritual, compreendeu o problema
e dispôs-se a trabalhar afanosamente para conseguir, não só a reencarnação
de si própria, senão também a dos filhos que deverão segui-la nas provas
purificadoras da Crosta.
22 — Quantos anos gastou para
obter semelhante concessão? — Perguntei, impressionado.
— Mais de trinta.
— Imagino-lhe os sacrifícios futuros! — Exclamei.
23 — Sim, — esclareceu Manassés,
— a experiência ser-lhe-á bem dura, porque dois dos rapazes deverão
regressar na condição de paralíticos, um na qualidade de débil mental
e, para auxiliá-la na viuvez precoce, terá tão somente a filha, que,
por si mesma, será também portadora de prementes necessidades de retificação.
8.
Ia dizer de minha profunda surpresa, diante do mecanismo de introdução
ao serviço reencarnacionista, quando outra irmã se acercou de nós, procurando
por Manassés.
2 Depois das saudações afetivas,
explicou-se ela, gentil, dirigindo-se ao meu novo amigo:
— Desejo sua obsequiosa interferência na retificação do meu plano.
3 E abrindo pequeno mapa,
onde se via desenhado com extrema perfeição um organismo de mulher,
acentuou:
— Veja bem o meu projeto para o sistema endocrínico. Sei que os amigos me favoreceram, planejando-o com muita harmonia nas menores disposições; entretanto, desejaria modificações…
— Em que sentido? — Indagou o interpelado, surpreso.
4 A recém-chegada indicou
os pontos do projeto onde se localizava o colo e falou:
— Fui advertida por benfeitores daqui, no sentido de não me apresentar na Crosta,
dentro de linhas impecáveis para a forma física e, em razão disso, para
que eu tenha mais probabilidades de êxito em meu favor, na tarefa que
me proponho a desempenhar, estimaria que a tiroide e as paratiroides
não estivessem tão perfeitamente delineadas. 5
Como sabe, Manassés, minha tarefa não será fácil. Devo reaver um patrimônio
espiritual de grandes proporções. Preciso fugir de qualquer possibilidade
de queda e a perfeita harmonia física me perturbaria as atividades.
6 O novo companheiro endereçou-me
expressivo olhar e disse-lhe:
— Tem razão. A sedução carnal é imenso perigo, não só para aqueles que emitem a sua influenciação, como também para quantos a recebem.
— Prefiro a fealdade corpórea, — tornou ela. — Não estou interessada
num corpo de Vênus e, sim, na redenção de meu Espírito para a Eternidade.
7 Manassés prometeu interpor
os seus bons ofícios, e, tão logo se despediu da nova interlocutora,
passou a mostrar-me as mais interessantes figurações de órgãos do corpo
humano.
9.
Admirava, tomado de profunda impressão, aqueles gráficos numerosos que
se alinhavam, com absoluta ordem, demonstrando o cuidado espiritual
que precede o serviço de reencarnações, quando o meu amigo ponderou:
2 — A medicina humana
será muito diferente no futuro, quando a Ciência puder compreender a
extensão e complexidade dos fatores mentais no campo das moléstias do
corpo físico. 3 Muito
raramente não se encontram as afecções diretamente relacionadas com
o psiquismo. Todos os órgãos são subordinados à ascendência moral. As
preocupações excessivas com os sintomas patológicos aumentam as enfermidades;
as grandes emoções podem curar o corpo ou aniquilá-lo. 4
Se isso pode acontecer na Esfera de atividades vulgares das lutas físicas,
imagine o campo enorme de observações que nos oferece o Plano espiritual,
para onde se transferem, todos os dias, milhares de almas desencarnadas,
em lamentáveis condições de desequilíbrio da mente. 5
O médico do porvir conhecerá semelhantes verdades e não circunscreverá
sua ação profissional ao simples fornecimento de indicações técnicas,
dirigindo-se, muito mais, nos trabalhos curativos, às providências espirituais,
onde o amor cristão represente o maior papel.
6 Desejando, porém, prosseguir
nos esclarecimentos, quanto ao serviço reencarnacionista, Manassés tomou
pequeno gráfico e, apresentando-me as linhas gerais, acentuou:
— Aqui temos o projeto de futura reencarnação dum amigo meu. Não observa certos pontos escuros, desde o cólon descendente à alça sigmóide? Isso indica que ele sofrerá uma úlcera de importância, nessa região, logo chegue à maioridade física. Trata-se, porém, de escolha dele.
7 E porque extrema curiosidade
me vagueasse nos olhos, Manassés explicou:
— Esse amigo, faz mais de cem anos, cometeu revoltante crime, assassinando
um pobre homem a facadas; logo que se entregou ao homicídio, qual acontece
muitas vezes, a vítima desencarnada ligou-se fortemente a ele, e da
semente do crime, que o infeliz assassino plantou num momento colheu
resultados terríveis por muitos anos. 8
Como não ignora, o ódio recíproco opera igualmente vigorosa imantação
e a entidade, fora da carne, passou a vingar-se dele, todos os dias,
matando-o devagarinho, através de ataques sistemáticos pelo pensamento
mortífero. 9 Em suma,
quando o homicida desencarnou, por sua vez, trazia o organismo perispiritual
em dolorosas condições, além do remorso natural que a situação lhe impusera.
Arrependeu-se do crime, sofreu muito nas regiões purgatoriais e, depois
de largos padecimentos purificadores, aproximou-se da vítima, beneficiando-a
em louváveis serviços de resgate e penitência. 10
Cresceu moralmente, tornou-se amigo de muitos benfeitores, conquistou
a simpatia de vários agrupamentos de nosso Plano e obteve preciosas
intercessões. Entretanto… a dívida permanece. 11
O amor, contudo, transformou o caráter do trabalho de pagamento. O nosso
amigo, ao voltar à Crosta, não precisará desencarnar em espetáculo sangrento,
mas onde estiver, durante os tempos de cura completa, na carne que ele
outrora menosprezou, carregará a própria ferida, conquistando, dia a
dia, a necessária renovação. 12
Experimentará desgostos, em virtude do sofrimento físico pertinaz, lutará
incessantemente, desde a eclosão da úlcera até o dia do resgate final
no aparelho fisiológico; entretanto, desde que saiba manter-se fiel aos compromissos
novos, terá atingido, mais tarde, a plena libertação.
13 Enquanto fixava no projeto
minha melhor atenção, Manassés continuava:
— Segundo observamos, a justiça se cumpre sempre, mas, logo se disponha o Espírito à precisa transformação no Senhor, atenua-se o rigorismo do processo redentor. O próprio Jesus nos lembrou, há muitos séculos, que “o amor cobre a multidão dos pecados”. ( † )
Examinei, impressionado, a planta educativa e, porque não encontrasse palavras
bastante claras para pintar minha admiração, silenciei comovidamente.
14 Compreendendo-me o estado
dalma, o companheiro continuou:
— São inúmeros os projetos de corpos futuros em nossos setores de serviço.
Depreende-se, da maioria deles, que todos os enfermos na carne são almas
em trabalho da ingente conquista de si próprias. 15
Ninguém trai a Vontade de Deus, nos processos evolutivos, sem graves
tarefas de reparação, e todos os que tentam enganar a Natureza, quadro
legítimo das leis divinas, acabam por enganar a si mesmos. 16
A vida é uma sinfonia perfeita. Quando procuramos desafiná-la, no círculo
das notas que devemos emitir para a sua máxima glorificação, somos compelidos
a estacionar em pesado serviço de recomposição da harmonia quebrada.
17 E, durante alguns
dias, ali permaneci na instituição benemérita, compreendendo que a existência
humana não é um ato acidental e que, no plano da ordem divina, a justiça
exerce o seu ministério, todos os dias, obedecendo ao alto desígnio
que manda ministrar os dons da vida “a cada um por suas obras”. ( † )
André Luiz
[1] Vide Nosso Lar. — Nota do Autor espiritual.